Senhor Presidente da Câmara Municipal da Guarda,
Senhor Professor Doutor Eduardo Lourenço,
Senhora Secretária de Estado da Cultura,
Senhor Reitor da Universidade de Salamanca,
Senhora Conselheira da Cultura e Turismo da Junta da Estremadura,
Faz hoje anos que o rei D. Sancho I, em 1199, atribuiu foral a esta cidade.
Neste dia tão cheio de significado para a Guarda, gostaria de saudar, na pessoa do senhor Presidente da Câmara, todos os seus habitantes e todos aqueles que de alguma forma lhe estão associados, muito em especial o Professor Eduardo Lourenço, cujo nome foi dado à Biblioteca que acabámos de inaugurar e ao prémio que foi entregue durante esta cerimónia.
Gostaria igualmente de saudar as autoridades regionais e académicas da vizinha Espanha, que estão de visita à cidade da Guarda nesta sua data festiva e que também se encontram ligadas ao Prémio Eduardo Lourenço.
Infelizmente, do vencedor a quem deveríamos ter entregue o prémio e homenagear durante esta cerimónia, já só está connosco a saudade e a admiração que todos sentimos pelo notável trabalho que ele desenvolveu em prol da aproximação entre os nossos dois povos.
Quero, por isso, em nome dos portugueses e em meu nome pessoal, endereçar à família de Angel Campos Pámpano os mais sentidos pêsames. Quero, sobretudo, assegurar-lhe que não o esqueceremos, nem deixaremos de honrar a dívida que contraímos para com o excelente tradutor dos nossos poetas e o incansável construtor de pontes entre as nossas culturas, que ele foi a vida inteira.
Dizem os historiadores que o objectivo do rei D. Sancho, ao fundar esta cidade, foi sobretudo criar aqui, nas alturas da serra, a principal das fortalezas para defender a então ainda recente independência nacional, perante eventuais ameaças dos reinos vizinhos de Castela e Leão.
É daí, dizem ainda os mesmos historiadores, que lhe vem o nome de Guarda.
Ao longo dos séculos, o papel que a história destinou a esta terra, de onde se avista não só a Espanha mas também a importante malha de castelos erguidos, do lado português, em toda a região, foi garantir a integridade do território nacional.
A Guarda simbolizou, acima de tudo, a vontade indomável e altaneira dos portugueses de permanecerem um povo independente.
Os tempos, no entanto, mudaram. As desconfianças ou mesmo os combates que no passado opuseram as populações de um lado e de outro da fronteira, dão hoje lugar a um amistoso e crescente relacionamento, em que reaparecem e se consolidam seculares afinidades, tanto geográficas como culturais.
Todos sabemos que os nossos caminhos se cruzam agora num horizonte mais vasto, que é o espaço europeu. Das alturas da serra da Estrela, já não se avistam inimigos, mas sim aliados, gentes de quem as circunstâncias políticas e militares nos separaram durante séculos, mas a quem a geografia sempre nos ligou profundamente e com quem estamos apostados em dialogar, cooperar e fortalecer as relações a todos os níveis.
Desta mudança, a vários títulos histórica, a Guarda foi sem dúvida uma das primeiras cidades a dar-se conta e a perceber o alcance.
Prova disso é a forma como ela comemora hoje o seu feriado municipal, inaugurando uma biblioteca com o nome de Eduardo Lourenço e entregando um prémio, igualmente com o nome do escritor, destinado a galardoar personalidades ou instituições com intervenção relevante e inovadora no âmbito da cooperação e no domínio das culturas e das comunidades ibéricas.
Só quem conhece as dificuldades com que o interior do País ainda se defronta sabe o alcance de uma aposta, tão expressiva como esta, na valorização cultural das populações.
Só quem ainda se recorda do modo como a fronteira entre Portugal e Espanha constituía um muro entre povoados que pouco ou nada sabiam uns dos outros, por mais pequena que fosse a distância a separá-los, poderá dar o devido valor ao empenho no diálogo e na cooperação transfronteiriça que este prémio representa.
A cidade da Guarda compreendeu perfeitamente as transformações profundas que os novos tempos exigem. Soube apostar no conhecimento.
Soube cultivar amizades do outro lado da fronteira.
Soube, acima de tudo, reconhecer na figura de Eduardo Lourenço, um símbolo à altura da sua justa ambição de se modernizar e vencer o isolamento, sem no entanto abdicar da sua identidade.
Eduardo Lourenço, que nasceu nesta região e aqui passou a infância, é o exemplo acabado do homem cujos horizontes não se confinam ao torrão natal e se projecta para lá das fronteiras, mas que nem por isso fica menos preso às raízes.
Ele próprio disse, numa entrevista, referindo-se a si mesmo: «Um português, quando sai de casa, sai mesmo para outro mundo. Mas pensa no que deixou, mais do que se estivesse em casa».
Professor, ensaísta, intelectual reconhecido na Europa e no Brasil, Eduardo Lourenço foi de facto alguém que saiu cedo para um outro mundo, o mundo cosmopolita da cultura e do humanismo.
Felizmente para nós, ele foi também alguém que nunca deixou de pensar naquilo que deixara para trás. Pode mesmo dizer-se que, vivendo desde então no estrangeiro, Eduardo Lourenço teve sempre em Portugal, na nossa cultura e na nossa história, o tema de eleição da sua escrita.
A ele se devem, por exemplo, algumas das melhores páginas sobre Fernando Pessoa, Antero de Quental, Luís de Camões e tantos outros autores portugueses.
Da mesma forma, a ele se deve a mais profunda e insistente reflexão das últimas décadas sobre a nossa identidade, o modo de ser português, tal como este se detecta na obra dos principais escritores e artistas.
Mesmo quando Eduardo Lourenço reflecte sobre a Europa – e são muitos os seus escritos sobre a cultura e a realidade europeias – é ainda e sempre uma reflexão com Portugal em pano de fundo, tentando perceber as razões que durante séculos nos afastaram, a nós e à vizinha Espanha, do mundo de além-Pirinéus.
Não surpreende, por isso, que Eduardo Lourenço seja a personalidade em quem a Guarda se revê, no momento em que pretende reafirmar a sua singularidade, já não como vigia das fronteiras e fortaleza avançada da independência, mas como ponte estendida às regiões que com ela confinam e que enfrentam dificuldades e desafios semelhantes.
Felicito, pois, a Guarda por este reencontro com um dos seus filhos mais ilustres.
Faço votos para que a cidade consolide a renovação cultural, em boa hora iniciada, e para que os seus habitantes possam, enfim, usufruir do desenvolvimento e do bem-estar que a sua anterior condição de isolamento lhes negou por tanto tempo.
Muito obrigado.