Senhor Presidente da República Federativa do Brasil e meu querido amigo,
Senhor Presidente do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro,
Senhores Embaixadores,
Senhor Cônsul-Geral,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Permitam-me que comece por destacar a grata presença, entre nós, de Sua Excelência o Presidente Luis Inácio Lula da Silva, num gesto que muito me sensibiliza e que tanto honra esta Casa e tudo quanto ela representa.
Dificilmente se poderia encontrar melhor lugar do que este histórico edifício do Real Gabinete Português de Leitura para assinalar o bicentenário da vinda da Corte portuguesa para o Brasil.
A extraordinária beleza desta sala que nos envolve é um sinal, um sinal que devemos saber ler e interpretar. É a prova de que aqueles portugueses que aqui aportaram e construíram este edifício viam no Brasil uma terra a estimar e engrandecer, onde queriam permanecer, criar raízes, deixar marcas perenes na forma de lugares tão dignos de respeito e admiração como este Real Gabinete Português de Leitura.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Como Presidente da República Portuguesa, foi com uma satisfação muito particular que aceitei o honroso convite que me dirigiu o Presidente Lula da Silva para me deslocar ao Brasil numa data tão importante para os nossos dois países.
Mais do que pronunciar-me, nesta ocasião, sobre o alcance que teve para o Brasil, mas também para Portugal, a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro, prefiro antes sublinhar que temos uma memória comum, um caminho percorrido a dois.
O Brasil sempre foi para Portugal uma terra tão próxima que, há duzentos anos, um Rei, num gesto inédito na História do mundo, decidiu para aqui deslocar-se e transferir a sua Corte. Não veio de passagem, nem sequer pretendeu permanecer no Rio de Janeiro apenas por uns breves meses. D. João VI chegou ao Brasil com a firme intenção de aqui instalar a capital de um Império que se estendia por vários continentes até à Ásia.
Vale a pena comemorar o passado se, com isso, celebrarmos o futuro. Sobretudo quando os tempos que se avizinham se mostram promissores e carregados de esperança. Além do valor simbólico do gesto, assinalar a vinda da Corte portuguesa para o Brasil é transformar a memória e o legado do tempo pretérito no desejo de uma maior ambição de futuro.
Todos conhecemos os laços que nos unem, a amizade fraterna entre o Brasil e Portugal, o nosso singularíssimo afecto atlântico, feito de tantas cumplicidades.
Mas todos sabemos, também, os riscos que correm os sentimentos, o sentido que perdem as palavras, por mais belas que sejam, quando os não traduzimos em realizações concretas e partilhadas.
Hoje, é possível comemorarmos juntos um tempo em que, crescentemente, os actos dão sentido concreto às palavras.
Tal não significa esquecer a História. Pelo contrário, significa celebrá-la da melhor forma, fazendo da memória colectiva um motivo adicional para agir no presente. O nosso destino comum permanece vivo e, por isso, são acrescidas as nossas responsabilidades de presente e de futuro.
Portugal e o Brasil, enquanto Estados soberanos, mas também os brasileiros e os portugueses, enquanto cidadãos de nações livres e democráticas, têm a obrigação de estar à altura dos séculos que nos precederam e do património que nos legaram. Cabe-lhes, designadamente, tirar partido de todas as oportunidades em que a concertação de posições nos garanta uma maior afirmação na cena internacional. Sem complexos, como parceiros que se compreendem e respeitam e que entendem que esta é a melhor maneira de fazer valer os seus respectivos interesses nacionais.
Actualizar a comunhão dos afectos é também compreender, desde logo, que há um diálogo constante, feito mais pelos povos do que pelos Estados. Se houve um tempo em que a diáspora portuguesa escolheu o Brasil como destino, agora são muitos os brasileiros que buscam Portugal. A nossa História sempre foi feita de caminhos trilhados nos dois sentidos.
Os portugueses que aqui chegaram, como D. João VI, vieram quase sempre para ficar. E, mesmo quando não era esse o seu propósito original, com frequência acabaram por aqui permanecer e criar raízes, tão boa foi a forma como os receberam. Faço votos de que os brasileiros sejam tão bem acolhidos em Portugal como os portugueses o foram no Brasil. E tenho a certeza de que, ao dizer estas palavras, falo em nome de todos os cidadãos do meu País.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O Brasil é hoje muito mais do que “o País do futuro”. A promessa cumpriu-se: o Brasil é um grande País do presente, onde vale a pena apostar e investir com visão de futuro. Saúdo os empresários portugueses de ontem e de hoje que, com o seu dinamismo, se aperceberam de que o Brasil é uma certeza de presente e de futuro. Saúdo também os intelectuais e homens de cultura de ambos os países, porque, ao longo dos anos, discretamente, teceram laços que nem sempre as autoridades oficiais foram capazes de explorar.
Não por acaso, o Brasil é actualmente um dos principais, se não o principal dos destinos turísticos escolhidos pelos portugueses. A razão é simples. Ou, melhor, as razões são simples. Por um lado, a beleza desta terra e a simpatia natural e espontânea do seu povo. Por outro lado, o facto de nós, os portugueses, aqui nos sentirmos em casa.
Mas o Brasil é mais, tem de ser mais, do que um lugar de turismo. É uma terra de investimentos, com potencialidades económicas à dimensão do seu imenso território. E é, igualmente, um espaço de cultura, de uma cultura que os portugueses amam e conhecem, como julgo e desejo que os brasileiros amem e conheçam a cultura de Portugal.
A cultura portuguesa não foi a única a marcar o Brasil. Aqui convergiram, numa síntese originalíssima, muitos saberes e experiências de várias paragens do mundo, que se mesclaram com as tradições autóctones para fazer da gente brasileira um povo de vocação universal. Portugal deu um contributo decisivo para o singular mosaico de culturas em que assenta o universalismo do Brasil, como o Brasil deu um contributo decisivo para o universalismo de Portugal.
Hoje, assinalamos juntos, nesta Casa, um episódio determinante para a evolução histórica dos nossos dois países. Fazemo-lo como nações soberanas e confiantes, conscientes do capital que representa, no mundo de hoje, o que a História lhes legou.
Também esta Casa centenária se prepara para um tempo novo, de novos projectos, abertos à sociedade em que se insere e, em particular, aos mais jovens. Que essa coincidência de propósitos nos sirva de mote, é o meu desejo. Porque é chegado o tempo de ambos os países e de ambos os povos transformarem um passado comum num futuro construído a dois. Um futuro que já começou.
Muito obrigado.