Senhor Presidente da República Federativa do Brasil e meu caro amigo,
Senhor Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Senhores Ministros,
Senhores Deputados,
Senhor Prefeito do Rio de Janeiro,
Demais Autoridades,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Quero, antes de mais, agradecer as palavras do Presidente Lula da Silva, que muito me sensibilizam.
Foi com muita satisfação que aceitei o honroso convite que me endereçou, Senhor Presidente, para me associar às Comemorações que o Brasil promove para assinalar o Bicentenário da Chegada da Família Real ao Brasil. É para mim um motivo de grande satisfação poder hoje, com Vossa Excelência, proceder à inauguração desta Exposição, que, unindo instituições de ambos os lados do Atlântico, tão bem sublinha a relevância desse facto para a História dos nossos dois países.
Gostaria de prestar a minha homenagem a todos quantos tornaram possível esta Exposição. Permitam-me uma palavra de particular reconhecimento pela dedicação e profissionalismo da Directora deste magnífico Museu, Dra. Vera Tostes, e de sentido agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian, aqui representada pelo seu Presidente.
Excelências,
Há pouco mais de duzentos anos, nascia uma expressão popular que ainda hoje partilhamos em todo o espaço da lusofonia: “ficar a ver navios”. Assim descreveu o povo o que aconteceu ao General Francês Junot e às suas tropas, quando, assomando às portas de Lisboa, constataram, estupefactos e incrédulos, aquilo que acabava de acontecer: num gesto sem precedentes na História, partia, rumo a terras americanas, grande parte do aparelho de Estado da mais antiga nação da Europa, tendo à cabeça a própria Família Real.
Dois séculos passados, são hoje reconhecidos o arrojo político e a visão estratégica de tal decisão. Uma decisão cuja complexidade implicou, de resto, um planeamento e organização que dificilmente se coadunam com a ideia de que tudo se teria decidido e concretizado num curto espaço de dias.
Haverá, porventura, quem diga que os resultados obtidos não terão sido aqueles com que contava D. João VI. Afinal, se pretendia garantir a indissolubilidade do Império luso, acabou associado à criação das estruturas e ao florescer das convicções patrióticas que estariam na origem do nascimento de um outro Império, brasileiro, independente e soberano. Se queria preservar a sua visão do poder monárquico, acabou protagonista central dos alvores da monarquia constitucional.
Procurando resumir a sua obra por estas paragens, Raymundo Faoro citava Hipólito da Costa, em tom de picardia queirosiana, para dizer que D. João para aqui transferira “o Almanaque de Lisboa”. Que notável “Almanaque” esse, que, com as suas qualidades e defeitos, enquanto garantia a independência de Portugal, assegurava a integridade do Brasil e, com ela, um papel incontornável na cena internacional, além de ter permitido que o nascimento desta grande nação tivesse por base as estruturas essenciais ao funcionamento do Estado!
D. João VI amou profundamente esta terra, assumindo, de coração, o título de Príncipe do Brasil com que aqui chegou. Aqui foi aclamado Rei e aqui perto, no Outeiro da Glória, dedicou a Nossa Senhora os seus netos, os futuros Pedro II do Brasil e Maria II, de Portugal – a primeira Chefe de Estado de um país europeu nascida numa das suas colónias, condição que, de algum modo, partilhou com outro exemplo, o de Bernardino Machado, Presidente da República português e, também ele, filho da terra brasileira.
D. João VI amou esta terra ao ponto de não querer deixá-la, perante umas Cortes que, exasperadas, lhe ordenam que regresse e decidem que nunca mais o Chefe de Estado português se poderia ausentar do país sem o seu consentimento. Uma regra que se manteve, fazendo com que, no caso, seja eu o único cidadão português a ter que pedir autorização ao Parlamento para cruzar a fronteira. Foi o que fiz, aliás, para poder estar hoje aqui, com Vossa Excelência, Senhor Presidente, e todos vós. A isto chega a influência de D. João VI!
Acredito que quando regressou a Lisboa, a contragosto e melancólico, ao que se diz, D. João VI levasse consigo aquele sentimento tão próprio dos portugueses que o Brasil enfeitiça: esse já não se ser bem só uma coisa, ou outra, ser brasileiro, em Portugal, e português, no Brasil. Aquele sentimento que faz com que tão pouco pareça o que nos separa, por ser tão mais evidente aquilo que nos une.
Senhor Presidente,
No mundo em que vivemos, o muito que nos une possui um valor estratégico e exige que sejamos ambiciosos quanto ao futuro. Essa será a melhor maneira de estar à altura da nossa História.
A partilha dos mesmos valores e da mesma língua, e a comunhão de um vasto conjunto de interesses justificam uma cada vez mais estreita coordenação de posições entre os nossos países, a nível bilateral e na cena internacional.
Nunca tive qualquer dúvida a esse respeito. Em 1991, tive a honra, enquanto Primeiro-Ministro, de ter estado na origem das Cimeiras entre Portugal e o Brasil, quadro institucional que reflecte este propósito comum e em que assentam, hoje, as nossas relações.
Há que reconhecer os progressos que o nosso relacionamento conheceu nos últimos anos, alguns deles muito significativos e que se vieram somar à acção de uma comunidade portuguesa e luso-brasileira que de há muito fez do Brasil a sua casa, contribuindo com o seu esforço para o progresso desta terra e honrando, com ele, o nome de Portugal.
No entanto, estamos muito longe ainda daquilo que seria legítimo esperar do relacionamento entre dois países como os nossos.
É preciso favorecer tudo quanto possa contribuir para nos aproximar: o intercâmbio cultural, artístico e académico, a cooperação científica e tecnológica, as trocas comerciais, os fluxos turísticos e de investimento, os contactos entre as organizações em que se estruturam as nossas sociedades civis. Os Estados têm aqui um papel determinante, como promotores e facilitadores deste movimento.
É preciso aprofundar a nossa concertação política e projectá-la de forma mais determinada na cena internacional, sempre que os nossos interesses comuns o justificarem.
Desde logo, tirando partido das sinergias que nos oferece a parceria com as Nações irmãs de África e da Ásia que connosco integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, sonho e ambição desse grande brasileiro a quem quero aqui prestar uma comovida homenagem, o Embaixador José Aparecido de Oliveira.
E, se há um exemplo de interesse estratégico que partilhamos com os nossos parceiros da CPLP onde a necessidade dessa concertação e parceria é mais evidente, esse exemplo é a valorização e projecção internacional da língua portuguesa, de que o Brasil é o maior expoente.
Outro quadro onde essa parceria pode e deve afirmar-se é o da nossa inserção respectiva no Mercosul e na União Europeia. É do nosso interesse comum a aproximação entre as duas organizações, porque quanto maior ela for, mais relevante será o nosso papel em cada uma delas.
Por isso nos batemos, desde o início da nossa adesão, pela institucionalização das relações entre o Mercosul e a União Europeia, tendo promovido a primeira reunião entre os dois blocos durante a nossa primeira Presidência da União, em 1992. Por isso vimos defendendo, com iniciativas concretas, a superação dos obstáculos à celebração do Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul. Por isso nos empenhámos tanto na constituição da Parceria Estratégica entre o Brasil e a União Europeia, consagrada recentemente em Lisboa, durante a nossa Presidência da União
Parceria e concertação, ainda, no âmbito ibero-americano, porque é importante para Portugal e para o Brasil que seja valorizado, nesse contexto, aquilo que nos distingue dos outros, um objectivo que depende de uma estreita articulação na actuação diplomática dos nossos dois países.
Face a todos estes exemplos de domínios onde a concertação entre as nossas máquinas diplomáticas é necessária em nome do nosso interesse comum, não será chegado o tempo de uma cooperação mais estreita entre as nossas Instituições de Formação Diplomática, o Instituto Rio Branco do Brasil e o Instituto Diplomático de Portugal?
Não será já tempo de levar por diante programas de intercâmbio semelhantes aos que existem entre tantos outros países com muito menos cumplicidades do que nós, trazendo diplomatas portugueses para períodos alargados no Itamaraty e levando diplomatas brasileiros para o Palácio das Necessidades? E por que não dar a esse Programa o nome desse visionário luso-brasileiro, cujo 4º centenário celebramos este ano, o Padre António Vieira?
Senhor Presidente,
Neste dia em que juntos assinalamos um episódio da nossa História comum, depois do qual nenhum dos nossos países foi o mesmo; perante esta notável Exposição, e tendo em mente todos os eventos que congregaram portugueses e brasileiros na evocação desta efeméride, é esta a mensagem, a ambição que quero deixar: saibamos fazer, com aquilo que a História nos legou, um projecto de futuro de que possam beneficiar as gerações que virão depois de nós.
Muito obrigado