Senhor Secretário Executivo da CEPAL
Senhoras e Senhores
Foi com muito gosto que aceitei o honroso convite que me foi dirigido para incluir, nesta minha visita oficial ao Chile, um encontro com a CEPAL, uma das mais prestigiadas Comissões regionais das Nações Unidas.
Ao longo dos seus mais de cinquenta anos de existência, a CEPAL tem-se afirmado como uma entidade de referência na análise dos processos de desenvolvimento económico e social dos países latino-americanos e das Caraíbas e como importante pólo de fomento e apoio à coordenação e à cooperação regional e internacional.
Portugal faz parte, desde 1984, dos Estados-membros da CEPAL, tal como outros países europeus, geograficamente distantes, mas que permanecem ligados a esta região do mundo por fortes laços históricos, económicos e culturais. Laços que fundamentam uma convergência natural entre a Europa e a América Latina, feita de línguas e de culturas, de afinidades, de valores e, até, de afectos. Feita, em suma, de todo um património que deve ser valorizado e traduzido numa verdadeira parceria estratégica.
A adesão de Portugal e de Espanha à União Europeia, em 1986, trouxe um interesse acrescido e uma renovada atenção ao relacionamento da Europa com a América Latina. Não foi por acaso que o primeiro encontro ministerial entre a União Europeia e o Mercosul se realizou na primeira presidência portuguesa da União, em 1992. E, ainda recentemente, foi sob a actual presidência portuguesa que teve lugar, em Lisboa, a primeira Cimeira UE-Brasil.
Longe de ter inibido, como alguns temiam, as relações privilegiadas que mantém com várias regiões do mundo, designadamente com os países de língua portuguesa e com os da América Latina, a participação de Portugal na União Europeia tem funcionado, em larga medida, como uma alavanca para o reforço dessas relações.
Decorridas mais de duas décadas desde a adesão, Portugal pode dar testemunho dos benefícios da integração europeia. Os resultados foram visíveis, não só em termos de estabilidade e democracia, mas também no que se refere ao aumento do nível de desenvolvimento económico e social, ímpar na nossa história recente.
A necessidade de nos adaptarmos ao acervo comunitário existente à data da adesão, de competir no mercado único e de criar as condições de convergência para adopção do euro implicou reformas profundas no nosso quadro jurídico e administrativo e no modelo de funcionamento da nossa economia. Ao longo deste período de desafios exigentes e de intensas mudanças, Portugal tem sido um parceiro empenhado, solidário e activo no processo de construção europeia.
A integração europeia constitui um processo, já longo de cinquenta anos, feito de enormes sucessos, mas também pontuado por algumas fases de hesitação e de cepticismo. Trata-se de uma construção única na história, difícil de reproduzir na sua dinâmica específica, mas que pode e deve continuar a ser fonte inspiradora para outros movimentos de integração regional, em particular na América Latina.
Permitam-me que aproveite esta oportunidade para sublinhar alguns dos factores que considero cruciais para o êxito da experiência europeia de integração.
Começaria por relevar a partilha de valores comuns – liberdade, democracia, direitos do Homem, Estado de direito. Essa matriz de valores constitui o mais sólido alicerce da construção europeia.
Em segundo lugar, os princípios fundacionais adoptados, designadamente o binómio subsidiariedade-solidariedade. Por um lado, esclarece os diferentes níveis de responsabilidade entre a União e os Estados-membros, e, por outro, assegura a confiança dos Estados e dos cidadãos no aprofundamento da integração e reforça o sentido de pertença a uma verdadeira comunidade.
A coesão económica e social, um dos mais expressivos exemplos de aplicação concreta do princípio da solidariedade, firmemente ancorado nos interesses comuns, tornou-se, de facto, uma marca distintiva do processo de integração europeia e uma poderosa alavanca de convergência económica e de progresso social.
Em terceiro lugar, o respeito pela diversidade. A Europa apresenta-se como um continente muito diverso, muito plural, provavelmente bem mais diverso do que a América Latina. E, todavia, foi possível levar por diante um processo integrador, respeitando a diversidade como um valor precioso e inalienável. Daí a complexidade e a sensibilidade do processo de aprofundamento da integração europeia. Daí, também, a sua riqueza e singularidade.
A União Europeia é, eminentemente, uma construção de Estados soberanos que decidem fazer uma gestão partilhada da soberania em áreas onde os interesses comuns são dominantes. Portugal, que tem uma identidade forte e velha de quase nove séculos, vê a diversidade europeia como um valor e não como um obstáculo.
A arquitectura institucional da integração europeia é outro dos factores do seu sucesso. Trata-se de um modelo original que, embora contendo alguns elementos de cariz federal, não corresponde, de facto, a um modelo federal convencional. Assenta, em boa medida, numa instituição supranacional e independente – a Comissão Europeia -, a que foi conferida a responsabilidade de defender o interesse comum, e à qual, sabiamente, foi atribuído o exclusivo do direito de iniciativa.
Pequenos, médios e grandes Estados-membros, culturas, línguas e tradições diferenciadas, e, até, rivalidades ancestrais coexistem no quadro da União Europeia. Estou convencido de que, sem a Comissão - actualmente presidida por um português - não teria sido possível garantir consistência, coerência e sustentabilidade ao processo de integração europeia.
Um longo caminho foi já percorrido desde o Tratado de Roma até ao Tratado de Lisboa, recentemente acordado. Julgo não exagerar ao dizer que a ideia de unidade europeia é uma utopia que tem vindo a ser pragmaticamente realizada.
A prioridade da construção europeia foi, inicialmente, para a integração económica, que a levou de uma União Aduaneira até à União Económica e Monetária dos nossos dias. O euro, a moeda única europeia, veio culminar um intenso processo de integração, escorado na realização de um verdadeiro mercado único, de um espaço sem fronteiras com cerca de 500 milhões de habitantes, ou seja, o maior mercado integrado e concorrencial do mundo.
Agora, designadamente com o Tratado de Lisboa, que vai ser assinado em Dezembro próximo, visa-se aprofundar a dimensão política da integração económica, melhorar a eficiência, a transparência e a democraticidade do processo de decisão comunitário e reforçar a eficácia da União Europeia na cena internacional. Passou-se, em 50 anos, de uma Comunidade Económica de seis Estados para uma União de 27 membros, mais uma prova inequívoca da atracção que exerce o projecto de integração europeia.
Este caminho é prova, também, de uma consciência acrescida de que os desafios da globalização podem ser mais facilmente enfrentados num quadro de integração regional, que tire partido das sinergias de escala e potencie a capacidade de agir nos fora multilaterais.
As integrações regionais contribuem decisivamente para dar consistência e equilíbrio à economia global. O próprio multilateralismo beneficia dos projectos de integração regional. Para trás está a tese, que chegou a fazer escola, de que a globalização era incompatível com integração regional. Ao contrário, está hoje bem claro que a globalização, para ser consistente e equilibrada, carece não só de um quadro eficaz de disciplina multilateral, mas também do suporte do multiregionalismo.
A experiência europeia demonstra bem que a integração económica, quando realizada de uma forma equilibrada, consistente e gradual, e com recurso aos instrumentos institucionais adequados, pode ser um factor decisivo de desenvolvimento económico e social e de estabilidade e segurança. É aqui que parece haver um desafio que se coloca à América Latina.
Visto do lado europeu, e tendo em conta as afinidades e a convergência de interesses dos países latino-americanos, parece existir um elevado potencial, ainda relativamente inexplorado, em matéria de cooperação e de integração económica regional. Este é, naturalmente, um desafio que cabe aos povos latino-americanos dar resposta.
Tanto a Europa como a América Latina têm interesse não apenas numa ordem multilateral, mas num mundo multipolar que previna quaisquer tentações hegemónicas. O bilateralismo e o desregramento das relações económicas internacionais são contrários aos interesses de ambas as regiões.
Para além de partilhar com a América Latina e com as Caraíbas de inegáveis afinidades históricas, culturais e linguísticas, a União Europeia é um dos seus maiores parceiros comerciais e o principal investidor directo estrangeiro. Contudo, o potencial das relações económicas, políticas e comerciais entre a União Europeia e a América Latina encontra-se, ainda, insuficientemente aproveitado, apesar da clara complementaridade que caracteriza as duas regiões.
Senhoras e Senhores,
São muito fortes as razões que recomendam o estreitamento dos laços entre a Europa e a América Latina. Julgo que as divergências negociais, nomeadamente no plano comercial, que se verificam no quadro de Doha não podem travar a realização da ampla agenda estratégica de interesses comuns a estas duas regiões do globo. Os benefícios mútuos dessa convergência estratégica justificam bem um renovado esforço, por parte de todos os actores, para superar os desentendimentos que persistem.
Para Portugal, torna-se particularmente claro que é hora de reafirmar a prioridade estratégica que a América Latina deve representar para a União Europeia. Os Estados latino-americanos são Estados próximos da Europa, no sentido mais profundo do termo. Na era global em que vivemos, seria imperdoável não valorizar e não tirar todo o partido da singularidade que nos une.
Muito obrigado