Reunimo-nos hoje para assinalar os 30 anos da entrada de Portugal nas Comunidades Europeias, um marco fundamental na história moderna do nosso país. Congratulo o Governo pela iniciativa de celebrar esta efeméride através da organização não só deste evento, mas também de vários outros que terão lugar ao longo dos próximos meses. Foi com muito gosto que aceitei o convite para encerrar esta cerimónia e associar-me à celebração.
Em 12 de junho de 1985, Portugal firmou, justamente aqui, no Mosteiro dos Jerónimos, o tratado de adesão às Comunidades Europeias. Não haveria, assim, local mais simbólico para assinalar esta data, sublinhar o seu significado e refletir sobre alguns dos desafios mais atuais e prementes que se colocam à União Europeia e aos seus cidadãos.
Começaria por reiterar o reconhecimento devido a todos os que contribuíram para a adesão de Portugal às Comunidades Europeias. Aos políticos que tiveram a visão, a audácia e a determinação de avançar por este caminho, bem como àqueles que, num plano mais diplomático ou técnico, trabalharam em negociações e dossiers exigentes para que este desígnio se concretizasse.
Este passo histórico para a consolidação do processo democrático português veio a contribuir, de forma determinante, para o desenvolvimento do País. Transformámo-nos estruturalmente e evoluímos económica e socialmente. Adotámos, desde então, novos referenciais e assumimos um papel ativo na construção do projeto europeu.
Se é indiscutível que o nosso País muito recebeu da UE, a verdade é que também muito lhe deu. Portugal trouxe à Europa o legado da sua História, a marca do diálogo Atlântico, o universalismo da sua língua e da sua cultura.
Os nossos laços especiais de amizade com África e a América Latina, a Diáspora presente em todos os pontos do mundo e a própria afirmação internacional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa são fatores que contribuem para a projeção global da União Europeia e dos seus valores.
Portugal é hoje, talvez, o Estado-Membro mais bem colocado para promover, no seio da União, a triangulação estratégica entre a Europa, a África e a América Latina.
Com profundas implicações em quase todos os setores, a adesão foi, de facto, um marco na vida do País. Tive a honra de participar, enquanto Primeiro-Ministro, neste princípio de aventura europeia. Fi-lo – e perdoem-me a nota pessoal – com orgulho mas, sobretudo, com consciência das responsabilidades assumidas. Recordo-me que, no último dia do ano de 1985, dirigi uma mensagem aos Portugueses, salientando a enorme tarefa coletiva que a adesão representava e as mudanças que teriam de ser realizadas para aproveitarmos bem as oportunidades de progresso económico e social que se abriam ao nosso País.
Tive o privilégio de testemunhar mudanças geopolíticas de dimensão histórica que marcaram o nosso continente – algumas, o Mundo – e influenciaram o rumo da construção europeia.
Quando muitos pensavam que, com a aprovação do Ato Único Europeu em 1985, o processo de integração estabilizaria por longos anos, a verdade é que, pouco tempo depois, em 1989, ele viria a conhecer uma forte aceleração. O aprofundamento da integração europeia foi então a forma encontrada para dar resposta à nova situação geopolítica da Europa.
Portugal procurou conquistar credibilidade através de uma participação ativa, séria e construtiva na vida comunitária e no processo de aprofundamento da integração europeia. Houve sempre a preocupação de colocar a defesa dos interesses nacionais no quadro do interesse comunitário e não numa linha meramente egoísta e nacionalista. Hoje, com as profundas interdependências económicas, financeiras e políticas a nível global, esta atitude torna-se ainda mais pertinente.
Na Assembleia da República, numa sessão de balanço da primeira Presidência Portuguesa do Conselho da UE, em julho de 1992, tive ocasião de afirmar: “Portugal mostrou que é um país europeu moderno, que sabe aproveitar devidamente as oportunidades que se lhe abrem e que pode dar um contributo muito positivo para a construção europeia e para a solução de muitos problemas mundiais da atualidade”.
O mesmo pode ser dito a propósito das Presidências Portuguesas exercidas em 2000 e 2007. Sendo que o facto de termos tido o Dr. Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia, durante dois mandatos, para além do reconhecimento dos seus méritos e competências, foi também o reconhecimento da credibilidade do nosso País.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Passados 30 anos, penso que a questão de saber se o balanço é ou não positivo já não se coloca. A resposta pode hoje ser dada com objetividade. Mas sugiro um exercício que pode ser bem ilustrativo: tente-se imaginar como seria hoje Portugal se não se tivesse tornado membro da União Europeia.
Ao longo destas três décadas, sobressai, desde logo, a vertente do desenvolvimento económico e social do País, para o qual contribuíram, nomeadamente, o acesso ao grande mercado europeu e o impulso conferido pelos fundos comunitários e pelas reformas estruturais levadas a cabo. Quando aderimos, o nosso Produto per capita situava-se à volta de 53 por cento da média europeia. Quinze anos mais tarde, estávamos perto dos 75 por cento. Desde a Adesão que Portugal tem sido beneficiário da Coesão Económica e Social, um valor fundamental, e, em paralelo com o Mercado Interno, um pilar político da União.
Para o sucesso da nossa integração, vale a pena sublinhá-lo, contribuiu igualmente uma ampla convergência estratégica, por parte das principais forças políticas e dos parceiros económicos e sociais, em torno da nossa participação na União Europeia, também revelada na cooperação entre órgãos de soberania.
Portugal tem estado, com empenho e entusiasmo, na linha da frente daqueles que têm apoiado os “pequenos-grandes passos” de um projeto de integração que soube sempre responder às crises através de um maior aprofundamento e da reafirmação dos seus princípios fundacionais.
Um dos exemplos mais recentes desta tendência tem sido a evolução política e legislativa no domínio económico e financeiro, designadamente na regulação do funcionamento do sistema bancário, que se verificou em resposta à crise na Zona Euro.
A crise da dívida soberana veio expor, entre outras coisas, as insuficiências da arquitetura da União Económica e Monetária. Só pela criação de uma verdadeira UEM se poderá fazer frutificar em pleno o ambicioso e inovador empreendimento da construção europeia, através do aprofundamento da integração económica e da coordenação orçamental e da realização da União Bancária.
Note-se, ainda, que Portugal tem sabido impulsionar, de forma proativa, as políticas públicas europeias, em linha com os interesses nacionais. Foi o que aconteceu com a criação da política marítima integrada da União Europeia que, na sequência do alargamento da União ao centro e leste da Europa, a partir de 2004, veio trazer um olhar novo sobre as bacias marítimas da Europa e, em particular, sobre a bacia do Atlântico. Portugal deve orgulhar-se da forte impressão digital nacional por detrás dessa nova política europeia e deve, principalmente, saber tirar pleno partido das oportunidades que ela propicia.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A chamada “opção europeia” encontra-se no centro da vida política e económica nacional, estando igualmente, de muitas e variadas formas, no centro da vida dos portugueses. A sociedade portuguesa é convictamente europeísta. Apesar das dificuldades que encontrámos no percurso, fomos interiorizando a convicção de que a integração europeia era um fator decisivo de desenvolvimento e modernização do País e um fator de abertura e de afirmação de Portugal no Mundo.
Somos europeus, não apenas pela geografia, mas também por opção, pelo desejo de pertença a um espaço integrado de partilha e aprofundamento de valores comuns como o respeito pelos direitos humanos, a justiça, a democracia ou a proteção social, ainda que sempre atendendo às diferenças nacionais.
Ao longo das últimas décadas, já o disse, o projeto europeu materializou-se numa construção política extraordinária e num modelo para muitos.
Instituiu-se o mercado único. Eliminaram-se fronteiras, estabeleceu-se a livre circulação de pessoas, de conhecimento, de cultura. Criou-se o maior bloco económico do Mundo e uma moeda comum. Avançámos rumo a uma união económica e monetária e demos passos significativos no sentido de uma união política. Somos um espaço de dignidade humana, um destino de liberdade e de justiça, que muitos procuram e não apenas por razões económicas. A Europa é também, hoje, o ambiente natural dos nossos jovens, que sempre ambicionaram circular num espaço sem fronteiras.
No entanto, e tal como fomos levados a reconhecer nos últimos anos, a inspiração e as conquistas alcançadas desde os pais fundadores não podem ser tomadas por adquiridas. Em junho de 2013, afirmei no Parlamento Europeu: “(...) o crescimento económico na Europa é débil e vários países encontram-se em recessão; e o desemprego é uma realidade dramática. Estes são os dois maiores desafios que vivemos atualmente e para os quais ainda não encontrámos uma resposta eficaz”. Defendi, nessa ocasião, tal como em várias outras, uma agenda europeia mais virada para o crescimento e emprego.
Ainda perante o Parlamento Europeu, sublinhei também a necessidade de “uma resposta social, cultural e política que vá ao encontro dos legítimos anseios dos povos da Europa, única forma de vencer a crise de confiança e de reforçar a legitimidade democrática dos decisores europeus (...)”.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
São grandes os desafios atuais do projeto europeu, que põem à prova a sua robustez e o seu aprofundamento.
Um dos mais prementes é o afluxo massivo de refugiados e migrantes com que a Europa presentemente se confronta. A este propósito, não podemos perder de vista que a solidariedade e a proteção dos direitos fundamentais devem permanecer no centro da política migratória da União. Importa aprofundar a integração dos migrantes, promover canais legais de migração e assegurar uma política de controlo de fronteiras externas eficaz, mas com respeito pelos direitos fundamentais.
No atual momento, em que afloram tentações securitárias e nacionalistas, é fundamental garantir que a liberdade de circulação, princípio fundamental e inovador da construção europeia, e que tem em Schengen a sua manifestação mais tangível, não seja posta em causa por propostas isolacionistas e xenófobas. A melhor forma de o conseguir é trazendo os valores da solidariedade e da coesão para o centro das políticas europeias, reforçando os laços entre os cidadãos europeus e garantindo o princípio da não-discriminação ou igualdade de tratamento.
É com solidariedade partilhada, e não com limitações à livre circulação, que responderemos a este desafio. E quem, como nós, ajudou a abrir “novos mundos”, não deseja “novos muros”.
Outro enorme desafio é, como já antes mencionei, o regresso ao crescimento sustentável e o combate ao desemprego. A União Europeia não pode dispensar uma maior coordenação das políticas e das opções económicas dos Estados-membros, que vá para além da coordenação reforçada ao nível orçamental e permita reduzir os desequilíbrios macroeconómicos e de competitividade. Mas, para além disso, a União necessita de investimento, de projetos mobilizadores que criem vantagens e melhorias na vida dos cidadãos, bem como de promover uma economia mais inteligente, mais verde e inclusiva.
Neste âmbito, cabe aqui fazer referência ao papel do Quadro Financeiro Plurianual. O Plano Juncker dá uma resposta à necessidade fulcral de redinamizar o investimento e canalizar para a economia meios financeiros adicionais. A nossa preocupação é conseguir identificar projetos que, pelo seu mérito e valor acrescentado, consigam atrair investimento privado e criar emprego.
A ligação deste novo instrumento à intervenção da Política de Coesão não pode ser descurada. A coesão económica, social e territorial é um princípio fundamental e um determinante político da União.
Só uma Europa coesa conseguirá atuar de forma consistente perante os problemas que enfrenta. E uma Europa coesa significa uma Europa solidária, avessa à lógica de países ganhadores e perdedores e capaz de reduzir as assimetrias. Mas também uma Europa coesa na sua relação com os parceiros externos, com uma voz forte e una no plano internacional.
Um terceiro desafio fundamental é o da contenção das alterações climáticas. Sublinho o acordo histórico – porque global e vinculativo – alcançado recentemente na Cimeira do Clima de Paris, que visa limitar o aquecimento global a menos de 2 graus até 2050 e cuja concretização obrigará a enormes esforços de adaptação e a uma mais justa repartição de responsabilidades.
Na batalha pela descarbonização das nossas economias Portugal deve posicionar-se tirando partido das oportunidades que ela traz, construindo uma economia circular, continuando a investir nas energias renováveis e, sobretudo, fazendo a aposta que tarda nas múltiplas e promissoras vertentes da economia do mar.
O terrorismo está, naturalmente, na primeira linha das atuais ameaças à União. Neste âmbito, é importante atuar ao nível da prevenção, para responder ao problema da radicalização e do recrutamento para o terrorismo, ampliado através da utilização da internet e das redes sociais. É essencial intensificar a partilha de informação e a cooperação e coordenação operacionais, alcançar progressos no domínio da luta contra o tráfico ilícito de armas de fogo e combater o financiamento do terrorismo, bem como reforçar os controlos nas fronteiras externas do Espaço Schengen.
Face a estes e a outros desafios com que a União Europeia se confronta, a unidade é mais importante do que nunca.
Só na unidade poderá a União Europeia responder com eficácia e justiça ao desafio das migrações e do acolhimento dos refugiados.
Só na unidade poderá lutar eficazmente contra o terrorismo, no respeito pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito.
Só no respeito inequívoco pelos seus princípios fundadores, nomeadamente pelas quatro liberdades, poderá a União Europeia preservar a integridade do projeto central que é o Mercado Interno.
Só na unidade poderá continuar a desempenhar um papel motor nos esforços de contenção das alterações climáticas e na concretização do compromisso histórico assumido em Paris.
Com os diversos alargamentos – e o nosso foi o terceiro de sete – a Europa foi-se abrindo, em sucessivos “abraços”, a países que pretendiam, tal como nós, solidificar os alicerces da democracia e do Estado de Direito e aceder a um novo patamar de bem-estar económico e social. Mesmo que por vezes não o reconheçamos, o alargamento, aspeto fundamental da política externa da União Europeia, foi um dos seus principais sucessos.
Percorremos já um longo caminho neste projeto de paz, estabilidade e bem-estar. Somos uma União e não um mero somatório de Estados e de mercados. Seria um grave erro e um retrocesso para a Europa se abandonássemos o espírito de uma união firme nos seus ideais, responsável nos seus compromissos e solidária nos seus fundamentos. Somos uma União, em tempos de prosperidade e nos momentos difíceis.
Uma União que, como bem sabemos, sempre logrou avançar a partir das crises. Ainda que, em certos momentos, tivéssemos preferido que a União assumisse um papel mais pró-ativo e menos reativo, estou confiante que a Europa saberá ultrapassar as dificuldades com que se depara e que estará à altura das suas responsabilidades e das expectativas dos cidadãos.
Conforme afirmou Jacques Delors neste mesmo local há 30 anos “(...) o sucesso passa necessariamente por um acréscimo de Europa na qual cada um encontrará as razões e os meios da esperança e de uma ação mais eficaz. Ou nos salvamos em conjunto, ou ficamos, cada um para seu lado, à deriva”.
Tal como a História de cada País é feita de sucessos e de dificuldades, também a União teve momentos altos, hesitações e vicissitudes.
Estes 30 anos de participação ativa e empenhada de Portugal no projeto europeu foram uma oportunidade singular para o nosso desenvolvimento, um tempo notável da nossa história recente. E, com orgulho do que alcançámos como País, podemos dizer que valeu a pena.
Os valores que nos permitem aspirar a uma sociedade tolerante e humanista, onde cada um possa viver em segurança e respeito mútuo, são timbre da União e devem ser defendidos e proclamados pelo conjunto das nações europeias, cientes de que a União as faz mais fortes.
Por isso, mais do que recordar o que conseguimos com a nossa integração, cumpre-nos hoje celebrar a União Europeia como um projeto de futuro que faz parte da nossa identidade nacional e cujo desenvolvimento está no centro dos nossos objetivos estratégicos. Somos e queremos continuar a ser parte deste espaço de liberdade, de paz e de prosperidade.
Muito obrigado.