Presidente da República não promulgou diploma sobre compensação equitativa relativa à cópia privada

O Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 320/XII da Assembleia, que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada.

Leia adiante o texto integral da Mensagem que, a propósito, o Presidente da República enviou à Assembleia da República:

“Senhora Presidente da Assembleia da República

Excelência,

Tendo recebido, no dia 11 de março de 2015, para ser promulgado como lei, o Decreto n.º 320/XII da Assembleia da República que procede à «Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada», decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os fundamentos seguintes:

1 – Na regulação da matéria relativa à chamada «cópia privada» afigura-se essencial alcançar um equilíbrio adequado entre todos os interesses em causa, designadamente o direito dos autores a serem devidamente remunerados e compensados pelas suas obras e, por outro lado, o direito dos consumidores a aceder, em condições justas de mercado, aos bens e serviços da economia digital.

2 – Não por acaso, o debate sobre a «cópia privada» tem atravessado a União Europeia, sendo aconselhável que, sobre esta matéria, exista uma regulação comum, com vista a evitar assimetrias e disparidades nas condições de mercado, as quais, numa economia globalizada, poderão resultar na aquisição, por parte dos cidadãos de um Estado, de bens e serviços digitais no estrangeiro, com prejuízo para todas as partes envolvidas, ou seja, sem que daí resulte qualquer benefício para os autores nacionais.

3 – É significativo, aliás, que este debate tenha vindo a abranger a própria aplicação dos instrumentos legislativos europeus e mesmo a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia.

4 – É igualmente de ponderar a posição assumida por diversas associações de direitos dos consumidores, com destaque para a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – DECO que, em parecer sobre o diploma em apreço, considerou ser o mesmo, e cita-se, «obsoleto, ineficaz e desproporcionado». Afirma ainda que o mesmo diploma não procede a uma distinção clara entre a reprodução legítima e a reprodução ilegal – uma vez que esta última, por força dos desenvolvimentos tecnológicos, não tem vindo a ser efetuada, predominantemente, através dos dispositivos objeto da medida. Considera, por outro lado, que há uma desadequação dos mecanismos previstos para uma correta composição dos interesses em causa e, por último, refere a necessidade de um debate alargado e consistente sobre esta matéria, que abranja todos os pontos de vista existentes.

5 – Importa, também, ter em devida conta as dúvidas em matéria de equidade e eficiência suscitadas pelo facto de serem onerados equipamentos independentemente do destino que lhes seja dado pelos consumidores, assim como os efeitos que podem resultar para o desenvolvimento da economia digital, área em que o País regista algum atraso em relação a vários dos seus parceiros europeus.

Neste sentido, considerando a necessidade de uma reponderação dos diversos interesses em presença, com vista à adoção de uma legislação que, nesta matéria, se afigure mais sintonizada com a evolução tecnológica já verificada e mais conforme a uma adequada proteção dos direitos de autores e consumidores, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 320/XII.

Com elevada consideração,

Palácio de Belém, 31 de março de 2015

O Presidente da República

Aníbal Cavaco Silva”

31.03.2015