Este ano comemoramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas na nossa cidade mais alta, a Guarda.
Se no dizer de Vergílio Ferreira “Quanto mais alto se sobe mais largo é o horizonte” permito-me acrescentar que quando se vê as coisas do alto, a ilusória sensação de poder e de liberdade parece ser muito real. Por isso, cá do alto, o convite para sonhar é mais tentador.
Mais em baixo descobrimos que dos poderes, o mais forte de todos, afinal, não tem rosto. É difuso. Afirma e inquina. Chamam-lhe mercados financeiros.
Domina instituições e governos.
Conquistou influências, globalizou-se e capturou outros poderes.
A situação não é, também por isso, equilibrada.
Vivemos assim um tempo de crise, provocada pelo sistema financeiro, crise essa que é global, mas para a qual ainda não foram encontradas nem soluções globais, nem instituições globais.
Sobre a outra sensação que sentimos no alto – falo da liberdade – cá mais em baixo o que inquieta e assusta, são os números elevados do desemprego e o fenómeno de pobreza que lhe está associado e que leva à perda desse valor essencial à dignidade humana, esse mesmo, a liberdade.
Se um cidadão está impedido de aceder a instrumentos basilares que lhe permitam um relacionamento normal com os seus concidadãos, como é o caso dos que experimentam a pobreza ou os que não têm acesso a um emprego remunerado de forma justa, não é um ser verdadeiramente livre, nem pode sentir que vive numa sociedade com justiça.
O que inquieta é sabermos que esses cidadãos correm o sério risco de, com o tempo, perderem a confiança em si próprios e nos que os rodeiam.
O que assusta é sabermos que quando se perde a confiança em nós próprios, já não há mais nada a perder...
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Neste nosso tempo, o horizonte visto de cima não augura assim calmaria.
Anuncia desafios. Desafios que se anteveem difíceis e complexos e, por isso, as respostas não podem ser simples. As respostas simples podem ser tentadoras, mas aparecem sempre carregadas de populismo.
No entanto, as respostas sendo complexas, ainda permitem o sonho...
Eduardo Lourenço, natural desta terra, disse que as respostas “precisam dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes...”
A verdade é que vivemos um tempo de transição. Procuramos novos, vários e diferentes equilíbrios.
E Miguel Torga diz-nos que “cada época é definida pelo que apresenta de novo, de especificamente seu. Pode não ser um alto pensamento filosófico, uma grande reforma moral, uma arte requintada, uma ciência generosa. Mas há-de ser a dádiva de qualquer uma dessas manifestações humanas, ou todas, numa conceção inteiramente inédita, original, inconcebível noutro tempo da história”.
Neste nosso tempo essa dádiva só pode ser construída e merecida, antes do mais, pela atitude e pelo método. Em vez de invocarmos dificuldades, temos de passar a afirmar capacidades e vontade.
Disse-o de forma lapidar Alexandre Herculano: “É erro vulgar confundir o desejar com o querer. O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os”.
A história da humanidade também nos diz que as vontades mais brilhantes concretizaram-se sempre através da interação entre os homens. Foi assim, por exemplo, com a saga dos Descobrimentos e com a chegada do homem à Lua.
Esses e outros projetos notáveis que expressaram uma vontade do coletivo tiveram sempre por base a mobilização ordenada de muitas e diferentes contribuições e a capacidade de organização para fazê-las convergir em torno de objetivos precisos.
No entanto, sabemos que sem um clima generalizado de confiança é muito difícil que sejam geradas novas ideias capazes de expressar uma autêntica vontade coletiva.
O processo de construção da vontade coletiva não pode assim deixar de compreender o significado da exigência do nosso tempo, um tempo que tem de ser de coragem, porque é tempo de assumir algumas roturas com um certo passado.
Assim terá de ser na economia, em que um modelo baseado essencialmente na produção de bens e serviços não transacionáveis, na utilização de crédito, obtido de forma ilusoriamente fácil, e na ideia de que com o aumento da despesa pública, de forma como que automática, surgiria o crescimento económico, esse modelo esgotou e não volta mais.
O País precisa de outro modelo, baseado em muito e bom investimento, capaz de gerar alto valor acrescentado em bens e serviços transacionáveis, com empresas sólidas e sustentáveis, tanto do ponto de vista económico como ambiental.
Assim terá de ser na agricultura e no mundo rural, em que a atividade agrícola e florestal é indispensável para manter um conjunto fundamental de equilíbrios na nossa sociedade, nos domínios da preservação do ambiente, das paisagens e do património e pela manutenção da presença do homem em territórios onde mais nenhuma outra atividade se localizaria.
Assim terá de ser na organização do território, em que uma linha vertical, que divide o País ao meio, obriga a uma grande reforma do Poder Local para que este possa reforçar o seu papel, que é crucial, no desenvolvimento do País, bem como a adoção de medidas de discriminação positiva a favor do interior, por exemplo, através da transferência de serviços da administração central de Lisboa para cidades do interior.
Assim terá de ser no estímulo à criatividade e à cultura nas suas múltiplas dimensões. Para além do alimento espiritual que nos é dado pela dimensão estética, há outras variadas janelas de oportunidade que se abrem no design, na reabilitação, conservação e divulgação do património, no turismo, na animação cultural, no setor formativo ou educativo e nas designadas indústrias criativas.
Assim terá de ser na abordagem da evolução demográfica, tema que dada a sua abrangência e complexidade, aconselha uma mobilização de todos os agentes económicos, culturais e sociais para, de forma estruturada, analisar e debater as diferentes opções sobre medidas a tomar.
Assim terá de ser nas políticas sociais em que a atividade do setor solidário tem de ser vista como um verdadeiro investimento na criação de redes de confiança solidárias, o que muito pode contribuir, não só para diminuir a dor dos que mais sofrem, mas também para alimentar a esperança a todos nós.
O que não deve acontecer é passar para as gerações futuras as nossas impossibilidades atuais.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Para quem se dedica ao que deveria ser considerada a mais nobre das atividades humanas – a política – o chamamento para o desempenho da função corporiza-se, primeiro, em ter ideias e depois na capacidade em transformá-las em ação, com vista à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Independentemente das posturas, também ideológicas, de cada uma das partes, numa época que é marcada pela interdependência entre tudo e todos é decisivo para quem exerce atividade política compreender o mundo.
Essa compreensão será tanto mais conseguida quanto maior for a disponibilidade das instituições políticas e dos seus agentes para exibirem uma postura de grande abertura ao exterior.
A este respeito há que ter em atenção o que mostra a experiência. E ela diz-nos que as instituições que se fecham sobre si próprias deixam de ter utilidade, definham e acabam por morrer.
Senhor Presidente da República,
Vai para trinta anos Portugal aderiu à União Europeia e aos valores que o projeto europeu corporiza e que gravitam em torno do que foi a sua razão de ser, a paz e a prosperidade.
Desde aí muita coisa mudou. A União foi alargada e a Alemanha foi unificada. O mundo foi globalizado e o Euro foi criado.
No nosso tempo o novo nome da paz na Europa tem de se chamar crescimento e emprego.
Só uma sociedade equilibrada nas suas diversas componentes é que pode abrir o caminho para a afirmação dos valores associados a este novo conceito de paz.
Neste tempo de transição em que se procuram novos equilíbrios, em busca desta nova paz, a preocupação, que é acertada, sobre o equilíbrio orçamental público, não dispensa a preocupação com outros equilíbrios, também fundamentais, como são os que estão associados à dignidade humana.
As sociedades do nosso tempo são cada vez mais complexas e apresentam-se com crescentes níveis de diversidade, de mobilidade e de fragmentação.
Também, por isso, será errado que nos concentremos apenas na procura de um só equilíbrio, por mais importância que possa aparentar.
Esta busca de diferentes tipos de equilíbrios não é um caminho fácil e não pode dispensar uma visão para o País; coerência na conceção das políticas públicas; estabilidade, tempo e gradualismo na sua aplicação; e, bom senso e espírito de compromisso na ação.
As dificuldades da União Europeia podem ser ultrapassadas se as suas instituições se transformarem em poderosas máquinas promotoras de compromisso entre grandes e pequenos, entre ricos e pobres, entre o norte e o sul.
As dificuldades da União Europeia só serão ultrapassadas se existir uma maior coordenação entre políticas económicas e orçamentais.
As dificuldades da União Europeia serão mais facilmente ultrapassadas se for valorizada a dimensão social do mercado interno.
As dificuldades da União Europeia não serão ultrapassadas se os especuladores tiverem a palavra decisiva quanto ao futuro do velho continente.
John Lennon disse: “Um sonho que sonhes sozinho é apenas um sonho. Um sonho que sonhes em conjunto com outros é realidade”.
Nunca em quarenta anos de democracia as forças sociais, na multiplicidade e diversidade de interesses que representam tiveram uma leitura, tão clara, sobre a realidade nacional e sobre a forma de atuar, com vista a garantir uma mais elevada coesão social e geracional, através da vontade, formalmente expressa, sobre a necessidade de vir a ser estabelecido um compromisso, com a duração de, pelo menos, uma década que persiga de forma coordenada três grandes objetivos: equilibrar as finanças públicas, reformar o Estado e pôr a economia a crescer.
Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O Padre Tolentino Mendonça no dia em que Vasco Graça Moura nos deixou chamou-lhe “mestre do olhar” e acrescentou que o nosso tempo precisa desses mestres que possam conduzir os nossos olhos para verem mais para a frente, para mais longe...
Comecei por dizer no início desta intervenção que, cá do alto, da cidade da Guarda, sendo mais largo o horizonte, o convite para sonhar é mais tentador, e, por isso, também é mais fácil compreender o significado do que é ser “mestre do olhar”.
Do alto da cidade da Guarda o olhar diz-nos que o País precisa de um maior equilíbrio, não só na área financeira, mas também entre a economia, o território, a cultura, o ambiente e a capacidade de dialogar, especialmente com os que mais sofrem.
Do alto da cidade da Guarda também temos a possibilidade de melhor perceber que a sensação de felicidade não é tanto a de estar em cima, mas na forma de subir a rampa.
Muito obrigado.
http://www.presidencia.pt/diadeportugal2014/?idc=788&idi=85265