Discurso do Presidente da República nas Comemorações dos 200 anos da Batalha do Buçaco
Buçaco, 27 de Setembro de 2010

Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército,
Senhor Presidente da Câmara da Mealhada,
Sua Alteza Real o Duque de Kent,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Naquela manhã de 27 de Setembro de 1810, por esta hora, ainda se combatia. A sorte da batalha, porém, estava já decidida.

Os ciprestes que ainda hoje se erguem na Mata do Buçaco são os mesmos que contemplaram os combates desse dia. E que testemunharam a guerra em toda a sua dimensão: a angústia do sofrimento humano lado a lado com o esplendor da coragem e do patriotismo. A raiva dos vencidos e o júbilo dos vitoriosos.

O nosso exército, desmembrado em consequência da primeira invasão francesa, tinha sido reconstituído a partir de 1808, com o forte apoio da Inglaterra, a nossa aliada histórica. Muitos dos oficiais que enquadravam as nossas tropas eram britânicos. Muitos outros eram portugueses. Esta era a sua primeira grande batalha, sob a liderança do General Wellesley, futuro Duque de Wellington.

O imperador francês, quando contabilizava as forças em presença, ignorava os nossos homens, não considerando que pudessem ter qualquer papel a desempenhar. Por isso, tomava como certa uma vitória fácil do Marechal Massena, comandante das forças invasoras. Enganou-se. Enganou-se redondamente.

Se dúvidas havia do nosso lado, e é natural que as houvesse, com tropas pouco preparadas e oficiais inexperientes, naquelas horas nasceram certezas sobre o valor do nosso exército. Os portugueses distinguiram-se sobretudo no combate corpo a corpo, à baioneta, olhando nos olhos o inimigo, aí onde a coragem individual é submetida à maior das provas.

Wellington afirmou, então, e passe alguma nota de paternalismo, que “as tropas desta nação hão mostrado que o trabalho e desvelos que com elas se tiveram não foram baldados, e que se tornam dignas de combaterem nas mesmas fileiras das tropas britânicas pela tão interessante causa, à qual elas oferecem as melhores esperanças de salvação.”

Este foi um daqueles momentos na história em que estava tudo em jogo, num único lance. Uma batalha verdadeiramente decisiva.
O Marechal Massena deixara-o claro na véspera, no dia 26 de Setembro, quando anunciou, peremptório:

“Amanhã vou capturar Portugal!”

Sucede que os portugueses não queriam ser capturados. A nossa sorte dependia daqueles soldados. E eles sabiam-no.

Superaram-se. E o melhor exército do mundo, aquele que parecia imbatível, aquele que toda a Europa temia, foi vencido. Saiu vencido porque não lhe foi permitida a vitória final.

Os actos comemorativos são evocações solenes do passado. Tornam presentes, no espírito dos portugueses de hoje, acções sublimes que nos comovem e nos inspiram.

Respeitamos a coragem de todos os que combateram e inclinamo-nos em memória dos que caíram nessa manhã longínqua. Encontramo-nos aqui em cumprimento de um compromisso solene: o de manter viva a memória do seu exemplo de dedicação à Pátria.

Em ocasiões como esta, sentimos a necessidade de compreender como é possível preparar homens para o combate decisivo. O que terá sido dito pelos oficiais portugueses para empolgar os seus soldados?

A nossa causa era tão evidente e a missão dos nossos soldados era tão bem compreendida por estes que, como disse o Marechal Beresford, mesmo “às tropas que não entraram em acção directa eu lhes observei o mais ardente desejo de se medirem com o inimigo.”

Para homens dessa fibra, não teriam sido necessárias, possivelmente, grandes palavras de incentivo. Mas podemos imaginar um oficial português que, instantes antes da refrega, olha os soldados que o vão seguir na batalha. No local em que nos encontramos, quase poderíamos ouvir a sua voz, trémula de emoção, mas determinada, quebrando o silêncio com estas palavras:

Soldados de Portugal.

O exército que invadiu a nossa terra está a subir as encostas desta serra. Dentro de minutos vamos combatê-lo sem quartel. E vamos vencer.

Temos de vencer, porque nós não combatemos para conquistar, mas para não sermos conquistados.

Nós não combatemos para invadir, mas para obrigar o invasor a retroceder.

Nós não combatemos para mudar os outros, mas para que não nos mudem a nós pela força.

Lutaremos como os nossos antepassados lutaram.

Lutaremos como lutarão os portugueses do futuro.

Porque nós combatemos para defender a nossa Pátria.

Combatemos para defender a nossa terra.

Combatemos para defender os nossos filhos e as nossas famílias.

Defendemos a nossa vida, a nossa maneira de viver, produto deste encontro feliz entre a terra, o sol e o mar, que deu ao mundo uma história gloriosa e uma língua universal.

Defendemos a nossa sobrevivência como Nação soberana, para que possamos continuar a ser quem somos e a ter o direito de agir de acordo com a nossa vontade.

Defendemos, em suma, a nossa liberdade.

Por isso, vamos vencer.

É assim que imagino o sentido das palavras de exortação que poderiam ter sido proferidas naquela manhã de Setembro de 1810 e que ainda hoje nos deveriam inspirar a todos, na nossa vida colectiva enquanto povo.

No passado os Portugueses souberam, sempre, vencer a adversidade e decidir, em liberdade, o seu próprio futuro como Nação soberana e independente. Quando necessário, com o apoio dos nossos aliados. Mas contando, principalmente, com as suas próprias virtudes e capacidades.

Também hoje, para vencer os grandes desafios que enfrentamos, dependemos sobretudo da nossa determinação e do nosso esforço colectivo. Temos o dever, perante os nossos antepassados e perante nós próprios, de nos unirmos em torno de soluções corajosas, justas e responsáveis que permitam assegurar um futuro de desenvolvimento, segurança e bem-estar para Portugal.

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