Quero começar por agradecer, muito sensibilizado, o honroso convite para me dirigir, nesta Casa, aos representantes do Povo Angolano. Trata-se de um gesto pleno de significado, que ilustra bem os laços de fraternal amizade que unem Portugal e Angola.
É com grande alegria que volto a este país, ao qual me ligam sentimentos de especial afecto e cuja luta corajosa pela paz e pela reconciliação se confunde com algumas das páginas mais marcantes da minha própria vida, como homem e como político. É natural que nos sintamos bem quando estamos entre amigos, que nos recebem com a afeição e a hospitalidade que costumamos reservar aos que nos são mais próximos.
Em Angola, senhores Deputados, sinto-me em casa, e estou-vos grato por isso.
Poucos países se poderão orgulhar de possuir um relacionamento tão próximo e tão multifacetado quanto Portugal e Angola. Um relacionamento que assenta numa densidade única de laços históricos, culturais e humanos.
Portugal e Angola, nações livres e soberanas, orgulhosas de o serem, não são, nunca serão, estrangeiras entre si.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Decorreram 19 anos desde a minha última deslocação oficial a Angola, então na qualidade de Primeiro-Ministro, pouco tempo depois da assinatura dos acordos de Bicesse. Regressei a Angola, em 2005, como simples cidadão, numa visita privada, e fui testemunha dos efeitos notáveis do ciclo de desenvolvimento que a conquista da paz tinha tornado, finalmente, possível.
No ano em que Angola comemora o 35º aniversário da independência nacional e que a União Africana consagrou como o “Ano da Paz e da Segurança em África”, quero aproveitar a oportunidade que me é dada por esta Magna Assembleia para prestar a minha homenagem ao Povo angolano, que foi capaz de pôr fim a um tempo de guerra e de confrontação, e de inaugurar uma era de reconciliação e de reconstrução nacional.
Um tempo novo, marcado pela paz, pela conquista da estabilidade e pela construção de uma democracia, de que esta Casa é um reflexo eloquente. Um tempo que permite que ao bem supremo da paz sucedam, agora, as ambições próprias de uma sociedade que vê nos caminhos do desenvolvimento político, económico, cultural e da justiça social direitos inalienáveis.
Angola possui, hoje, um sistema político multipartidário e uma sociedade civil vibrante e dinâmica, que exprime as suas ideias e faz as suas escolhas. São disso exemplo, a forma como decorreram as últimas eleições legislativas e a elevada participação popular que registaram.
Mas, sabemo-lo bem, a democracia é, quase sempre, uma obra inacabada, que exige atenção e um trabalho de consolidação permanente e de melhoria da sua qualidade. Não espantará ninguém, estou certo, que a esse propósito queira destacar, nesta Casa, o importantíssimo papel reservado ao Parlamento.
A consolidação de uma democracia moderna, plural e participativa passa, todos o sabemos, pela existência de Parlamentos fortes, que promovam o debate de ideias, que dêem voz às oposições e que assegurem uma fiscalização atenta e responsável da acção governativa. Numa sociedade democrática, os Parlamentos ocupam um papel central no desenvolvimento do Estado e na representação das legítimas expectativas dos cidadãos. O papel desta Assembleia é, por isso, decisivo na definição do futuro de Angola.
Os valores em que acreditamos — a liberdade, o respeito pela dignidade da pessoa humana, o primado do direito, a justiça, a igualdade de oportunidades — são um factor de progresso e de aproximação e de reforço da cooperação entre os nossos países.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A realidade angolana dos dias de hoje é caracterizada por exemplos de dinamismo e de criatividade presentes em todos os sectores da sociedade.
No domínio económico, Angola tem registado, nos últimos anos, taxas de crescimento que se situam entre as mais elevadas a nível mundial, o que se reflecte na criação de mais oportunidades de emprego para a sua população e em acrescidas possibilidades de combate à pobreza e às injustiças.
A nova realidade de Angola passa, igualmente, por uma crescente afirmação internacional, que faz dela um actor fundamental em África, em particular na África Austral, onde vem desempenhando um papel activo na promoção da paz, da estabilidade e da resolução de conflitos, como sucede nos processos de estabilização na região dos Grandes Lagos e no Golfo da Guiné.
Nada disto seria possível sem o clima de confiança e de estabilidade que a paz e a reconciliação nacional tornaram possível.
O Senhor Presidente e os ilustres Deputados são testemunhas de que Portugal sempre esteve ao lado de Angola no difícil percurso rumo à paz e à democracia. Portugal sempre acreditou no futuro de Angola e dos angolanos.
A nossa cooperação abrange, praticamente, todos os domínios de actividade, começando, desde logo, pelos sectores definidos como prioritários pelas autoridades angolanas: a boa governação, a capacitação institucional, a formação de quadros, a luta contra a pobreza, a educação, a investigação científica e tecnológica, a saúde, a justiça e a segurança alimentar.
Permitam-me que me detenha na educação e na formação.
As autoridades angolanas têm sido as primeiras a sublinhar que a manutenção de elevadas taxas de crescimento económico exigem recursos humanos qualificados, o que reforça a necessidade de uma aposta, desde logo, no ensino e na promoção da língua portuguesa. É esse o propósito do programa “Saber Mais” - o primeiro exemplo de um programa de cooperação entre os dois países assente no co-financiamento -, já presente em Benguela e no Namibe, mas que esperamos possa, a curto prazo, em coordenação com as autoridades angolanas, ser alargado a outras Províncias.
Vivemos, não o podemos esquecer, num mundo em que o conhecimento desempenha um papel decisivo na promoção da competitividade. A nossa cooperação deve, assim, prosseguir e reforçar a sua aposta em todos os domínios do conhecimento.
No domínio económico, excluídos os sectores petrolífero e diamantífero, Portugal é, hoje, o principal investidor em Angola, ocupando um dos lugares cimeiros entre os seus principais parceiros comerciais. Como Angola é, hoje, um importante investidor em Portugal, incluindo em sectores importantes da nossa economia.
Os nossos empresários contam-se entre os que há mais tempo estão presentes no mercado angolano, contribuindo, pela sua iniciativa e pela sua capacidade empreendedora, para a criação de emprego, para a geração de riqueza e para o crescimento do país. Mas a sua acção vai mais longe, estendendo-se ao apoio a múltiplas iniciativas e programas no domínio social e cultural, incluindo a formação e capacitação de quadros locais.
A estratégia de desenvolvimento de Angola passa hoje, também, pela promoção de uma maior coesão territorial, através da diversificação económica e da criação de condições para a fixação das populações no interior.
As nossas empresas estão, já, presentes em praticamente todo o território, em parcerias com congéneres angolanas. Considero, no entanto, que há razões para que olhem com redobrada atenção para as oportunidades que oferece a aposta angolana no desenvolvimento do interior do país, em sectores tão vastos quanto a pesca, a agro-pecuária e as indústrias alimentares, a floresta, mas também a energia hídrica e os bio-combustíveis.
Quis, por essa razão, que a minha Visita incluísse no seu programa deslocações às províncias de Benguela e da Huíla, dois exemplos, entre outros, que ilustram bem o que acabo de dizer.
Mas o estádio actual de desenvolvimento de Angola traz também novos desafios, em resposta aos quais, estou convencido, poderemos desenvolver uma cooperação acrescida. Entre estes, conta-se a reabilitação urbana, o desenvolvimento da indústria transformadora, das tecnologias de informação e de comunicação, e das próprias energias renováveis. São áreas que nos permitem encarar o reforço da nossa cooperação com ambição e visão de futuro.
Uma cooperação que se deve estender, ainda, à constituição de parcerias orientadas para o aproveitamento de oportunidades em países terceiros, designadamente na União Europeia e em África, em particular na África Austral. Os europeus sabem que conhecemos Angola como ninguém e procuram-nos muitas vezes para que com eles partilhemos as nossas avaliações, ouvem-nos quando ponderam opções de negócios.
Mas este reforço da nossa cooperação, que ambos desejamos, implica um adequado grau de certeza jurídica. Quero, a este propósito, sublinhar a importância do Acordo sobre Protecção de Investimentos, celebrado entre os nossos dois países, em 2008, cuja entrada em vigor está pendente da ratificação por esta Assembleia.
Portugal e Angola partilham, ainda, uma idêntica convicção quanto às vantagens de uma concertação política reforçada relativamente aos desafios internacionais dos nossos dias.
Senhor Presidente,
Ilustres Deputados,
Os valores e princípios que definem a nossa identidade e que tanto nos aproximam encontram expressão particularmente eloquente nesse desígnio partilhado que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Portugal e Angola comungam da mesma determinação no aprofundamento da CPLP, conferindo-lhe um papel cada vez mais relevante na dinamização da cooperação entre os seus Estados-Membros e na projecção dos nossos interesses e posições a nível internacional.
Dentro de três dias, Angola sucederá a Portugal na Presidência da CPLP. Estou seguro de que a próxima Cimeira de Luanda e o mandato angolano que em breve se inicia constituirão um marco na afirmação das prioridades e objectivos da nossa Comunidade, contribuindo para o reforço da solidariedade entre os seus Estados-membros.
A Presidência Portuguesa da CPLP elegeu a promoção e projecção internacional da língua portuguesa como uma das prioridades do seu mandato. Quero aqui agradecer o contributo dado por Angola para a concretização deste objectivo. A criatividade de que dão prova as suas gentes, na poesia e na literatura, no artesanato, na música e na dança, no teatro ou na pintura, é um claro exemplo da riqueza e da pujança cultural da nossa Comunidade.
É minha firme convicção que uma maior projecção da língua portuguesa contribuirá para uma maior afirmação internacional dos nossos países. Nessa perspectiva, o Plano de Acção, aprovado em Brasília, constitui um desenvolvimento da maior relevância. A sua adopção permitirá que avancemos de forma ainda mais coordenada e determinada nesta matéria. Possibilitará, ainda, tirar melhor partido da acção do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, sedeada em Cabo Verde, que visitei recentemente.
A Presidência Portuguesa colocou, igualmente, um forte empenho na promoção da coesão entre os Estados-Membros da CPLP, no aprofundamento da cidadania lusófona, da coordenação político-diplomática e da cooperação entre os Parlamentos Nacionais. São objectivos e prioridades aos quais, estou certo, a Presidência Angolana irá dar a necessária continuidade e em cuja prossecução poderá continuar a contar com o apoio e empenho de Portugal.
Quero, também, aproveitar esta oportunidade para prestar o meu tributo ao papel que os Parlamentos nacionais têm desempenhado no aprofundamento da dimensão democrática e na aproximação entre os povos da nossa Comunidade, e saudar a criação da Assembleia Parlamentar, um importantíssimo passo nesse sentido.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Entendo que a riqueza do nosso relacionamento, a força dos laços que nos unem, o muito que temos sabido construir em conjunto, e, sobretudo, a ambição e empenho com que encaramos o futuro das nossas relações justificam, amplamente, a consagração institucional daquilo que já constitui uma verdadeira Parceria Estratégica entre os nossos dois países.
Uma Parceria que, através dos seus mecanismos de diálogo técnico e político, nos permita mais facilmente resolver questões pendentes e traçar rumos para o futuro.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
No catálogo da exposição luso-angolana que terei a oportunidade de inaugurar, esta tarde, no Centro Cultural Português, surge uma citação do poeta e antropólogo angolano, nascido em Santarém, Ruy Duarte de Carvalho. Diz-nos ele “que se ama aquilo com que se cruza, ou porque evoca emoções sabidas ou porque é novo e vem casar com a busca”. Assim se sentem os portugueses que se cruzam com esta terra e com estas gentes. Assim me sinto eu.
Muito obrigado.
http://www.presidencia.pt/angola2010/?idc=769&idi=45060