Entrevista do Presidente da República publicada no Jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung em 3 de Março de 2009

“A Alemanha desempenha um papel chave”


Senhor Presidente, de que falam os governantes políticos de dois países que não têm problemas entre si?

Eu desejo contribuir para consolidar as boas relações políticas e económicas. A Alemanha é um parceiro extremamente importante para Portugal. É o nosso segundo maior cliente, o segundo maior exportador, o maior investidor estrangeiro. Além disso, vivem e trabalham na Alemanha 120.000 portugueses.


O que aprendemos até agora da crise financeira e económica?

Entretanto aprendemos algo sobre a pouca eficiência da regulação e do controlo dos bancos. Aprendemos que havia muitos produtos financeiros cujo conteúdo desconhecíamos. Aprendemos igualmente que as instituições financeiras internacionais não trabalham com muita eficácia. Por isso, necessitamos de reformas, rapidamente. Do que não necessitamos é de proteccionismos nacionais.


Não estaremos sobretudo numa crise de confiança?

Sim. É uma crise que vai durar mais do que se pensava. A Alemanha desempenha aqui um papel chave. Ela é a locomotiva económica da UE.


Como está Portugal, depois de anos difíceis de crise e estagnação?

Portugal faz o melhor possível por se afirmar. A economia portuguesa é muito aberta, em virtude da importância do turismo e dos investimentos estrangeiros, porque os nossos bancos pedem dinheiro emprestado no estrangeiro e porque muitos portugueses vivem no estrangeiro e agora regressam por causa do desemprego. Estamos a sofrer. As nossas exportações estão a diminuir. Contudo, já noutras alturas ultrapassámos as dificuldades. Estou confiante que conseguiremos. Mas a crise pode durar, este ano e talvez ainda o próximo.


Então a Portugal não faltam optimismo e auto-confiança?

A auto-confiança também está num ponto historicamente muito baixo noutros países. Não é nada de extraordinário.


O alargamento da UE não doeu a Portugal? Olhando para trás talvez não tenha sido grande ideia?

Portugal teve muitas vantagens com a adesão. Defendemos o alargamento sobretudo por motivos de solidariedade, de segurança e de estabilidade. Os novos membros trouxeram energia fresca à União. Claro que ficámos com mais concorrência e receberemos menos dos fundos estruturais, mas essas são as regras do clube. Isto deverá estimular-nos a esforçarmo-nos mais e a tornarmo-nos mais inovadores. Não culpamos o alargamento pelos nossos problemas.


É ano de eleições em Portugal e V. Exa. determina a data em que se realizam. Quando serão as eleições?

Teremos, pela primeira vez, três eleições nacionais em quatro meses. Primeiro as eleições para o Parlamento Europeu, Depois, em Outubro, eleições autárquicas e legislativas. No que diz respeito à data (das eleições legislativas), penso que o Presidente deverá seguir as propostas dos partidos políticos. Provavelmente não decidirei antes de Junho. Por lei, as eleições devem efectuar-se entre 14 de Setembro e 14 de Outubro.


A coabitação entre V. Exa., como Presidente conservador, e o Primeiro-Ministro socialista José Sócrates funciona bem?

Fui sempre social-democrata. A coabitação funciona muito bem. Fui eu próprio quem estabeleceu o conceito de cooperação estratégica. Estou sobretudo interessado num amplo consenso e diálogo.


V. Exa. dispõe de um poderoso instrumento, que é o direito de veto. Faz uso dele?

Sim, o Governo não pode sobrepor-se ao meu veto. Nunca utilizei o veto contra um projecto de lei do Governo, mas já o fiz por sete vezes contra projectos de lei da Assembleia da República. Além disso, o Presidente da República pode enviar leis ao Tribunal Constitucional. Dispõe ainda de outros meios de que eu não gostaria de fazer uso. Pode demitir o Governo e dissolver o Parlamento. Mas temos que cooperar. Portugal necessita desta estabilidade.


Será Portugal então um país estável com uma sociedade estável, passados 35 anos depois da Revolução do 25 de Abril?

Não creio que aqui seja muito diferente do que noutros países com séculos de democracia. A nossa é estável, mas afirmamos que gostaríamos de melhorar mais ainda a sua qualidade.


Quais serão os temas quentes da campanha eleitoral? A economia ou também questões socialmente discutíveis, como o aborto e o casamento homossexual?

A economia será extraordinariamente importante. Gostava que os partidos políticos dissessem a verdade sobre a situação e evitassem despertar ilusões ou fazer promessas que depois não se podem cumprir.


A União Mediterrânica será um projecto que se encontra num beco sem saída?

Não podemos ignorar os vizinhos, por motivos de segurança, de solidariedade e por causa da imigração, tanto legal como ilegal. Temos de dar a África tanta atenção como ao Leste da Europa. Pode ser difícil fazer progressos na União Mediterrânica, mas é necessário que haja um esforço. Portugal está a favor dela. Todos nós temos interesse na estabilidade de África, até em virtude do terrorismo.


O que faz a UE no Médio Oriente?

A Europa devia estar mais envolvida lá. É pena que o mundo por vezes pense que só os Estados Unidos é que podem resolver o problema. Eles estão do lado de lá e nós estamos tão perto. Para mim é espantoso que a UE não seja o actor principal no processo de paz no Médio Oriente.