2.1 O desafio do Desenvolvimento Sustentável
A comunidade internacional está hoje confrontada com a necessidade de enfrentar, com determinação, os sinais de insustentabilidade ambiental que comprometem a qualidade de vida das gerações futuras, designadamente, o aquecimento global e a consequente mudança climática, a diminuição da camada de ozono, o aumento do ozono troposférico, as chuvas ácidas, a proliferação dos produtos químicos, especialmente os organicamente persistentes, o aumento dos resíduos, o congestionamento dos transportes, o empobrecimento da biodiversidade, a perda e degradação dos solos e a degradação e escassez dos recursos hídricos.
A urgência no combate a este sinais de degradação ambiental, mas também de pobreza extrema nos países em vias de desenvolvimento, motivou a assunção, na Cimeira de Joanesburgo, em 2005, de um Plano de Acção Global, em torno das seguintes metas: reduzir a metade, até 2015, o número de habitantes em situação de pobreza extrema; reduzir a metade, até 2015, o número de habitantes sem acesso a água potável e saneamento; restaurar, até 2015, os stocks de pescado em extinção; travar, até 2015, a perda de biodiversidade; eliminar, até 2020, os produtos quimicos mais danosos para o ambiente e a saúde pública; dotar 0,7% do PIB à assistência aos países em vias de desenvolvimento.
2.2 A liderança europeia
O esforço e, diga-se em abono da verdade, a liderança europeia em torno do desenvolvimento sustentável (de modo a equilibrar os vectores ambiente, economia e bem-estar-social) tem assentado no estabelecimento de metas e calendários, na recomposição da legislação – cada vez mais ambiciosa, nomeadamente, no domínio ambiental – e na definição de indicadores que servem de base à avaliação anual do desempenho dos Estados no Conselho da Primavera. Ao PIB seguiram-se dezenas de indicadores que aferem anualmente o desempenho social, ambiental e económico dos Estados.
Tem-se assistido, assim, principalmente na EU, a um processo de greening da economia, procurando romper com a dependência do bem-estar social e do crescimento económico face à utilização intensiva de recursos. O processo de greening da economia baseia-se na progressiva internalização, na economia, das verdadeiras externalidades ambientais dos produtos e dos processos. É esta internalização dos custos ambientais na economia que pode contribuir para que comprar verde passe a constituir um direito e não um luxo e vender verde uma oportunidade de negócio e não um obstáculo ao desenvolvimento.
2.3 Tirar partido, em Portugal, das oportunidades das tecnologias limpas
Apesar dos progressos realizados, Portugal ainda apresenta alguns indicadores preocupantes, na área do ambiente, da energia e dos transportes: dificuldades no cumprimento das normas de qualidade das águas balneares, das águas residuais e da água para consumo humano; mais de dois milhões de portugueses sem saneamento básico; níveis elevados de emissões de percursores de ozono, nocivas para a saúde humana; dificuldades no cumprimento da meta nacional de emissões de gases com efeito de estufa prevista no Protocolo de Quioto; elevada dependência energética do exterior (dependemos em 93% do exterior e em 64% do petróleo); elevada intensidade de energia e dos transportes no PIB.
Assim, Portugal está hoje confrontado, na área do ambiente, com a necessidade de, em simultâneo:
- Resolver problemas ambientais de primeira geração (água, saneamento e resíduos);
- Implementar a nova geração de políticas ambientais europeias (desenvolvimento sustentável, responsabilidade civil ambiental, gestão integrada dos resíduos, alterações climáticas, fiscalidade ambiental, green public procurement);
- Desenvolver uma nova carteira de actividades económicas baseadas nas eco-inovações e nas tecnologias limpas.
Portugal não pode ficar para trás face às oportunidades geradas pelas tecnologias ambientais.
A eco-eficiencia e a aposta nas tecnologias limpas assumem-se, de facto, como uma oportunidade económica, proporcionando, não apenas, eficiência no cumprimento das, cada vez mais exigentes, normas ambientais mas também a criação de novas empresas e empregos em novos mercados de ponta.
A indústria ambiental emprega actualmente, na EU, mais de 2 milhões de pessoas e espera-se que, a nível mundial, em 2010, o volume de negócios na área do ambiente atinja os 750 000 milhões €.
O negócio do equipamento eólico já representa 8b€/ano a nível mundial (crescendo à taxa de 30% ao ano) e estima-se que venha a criar, até 2010, 1 milhão de novos postos de trabalho.
A União Europeia é, mesmo, líder mundial no sector das energias renováveis, com um “turnover” de 20 000 milhões € e empregando 300 000 pessoas. No sector da energia eólica, as empresas europeias já têm um share de 60% do mercado mundial. Por outro lado, até 2030 haverá lugar à necessidade de instalar, na EU, 700GW de electricidade (investimento de 1200 biliões €).
Em Portugal, de acordo com os dados da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), estão disponíveis mais de 6000 milhões de euros de investimento privado nas energias renováveis até 2010.
Mas estas oportunidades não se situam, apenas, no sector da energia. O Ministério do Ambiente estima, no PEAASAR II, serem necessários 5000 milhões de euros, entre 2007 e 2013, de investimentos na área do abastecimento de água e saneamento básico.
O desafio que se coloca a Portugal não é, apenas, o da utilização de tecnologias limpas que permitam o cumprimento eficiente dos novos objectivos ambientais. É fundamental apostar, também, a montante, nas actividades de I&D que permitam o desenvolvimento de novas tecnologias limpas. Este é, portanto, um desafio colocado ao sector empresarial e ao sistema cientifico nacional.
Em especial porque, como muitos cientistas, de todo o mundo, têm feito questão de afirmar: Portugal é um país privilegiado em matéria de condições para a I&D e para a aplicação das energias renováveis.
Assim, no âmbito deste, irreversível, processo de “greening” da economia, a questão não é a de cumprir ou não cumprir as referidas metas, instrumentos e legislação mas antes saber como cumprir, a que custo queremos cumprir e que oportunidades queremos gerar. A promoção do ambiente e do bem-estar social são, nesta equação do desenvolvimento sustentável, um fim em si mesmo mas também um meio para fomentar o crescimento económico.
2.3 Alterações Climáticas – o desafio do século XXI
São cada vez mais visíveis os sinais que apontam para a inexorabilidade da mudança climática:
- A concentração de gases com efeito de estufa (GEE) é hoje de 425ppmvCO2eq, isto é, a maior dos últimos 450 000 anos.
- No século XX, a temperatura média global aumentou cerca de 0,74ºC e a temperatura média na Europa aumentou mais de 0,9 °C.
- Da série dos 12 anos mais quentes, desde que existe registo histórico (1850), constam 11 dos últimos 12 anos.
- Tem-se verificado que: os rios congelam, em média, 6 dias mais tarde e descongelam 7 dias mais cedo; estamos em presença de alguma migração anómala das aves; a calote polar Ártica diminuiu de 3m para 1,5m, nos últimos 20 anos; entre 1994 e 2003 ocorreram 3 vezes mais catástrofes climáticas do que nos anos 60; o nível do mar aumentou entre 10 a 20cm nos últimos 100 anos.
Por outro lado, tem-se assistido a um crescente consenso científico quanto à atribuição das causas do aquecimento global e da mudança climática às emissões de gases com efeito de estufa, resultantes das actividades humanas.
O 4º relatório do IPCC – Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, publicado em Fevereiro de 2007, prevê que as temperaturas globais aumentem entre 2 e 6,3 °C, até 2100 (estimado num intervalo de concentrações de gases com efeito de estufa entre 560 ppmv e 1200 ppmv) e ocorra uma subida do nível médio do mar de 22 a 58 cm.
Os últimos anos foram marcados por um grande aprofundamento das políticas e estratégias empresariais de combate às Alterações Climáticas e pelo aumento da percepção do público em relação ao problema.
- Em 2005, o Protocolo de Quioto entrou em vigor, contando com a presença de 150 Países.
- Também em 2005, arrancou o único sistema vinculativo, a nível mundial, de combate às alterações climáticas – o sistema europeu de comércio de emissões. Neste sistema participam 12 000 empresas europeias dos sectores da indústria e energia, correspondendo a 46% de todas as emissões de CO2 na União Europeia. Em Portugal este Sistema conta com 250 empresas.
- Em 2006, foram publicadas, com o Relatório Stern, as primeiras estimativas de custo-beneficio da mitigação das alterações climáticas. Este Relatório prevê que, se não fizermos nada, as alterações climáticas terão um impacto económico de, pelo menos, 5% do PIB/ano (podendo atingir mesmo 20% do PIB). Por outro lado, este mesmo Estudo estima que o custo da redução das emissões (suficiente para atingir os objectivos de concentração de longo prazo) se situe em cerca de 1% do PIB /ano.
- Em 2006, com o filme “The Inconvenient Truth”, de Al Gore, a problemática das alterações climáticas saiu da esfera dos peritos e chegou a milhões de cidadãos de todo o mundo. Este documentário foi premiado com dois Óscares.
- Em Janeiro de 2007, a Comissão Europeia apresentou um pacote Energia-Clima, no qual se propõe a fixação das seguintes metas a aplicar à UE:
- – 20% das emissões de gases com efeito de estufa até 2020, face a 1990.
- - 20%, do consumo energético da UE até 2020.
- 20% de energias renováveis, até 2020, no mix energético da EU.
- 10% de biocombustíveis, até 2020, no volume global de gasolina e gasóleo.
- Em Fevereiro de 2007, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), agregando mais de 2500 cientistas de todo o mundo, publicou o seu 4º Relatório de Progresso, com estimativas, verdadeiramente dramáticas, relativamente ao aumento da temperatura, à subida do nível do mar e ao surgimento de fenómenos climáticos extremos.
- Recentemente, o Governo português assumiu novos compromissos no domínio da energia e das alterações climáticas:
- 45% de electricidade renovável em 2010;
- 10% de biocombustíveis em 2010;
- Criação de zona piloto para a energia das ondas;
- Reforço de potência nas actuais centrais hidroeléctricas e plano para construção de novas centrais, totalizando 1300 MW adicionais de potência hídrica;
- Encerramento das centrais térmicas a fuel;
- Substituição de 5 a 10% do carvão utilizado, nas actuais centrais térmicas a carvão, por biomassa ou resíduos;
- Programa de Micro-geração.
- Lançamento de um regime de compras públicas ecológicas.
Depois desta sequência de decisões e eventos tão marcantes, aproxima-se uma nova sequência verdadeiramente decisiva:
- A EU deliberará sobre o pacote da Comissão Europeia relativo à Energia e ao Clima.
- A EU avançará, ainda em 2007, com a proposta de revisão do sistema europeu do comércio de emissões, a aplicar depois de 2012. Esta revisão dará origem, nomeadamente, à integração de mais gases e de mais sectores (designadamente, a aviação) no comércio de emissões e a um novo método de atribuição das licenças de emissão.
- No plano internacional, prevê-se para 2008 a conclusão das negociações relativas ao regime climático global pós-2012 (depois do período de vigência do Protocolo de Quioto). Isto é, será necessário encontrar um acordo para o qual, neste momento existem apenas interrogações: Quais serão as novas metas de redução das emissões? Com que instrumentos? Qual o nível de participação dos países em vias de desenvolvimento? Conseguiremos a participação vinculativa dos Estados Unidos? Terão a Índia, a China e o Brasil metas vinculativas que evitem o aumento explosivo das emissões à escala global?
- Estão em curso diversas iniciativas, por parte de alguns Congressistas e Senadores, de algumas empresas, de algumas Cidades e de alguns Estados (como a Califórnia), que permitem acalentar algumas expectativas relativamente a uma eventual adesão dos Estados Unidos ao regime climático pós-2012.
Adquirindo a negociação do regime climático pós-2012 (isto é, depois do período de vigência do Protocolo de Quioto) a mais elevada relevância, vale a pena enunciar a posição negocial recentemente assumida pela EU (Comunicação “Limiting global climate change to 2 degrees celsius - the way ahead for 2020 and beyond”):
- A comunidade científica – mas também a Comissão Europeia – consideram que, para atingir o objectivo de limitar o aumento da temperatura a 2 graus acima do nível pré-industrial, é necessário estabilizar a concentração de gases com efeito de estufa abaixo de 450 ppmvCO2eq. Na medida em que a concentração já é, hoje, superior a 400 ppmv, estando a aumentar a um ritmo médio de 0,5% por ano, a consecução do objectivo dos 2 ºC exigirá reduções significativas das emissões nos países industrializados e uma inversão, em breve, da tendência de aumento nos países em vias de desenvolvimento.
- No âmbito das negociações em torno do regime climático pós-2012, a EU lutará por um acordo que defina:
- Uma meta de longo-prazo de redução das emissões globais em 50%, até 2050, face a 1990;
- Uma meta de redução das emissões nos países industrializados em 30%, até 2020, face a 1990, e em 60 a 80%, até 2050, face a 1990.
- Um limite das emissões nos países em vias de desenvolvimento de modo a que estas atinjam o pico antes de 2020/2025 e, depois dessa data, tenham de diminuir.
- A obrigatoriedade das economias emergentes (países em vias de desenvolvimento que têm, hoje, níveis de desenvolvimento similares aos países industrializados) iniciarem, a partir de 2012, a redução do ritmo de aumento das suas emissões, e reduzirem, em termos absolutos, as suas emissões a partir de 2020. Esses compromissos devem depender das emissões per capita, do potencial para reduzir emissões e da respectiva capacidade técnica e financeira.
2.4 A nova Política de Energia da EU – uma nova revolução industrial?
No passado dia 10 de Janeiro de 2007, a Comissão Europeia (CE) publicou o Pacote “Energy for a changing world, apresentando uma visão integrada das políticas energética e de combate às alterações climáticas. Neste Pacote a CE lançou as bases para uma Política Europeia de Energia através:
- Da identificação de um desafio -“garantir o aprovisionamento de energia não poluente e competitiva num contexto de alterações climáticas, de escalada da procura energética global e de incertezas quanto ao aprovisionamento futuro”;
- Do estabelecimento de um objectivo estratégico – “Reduzir, independentemente de um acordo internacional para o regime climático pós-2012, as emissões de gases com efeito de estufa, da EU, em 20% até 2020, face a 1990, em especial através de medidas no domínio da energia”;
- Do compromisso em torno de um Plano com 10 Acções a concretizar nos próximos 3 anos.
Na prática, pretende-se colocar a EU no centro de uma nova revolução industrial, capaz de estabelecer uma economia “low carbon”, com um crescimento económico alavancado em baixas emissões e num aumento dramático da quantidade de energia produzida e consumida com baixas emissões.
Deste Plano de Acção merecem destaque as propostas relativas às energias renováveis, à eficiência energética, às tecnologias energéticas:
- Concretização do Plano de Acção para a Eficiência Energética e do objectivo de reduzir em 20% o consumo energético da UE até 2020. Este objectivo – redução de 1% do consumo de energia por ano – proporcionará uma poupança, anual, de 100 000 milhões € e de 780 milhões toneladas CO2. De acordo com os dados da CE, as medidas de eficiência energética, sozinhas, têm um potencial mundial de redução em 20% das emissões actuais de gases com efeito de estufa.
- Fixação do objectivo atingir uma quota de 20%, até 2020, de energias renováveis no mix energético da EU ( a meta para 2010 é de 12%).
Crescimento das energias renováveis: Projecções para a electricidade até 2020
- Fixação do objectivo, vinculativo, de atingir uma quota de 10% de biocombustíveis, até 2020, no volume global de gasolina e gasoleo (a meta para 2010 é de 5,75%).
- Estabelecimento de um Plano Estratégico Europeu para as Tecnologias Energéticas que reduza o actual custo das energias renováveis, facilite a utilização eficiente da energia e coloque a indústria europeia numa posição de liderança no domínio das tecnologias com baixas emissões de carbono. Recorde-se que, o 7º Programa-quadro, as verbas para I,D&I em tecnologias energéticas aumentaram de 574 M€/ano para 886 M€/ano e no Programa Energia Inteligente – Europa as verbas aumentaram de 50M€/ano para 100 M€/ano.
- Definição de um mecanismo para incentivar a construção e exploração, até 2015, de cerca de 12 projectos de demonstração, em grande escala, de tecnologias de captura e sequestração de carbono na produção comercial de electricidade na EU.
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