É com muito prazer que me associo à homenagem a Vasco Graça Moura, em boa hora promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian.
As razões para esta homenagem são conhecidas e já foram aqui amplamente explanadas, por vários oradores, ao longo do dia de hoje.
Bastaria, aliás, o curriculum do homenageado, para ficarmos cientes de que estamos em presença não apenas de uma figura de primeiro plano das letras portuguesas e da nossa vida cultural, mas também de um autor de craveira e projeção europeias.
Vasco Graça Moura tem de facto esse raro condão de olhar para Portugal com os olhos de um europeu, sem por isso deixar de olhar para a Europa com os olhos de um português.
Não irei, por isso, deter-me na excelência da sua poesia, na vastidão da sua cultura, ou na versatilidade de um autor com obra publicada em quase todos os géneros literários, e a quem já foram atribuídos tantos prémios, nacionais e internacionais.
Também não vou relembrar o autor de vários textos notáveis sobre Camões e sobre outros autores da nossa literatura e da nossa arte.
Nem o tradutor que trouxe à língua portuguesa alguns dos maiores vultos da cultura europeia.
O seu valor literário encontra-se abundantemente demonstrado por inúmeros especialistas, a quem não faltam os conhecimentos nem a competência que a dimensão e a grandeza da sua obra justificam.
Vasco Graça Moura será sempre conhecido, antes de mais, como um virtuoso das letras, e é a sua imagem como escritor, tanto para os eruditos, como para o público em geral, que em definitivo acabará por impor-se.
Permitam-me, no entanto, que eu realce também um outro aspeto da sua biografia, o qual, embora seja igualmente conhecido, corre o risco de ser ofuscado pelo brilho e a merecida fama do escritor.
Refiro-me à figura do intelectual, do cidadão empenhado, que ao longo das últimas décadas tanto contribuiu para a valorização da nossa vida democrática, quer pelo desempenho de cargos de responsabilidade, quer pela intervenção continuada que mantém no espaço público.
Na verdade, e sem prejuízo da sua projeção como artista da palavra, Vasco Graça Moura tem representado um papel da maior importância para a consolidação, entre nós, de uma sociedade que preza os valores da liberdade e da cultura.
Olhando para o que tem sido a sua atuação nesse domínio, podemos associá-lo a figuras do passado, como Herculano e Garrett, a quem a atividade literária também não foi obstáculo à intervenção política e cívica, com a qual iniciaram a recuperação do nosso património e marcaram a alvorada do Portugal moderno.
À semelhança e em continuação desses nomes maiores da nossa história, Vasco Graça Moura tem desempenhado diversos cargos, de governo e de alta administração, sempre com enorme sentido de Estado e elevados benefícios para o País.
A sua capacidade de liderança e de realização é conhecida e comprovou-se em muitas instituições, conforme já hoje foi aqui referido.
Da Imprensa Nacional à Comissão dos Descobrimentos e à Comissão para a Exposição Universal de Sevilha, do Parlamento Europeu até ao Centro Cultural de Belém, passando pela televisão pública e pela Fundação Calouste Gulbenkian - para citar apenas alguns dos lugares mais relevantes onde tem trabalhado – a sua passagem deixou sempre um rasto de inteligência, dinamismo e criatividade.
Por seu intermédio, e através das equipas que soube formar e dirigir, a cultura portuguesa adquiriu uma outra dimensão internacional. Reeditaram-se obras clássicas e foram dadas a conhecer valiosas peças do nosso património documental.
Estimulou-se a investigação histórica e a criação literária e artística.
Promoveu-se, em suma, a imagem de um Portugal que se revê nos seus oito séculos de história e que, ao mesmo tempo, continua a afirmar-se no mundo das ciências e das artes contemporâneas.
Mas a presença de Vasco Graça Moura na esfera pública não se esgota nessa componente institucional. A par do organizador, existe o cidadão, que se interessa pela coisa pública e toma partido nas questões com as quais a comunidade é confrontada.
Desde há largos anos que a sua palavra, não raro inflamada e polémica, se faz ouvir metodicamente, trazendo para o debate público a vastidão dos seus conhecimentos, a variedade da sua experiência e o virtuosismo inconfundível do seu estilo.
Seja sobre assuntos de política ou assuntos de cultura, a sua opinião faz-se ouvir, convicta e firme, sobretudo em se tratando de alguma causa que mais o sensibiliza.
Desse ponto de vista, Vasco Graça Moura é um intelectual no verdadeiro sentido do termo, um escritor que, em vez de se refugiar nas alturas da criação artística, sente necessidade de vir a terreiro para comentar o quotidiano e dizer frontalmente o que pensa.
Estou certo de que a nossa vida democrática, sem a sua participação, sempre lúcida e corajosa, seria mais pobre.
É também por esse motivo, e por tudo o mais que já foi aqui dito, que Portugal lhe deve estar grato e que a homenagem que hoje lhe prestamos é mais do que justificada.
Julgo, pois, interpretar o sentimento das instituições e das personalidades que se juntaram nesta celebração da obra e do percurso de Vasco Graça Moura, assim como dos seus muitos leitores e do povo português em geral, ao decidir condecorar o homenageado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'Iago da Espada.