Ao celebrarmos o 25 de abril, festejamos a vitória da liberdade sobre a ditadura, o triunfo da democracia sobre o autoritarismo.
Em 1974, foi necessário fazer uma revolução para mudar de regime. Mas, depois, foi necessário construir um regime novo, um regime democrático. Ao festejarmos o 25 de abril, saudamos aqueles que tiveram a coragem de mudar de regime mas também os arquitetos de um tempo novo, os artesãos da nossa democracia.
O regime democrático encontra-se atualmente consolidado porque o bom senso prevaleceu sobre o aventureirismo, porque o sentido de responsabilidade foi mais forte que as tentações extremistas.
Na altura, foi essencial, para a consolidação do novo regime, que Portugal projetasse no exterior a imagem de um país livre e responsável, um Estado plenamente integrado na comunidade internacional e merecedor do respeito das outras nações.
Ao longo de um caminho difícil, ultrapassados inúmeros obstáculos, conseguimos, em poucos anos, mudar de regime, realizar eleições livres, fazer uma Constituição que ainda hoje vigora e aderir de pleno direito às Comunidades Europeias.
Tomámos a opção certa. Mas, sobretudo para os mais jovens, é necessário lembrar que o caminho seguido poderia ter sido outro. Portugal poderia ter aprofundado o seu isolamento na cena internacional se acaso o sentido de responsabilidade não tivesse triunfado com o apoio do povo, inequivocamente expresso nas eleições para a Assembleia Constituinte.
Foi necessário um trabalho árduo para demonstrar internacionalmente a nossa credibilidade como Estado soberano. Na altura, foram muitos os que participaram ativamente nesta tarefa coletiva que foi explicar Portugal ao mundo. Fizemo-lo com sucesso.
Senhora Presidente da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Deputados,
Passadas mais de três décadas sobre o 25 de abril, os Portugueses são de novo chamados a explicar Portugal ao mundo e a valorizar o que temos de bom nos mais variados domínios.
Nas circunstâncias atuais, as exportações, o turismo e o investimento privado produtivo constituem os principais elementos capazes de contribuir positivamente para a recuperação económica e para a criação de emprego.
É sabido que os níveis das exportações e do investimento privado dependem de uma multiplicidade de fatores. Hoje, quero concentrar-me num deles, geralmente pouco referido: a imagem e credibilidade de Portugal no estrangeiro.
Neste sentido, todos os Portugueses, e não apenas os agentes políticos, têm o dever de mostrar ao mundo o valor do seu País. Neste dia 25 de abril, a minha intervenção nesta cerimónia tem um objetivo preciso e uma razão prática: exortar os nossos concidadãos a corrigir a falta de informação ou até a desinformação que subsiste no estrangeiro sobre o País que somos. Se o fizermos com sucesso, contribuiremos para melhorar as condições de crescimento da nossa economia e de criação de emprego.
Através de uma perceção externa fidedigna e positiva de Portugal, conseguiremos vender mais bens e serviços produzidos no País e a melhores preços, seremos capazes de atrair mais investimento externo, obter financiamento no exterior a taxas mais favoráveis.
Conseguiremos fortalecer o turismo, captar remessas dos emigrantes, afirmar as instituições científicas e os investigadores portugueses nas redes internacionais de conhecimento e de inovação.
Sabe-se, desde há muito, que a imagem de um País é um fator essencial para o seu sucesso. Fornecer um retrato realista e positivo de Portugal é um objetivo nacional, que deve mobilizar empresários e trabalhadores, as elites da ciência, das artes e da cultura, os agentes políticos e sociais e as comunidades da diáspora.
À semelhança do que ocorreu há quase quarenta anos, temos todos o dever de mostrar que somos um país credível e com potencialidades que tantas vezes são ignoradas.
Muito se tem dito e escrito no estrangeiro sobre o nosso País que não tem a mínima correspondência com a realidade.
Umas vezes, existe a intenção deliberada de fornecer um retrato negativo do nosso país, de evidenciar apenas uma parte da realidade. E pior do que isso, essa perceção negativa é veiculada internamente, constituindo um fator de desmobilização dos cidadãos e prejudicando as expectativas dos agentes económicos. O 25 de abril dos nossos dias está também em mostrar ao mundo o muito de positivo que o País tem e o respeito que merecemos das outras nações.
Esta é, repito, uma tarefa para a qual são convocados todos os cidadãos. Para além da ação dos dirigentes políticos, o que importa para consolidar a nossa projeção externa é a apresentação de exemplos concretos, capazes de vencer os preconceitos, as ideias feitas e a falta de informação isenta que ainda hoje existe sobre Portugal.
Temos a obrigação de, nos nossos contactos com o estrangeiro, transmitirmos mais do que a imagem de uma terra caracterizada pela riqueza da sua História, pela amenidade do seu clima e pela hospitalidade das suas gentes. Se tudo isso é indiscutivelmente verdade, o Portugal do século XXI é mais, muito mais, do que aquilo que há décadas projetamos com o objetivo de atrair turistas e visitantes.
Enquanto Presidente da República, várias vezes tenho procurado dar o meu contributo para que Portugal seja visto como um Estado com credibilidade, dignidade, e como um país com inúmeros aspetos positivos e imensas potencialidades. O desafio que hoje lanço aos nossos concidadãos é de que juntem a sua voz à minha, à de outros agentes políticos e à dos nossos diplomatas em defesa da imagem do País no exterior.
Não se trata de alimentar um nacionalismo passadista, construído a partir do mito e da imaginação, nem de regressar a um discurso típico do regime deposto a 25 de abril. Não temos de recorrer à ficção, nem temos de criar uma imagem ilusória da realidade portuguesa.
No domínio da Ciência, por exemplo, nas últimas duas décadas o número anual de diplomados aumentou quatro vezes e o número dos novos doutorados registou um dos maiores crescimentos da Europa. Cerca de metade dos doutoramentos ocorre em áreas de elevado potencial, das ciências exatas, da engenharia e da tecnologia.
Não se afirme que tal ocorreu porque impera nas nossas universidades uma maior facilidade do ensino. Portugal registou na última década a segunda maior taxa de crescimento da produção científica de todos os países da União Europeia, o que atesta o reconhecimento internacional dos nossos investigadores.
Portugal dispõe hoje de centros científicos e tecnológicos de nível internacional, em áreas de grande potencial de crescimento, como a nanotecnologia, as telecomunicações móveis e as ciências médicas. Em vários domínios, não estamos a colocar investigadores no estrangeiro; estamos, isso sim, a atrair cada vez mais talentos de outros países.
O investimento em Investigação e Desenvolvimento, em proporção do PIB, duplicou na última década, atingindo 1,7 por cento, valor que nos situa próximo da média da União Europeia.
O cartão pré-pago para telemóveis e o sistema automático de portagens, a Via Verde, inovações disseminadas mundialmente, tiveram origem em empresas portuguesas.
No âmbito da Cultura, é preciso que o mundo saiba que a língua portuguesa é falada por mais de 250 milhões de cidadãos de oito países, situados em quatro continentes, e de uma Região Autónoma da República Popular da China. O português é a terceira língua europeia em termos de falantes e um dos idiomas em maior expansão em todo o mundo. A língua portuguesa não é um património do passado, que tende a regredir no confronto com outros idiomas. Pelo contrário: a língua portuguesa é uma comunidade de futuro. Basta referir que, na rede Twitter, o português é a terceira língua mais utilizada.
Temos sinais de memória espalhados pelo mundo fora. Vinte e quatro bens de origem portuguesa estão classificados pela UNESCO como Património da Humanidade. E, o que é mais um motivo de orgulho, esse património não se concentra num só país nem sequer num só continente. Há marcas portuguesas reconhecidas pela UNESCO em países como o Brasil, o Uruguai, a Índia, Cabo Verde, Moçambique, a Malásia, o Sri Lanka ou em Macau, na China.
Recentemente, o fado foi designado Património Imaterial da Humanidade. Trata-se de um reconhecimento efetivo do valor da nossa contribuição para o progresso cultural dos povos.
Em muitos domínios, os portugueses são premiados internacionalmente. Dois dos nossos arquitetos foram galardoados com o Prémio Pritzker, considerado o Nobel da Arquitetura. Nas artes plásticas, na moda, nas indústrias criativas, o talento dos portugueses é admirado. A artista Joana Vasconcelos irá mostrar a sua obra no Palácio e nos Jardins de Versalhes, uma distinção rara que apenas é atribuída aos que já possuem um estatuto artístico e criativo de nível internacional. A par disso, vários dos comissários de artes plásticas portugueses ocupam altos cargos em alguns dos melhores museus do mundo, desde o Museu de Arte Moderna, de Nova Iorque, passando pelo Jeu de Paume, em Paris, ou proximamente, o Museu Rainha Sofia, em Madrid.
No cinema, há portugueses que se impõem: só para dar exemplos recentes, João Salaviza e Miguel Gomes foram distinguidos no Festival de Cinema de Berlim.
Este não é o Portugal de um passado imaginado, nem o Portugal de um futuro desejado. Estes exemplos da ciência e da cultura são o Portugal do presente. Mais ainda: estes são exemplos expressivos, mas não casos isolados. Tudo isto foi possível devido à liberdade criada numa madrugada de abril. E, ao mesmo tempo, tudo isto é autenticamente português.
Num outro plano, é importante que o mundo saiba que conseguimos criar uma relação exemplar com os oito países de expressão oficial portuguesa, atualmente reunidos numa organização própria, a CPLP.
Somos conhecidos, desde há muitos séculos, como construtores de pontes entre países e culturas, como artífices de consensos. Esta característica levou-nos, uma vez mais, a ser eleitos para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, desta feita para o biénio 2011-2012, vencendo a disputa a outros países de maior dimensão.
Vários portugueses desempenham atualmente funções internacionais de grande relevo, como é o caso do Presidente da Comissão Europeia, do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e do Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações e Enviado Especial para a Luta Contra a Tuberculose.
Por três vezes, presidimos à União Europeia e as presidências portuguesas sempre foram reconhecidas pelo seu dinamismo e eficiência, sendo consideradas das mais produtivas da História do processo de construção de uma Europa unida. Não por acaso, chama-se «Tratado de Lisboa» o tratado que atualmente rege a União Europeia.
O prestígio de Portugal destaca-se ainda na competência e no profissionalismo demonstrados pelas nossas Forças Armadas e forças de segurança em missões de paz e humanitárias em países como o Afeganistão, o Kosovo, Timor-Leste, o Líbano ou o mar da Somália.
Senhora Presidente da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Deputados,
Com este apelo aos portugueses para que contribuam para projetar junto dos estrangeiros aspetos positivos da nossa realidade, não quero fazer esquecer que existem graves problemas na nossa sociedade.
Por mais de uma vez, sublinhei a importância de falar verdade aos Portugueses. Agora, a verdade dos tempos difíceis é reconhecida por todos. Estou plenamente consciente da situação do País, dos problemas concretos dos Portugueses: o desemprego ou a precariedade do emprego jovem, os novos pobres, o encerramento de empresas, os dramas que atingem famílias inteiras, as condições de solidão e de carência que afetam milhares de idosos.
Sei também que existem problemas estruturais na nossa sociedade e na nossa economia que têm de ser encarados com sentido de futuro. Ainda recentemente, promovi um debate profundo sobre os efeitos da quebra da natalidade. A par disso, nunca deixei de salientar a importância do crescimento económico apoiado nas pequenas e médias empresas, em estreita articulação com a sociedade civil e com as autarquias, e de uma estratégia de revalorização do interior que combata o despovoamento e as assimetrias de desenvolvimento.
Temos de fazer um esforço coletivo para enfrentar problemas e descobrir potencialidades. Mesmo no domínio do tecido produtivo, há sinais demonstrativos da capacidade dos Portugueses que devem ser sublinhados no exterior. Atualmente, muitas empresas dos setores tradicionais – têxteis, calçado, mobiliário, vinho – alcançaram, graças a um trabalho notável de inovação, uma nova projeção nos mercados internacionais.
De igual modo, são inquestionáveis as potencialidades da economia do mar. Com uma Zona Económica Exclusiva de invulgar extensão, com uma linha de costa de 2.900 quilómetros, com uma imensa e inexplorada plataforma continental, o País tem condições únicas para um aproveitamento sustentado dos recursos marinhos e para captar investimentos externos para esse projeto, que sempre entendi como um dos maiores desígnios nacionais.
No passado, soubemos dotar-nos de infraestruturas necessárias e de qualidade, que agora nos destacam positivamente no confronto com outros Estados da União Europeia. Portugal oferece, sem dúvida, condições competitivas para atrair o investimento estrangeiro, como o atestam os êxitos de grandes empresas internacionais.
A posição de Portugal surge igualmente destacada no domínio energético e ambientalmente sustentado. Somos o terceiro país da União com maior participação das energias renováveis no consumo de eletricidade.
Queremos que os estrangeiros saibam, acima de tudo, que o nosso melhor ativo são as pessoas. Os Portugueses têm mostrado uma capacidade notável de adaptação às dificuldades do presente. Em alturas como esta, o espírito solidário dos Portugueses adquire uma dimensão que nos orgulha e comove. Estabelecem-se redes de solidariedade, o voluntariado cresce, especialmente entre os jovens, o apoio aos mais atingidos pela crise é uma realidade.
Temos vindo a cumprir de forma rigorosa e determinada o programa de assistência financeira subscrito com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional. Diversas instituições e observadores imparciais concluíram, sem margem para dúvida, que Portugal sabe honrar os seus compromissos. As avaliações da missão tripartida reconhecem inequivocamente como positivo o trabalho em curso no plano da consolidação orçamental, da estabilidade do sistema financeiro e das reformas necessárias ao reforço do crescimento potencial e da competitividade.
O «Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego», firmado em janeiro deste ano, entre o Governo e os parceiros sociais, é o sinal mais claro de um sentido de responsabilidade partilhada e de uma vontade genuína de que a execução do programa de assistência financeira se processe num contexto de paz e coesão social.
Em momentos como este, é essencial assegurar a coesão do País. É nestas alturas que temos de nos manter unidos. Exige-se, por isso, um esforço permanente de diálogo e concertação entre o Governo, os partidos da oposição e os parceiros sociais. Este tem sido, aliás, um dos nossos principais ativos.
Numa democracia como a nossa, há sempre espaço para o pluralismo e para a diversidade de opinião. E, como já tive ocasião de afirmar uma vez, não é combatendo-nos uns aos outros que iremos combater a crise.
É este Portugal, o país que celebra a revolução de abril, que temos de mostrar ao exterior. Há quase quarenta anos, demos um exemplo ao mundo: conquistámos a democracia sem violência nem sangue. Os cravos anunciaram um país livre e, dias depois, celebrámos a revolução num primeiro de maio onde todos estiveram, num dia de festa sem confrontos nem sectarismos. É essa a lição maior que temos de seguir no dia de hoje, no ano de 2012, em que Portugal atravessa um dos períodos mais complexos da sua História recente.
Com o espírito do 25 de abril, juntos iremos vencer.
Muito obrigado.