Estou prestes a concluir esta jornada de trabalho na Região Autónoma dos Açores. Ao longo destes dias, na companhia da minha Mulher, percorri Santa Maria, a Graciosa, São Jorge, as Flores e o Corvo.
Foram dias preenchidos, em que pude conhecer de perto a realidade das chamadas «Ilhas da Coesão» e os seus problemas específicos. Agradeço ao Senhor Representante da República e às entidades regionais que me acompanharam o contributo que deram para a concretização plena dos objectivos desta visita.
Termino em São Miguel este inesquecível contacto directo com as populações da Região Autónoma dos Açores. A minha presença neste almoço, é uma homenagem a todos os autarcas açorianos e um sinal de agradecimento da hospitalidade dos autarcas das ilhas que visitei nesta deslocação.
A minha saudação mais profunda é dirigida a todo o povo dos Açores, que, uma vez mais, demonstrou a sua generosidade e sentido patriótico. Em todas as localidades fui recebido com inexcedível simpatia e amizade, que retribuo muito calorosamente.
Num texto escrito em 1976, no rescaldo da revolução, a grande poetisa e mulher de letras Natália Correia perguntou: «quem disse que eras fraco, ó Povo?». Na verdade, quem pode dizer que é fraco este povo dos Açores? Este é um povo que sabe enfrentar as contrariedades da terra, terra de maravilhosas belezas naturais mas por vezes adversa à presença dos homens.
Há muitos séculos, uma primeira expedição de trinta pessoas procurou fixar-se no Corvo. Em 1570, era construída a primitiva igreja e, dez anos depois, em 1580, no mesmo ano em que Portugal perdia a sua independência, colonos vindos das Flores estabeleceram-se em definitivo na ilha do Corvo, que desde então passou a ser permanentemente habitada. Não terminaram aí as dificuldades. Sete anos depois, em 1587, o Corvo foi saqueado e as suas casas queimadas por corsários ingleses, que haviam atacado as Lajes das Flores. A ilha foi, ao longo de anos, alvo de diversos ataques. Num deles, em 1632, os corvinos resistiram com tal coragem que os invasores desistiram dos seus intentos.
É esta a fibra do povo dos Açores. Decidiram fixar-se nas ilhas, aí criaram raízes, aí se dedicaram à agricultura, à pastorícia, aventuraram-se em mares perigosos. Nunca desistiram. Saúdo, pois, com admiração profunda, os agricultores e os homens do mar desta Região. Muitos açorianos procuraram noutros destinos ganhar o pão que a terra lhes negava. Na Diáspora, criaram novas raízes e fizeram grande o nome de Portugal. Aos açorianos das comunidades portuguesas e de luso-descendentes dirijo, a partir desta ilha de São Miguel, uma saudação muito afectuosa.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Nestes dias, visitei as chamadas «Ilhas da Coesão». A coesão, nas suas múltiplas vertentes, constitui um valor fundamental. A ela dediquei a minha intervenção no Dia de Portugal, no ano passado. Não o fiz por acaso: a coesão nacional é um dos principais elementos distintivos da portugalidade, em confronto com outras nações da Europa e do mundo. A coesão de um país é, antes de mais, coesão territorial. Mas mesmo que o território seja disperso, como acontece nos arquipélagos atlânticos, o respeito pela diversidade de cada um é a base da coesão e da unidade nacional. Também aqui, nesta região autónoma, a açorianidade se constrói a partir do respeito pelas particularidades de cada ilha. A identidade é una, mas cada ilha é singular, e aí reside o seu primordial encanto. Cada ilha tem potencialidades específicas e um dos propósitos desta minha deslocação foi justamente dar projecção e visibilidade às imensas riquezas que cada ilha tem para oferecer e, dessa forma, contribuir para promover à coesão.
É essencial termos presente que, com o apoio das novas tecnologias, as noções de centro e periferia se alteraram radicalmente no século XXI. O que outrora era periférico pode encontrar-se hoje no centro do mundo. Desde há muito que os Açores sabem tirar partido da sua posição geoestratégica para se afirmarem como uma plataforma privilegiada de diálogo inter-Atlântico. Agora, nos nossos dias, uma ilha remota pode ser o centro do rastreio de satélites, a base de controlo do tráfego aéreo numa vastíssima zona do hemisfério norte, o local nevrálgico do combate à poluição marítima ou da monitorização de ensaios nucleares.
Se a tecnologia garante uma nova centralidade, muito há a fazer ainda no domínio das acessibilidades, factor decisivo do desenvolvimento harmonioso de toda a Região, como reconhecem as autoridades regionais e locais. Em larga medida, estas ainda são «as Ilhas Desconhecidas» de que falava Raul Brandão. Por isso, é fundamental que uma política adequada de transportes favoreça o desenvolvimento do turismo nas Ilhas da Coesão. Não já do turismo massificador e destrutivo, mas de um turismo exigente e de qualidade, que busca nos Açores justamente o que já se perdeu noutras partes do mundo: as paisagens naturais de uma beleza ímpar, o património histórico-cultural preservado, a hospitalidade das gentes, o respeito pela memória e pelo ambiente, uma gastronomia baseada em produtos de referência. Desta forma, será possível fixar populações e evitar a perda demográfica e o envelhecimento. Desta forma, será igualmente possível desenvolver uma agricultura mais competitiva, orientada para a produção de bens de qualidade e de referência que serão marcas da açorianidade conhecidas por consumidores exigentes, nacionais e estrangeiros. Trata-se de uma realidade que não podemos perder de vista.
A coesão é também, como assinalei já várias vezes, coesão social e coesão geracional. Daí que todas as políticas públicas tenham de ser norteadas por um princípio de justiça social, quer na distribuição dos recursos, quer na repartição dos sacrifícios.
Como tenho repetidamente sublinhado, no desenvolvimento sustentado e equilibrado do País, e também desta Região, o poder autárquico tem um papel essencial a desempenhar. São os autarcas que conhecem de perto os problemas de cada localidade, que sabem, com um saber feito de experiência e de proximidade, que elementos deverão ser activados e potenciados para garantir um desenvolvimento harmonioso dos seus municípios e freguesias.
A razão que levou os constituintes de 1976 a consagrar o poder autárquico são, no fundo, semelhantes às que os levaram a garantir a autonomia político-administrativa das regiões insulares. Ainda que situadas a níveis diferentes de governação, em ambos os casos a preocupação dos constituintes de 1976 foi idêntica: respeitar a diversidade e reconhecer as vantagens da proximidade. Precisamente por isso, é vital que exista uma cooperação saudável e um relacionamento harmonioso entre as autoridades regionais e o poder autárquico, já que ambos visam um objectivo comum: promover o bem-estar das populações e afirmar a Região Autónoma dos Açores no contexto mais vasto do todo nacional. A coesão nacional é também coesão entre os poderes da República e os poderes regionais e, igualmente, coesão entre os diversos poderes existentes no seio das Regiões Autónomas.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Os açorianos aperceberam-se há muito do valor da coesão. Foi por se terem mantido unidos que, durante séculos, conseguiram resistir aos ataques de corsários. Foi por se manterem unidos que conseguiram viver em terras agrestes, com furnas e caldeiras que eram «guelras que o vulcão abria», como escreveu Natália Correia. Ao longo destes dias, constatei que os açorianos conhecem as dificuldades do presente mas, à semelhança do que fizeram no passado, não estão dispostos a abdicar do futuro. É esta energia admirável que todos os Portugueses têm de partilhar. É este o espírito dos açorianos que, de forma comovida, quero saudar no dia em que concluo a minha deslocação a esta Região Autónoma.