Vir à Casa de Mateus é sempre um motivo de satisfação para qualquer visitante.
Mal entramos no pátio e deparamos com a majestosa frontaria, sente-se o peso da história reflectido na fachada barroca do edifício.
Aqui, a natureza e a arte harmonizam-se de forma invulgar, num conjunto arquitectónico e paisagístico de rara beleza, que os seus proprietários têm sabido preservar, ao longo de sucessivas gerações.
Aqui, o passado e a tradição associam-se à modernidade, como é visível nas iniciativas que a Fundação Casa de Mateus tem promovido nas últimas décadas, e das quais o Prémio D. Dinis constitui um óptimo exemplo.
Desde há quase três séculos, a cultura vive neste lugar paredes meias com o dia-a-dia dos trabalhos agrícolas, e a arte integra-se na harmonia dos jardins e na austeridade da paisagem transmontana.
Poucos nomes seriam, de resto, mais adequados e cheios de simbolismo para o prémio literário que hoje nos trouxe até aqui, do que o nome de D. Dinis, o rei a quem o povo chamou de lavrador e ao mesmo tempo trovador, o rei que plantou pinhais e escreveu poesia, promoveu o desenvolvimento e fundou a primeira universidade, definiu as fronteiras do território e instituiu o português como língua oficial da corte.
Mas o Prémio D. Dinis, além de um nome que tem para nós o maior significado, possui também, ele próprio, uma história, uma história que se confunde com a das letras portuguesas nas últimas três décadas.
Na verdade, ao longo dos 31 anos que já leva de existência, este prémio distinguiu uma parte significativa das obras mais relevantes que entretanto se publicaram em Portugal.
Na ficção, como na poesia e no ensaio: de Agustina Bessa Luís a Hélia Correia; de Sophia de Mello Breyner a António Franco Alexandre; de Vergílio Ferreira a Vítor Aguiar e Silva, podemos, sem exagero, afirmar que praticamente todas as grandes figuras da literatura portuguesa contemporânea foram agraciadas com o Prémio D. Dinis.
É a esta galeria, já extensa, de nomes prestigiados que vem agora juntar-se João Barrento, ensaísta que viu premiado pelo júri o seu livro O Género Intranquilo, e a quem eu gostaria de apresentar os meus sinceros parabéns.
O trabalho de João Barrento é bem conhecido, sobretudo nos meios académicos, não apenas pelos ensaios, mas também pelas muitas traduções que tem feito, algumas delas entretanto galardoadas com prémios os mais diversos.
Graças a esse trabalho, feito com uma persistência e um rigor que todos lhe reconhecem, alguns dos mais importantes autores da literatura alemã foram traduzidos para a nossa língua, colocando assim à disposição dos leitores portugueses todo um universo cultural que, de outra forma, estaria interdito à grande maioria.
A par, no entanto, do seu trabalho como tradutor, João Barrento é também autor de inúmeros ensaios, nos quais se revela um profundo conhecedor da cultura contemporânea.
No livro a que o júri do prémio D. Dinis atribuiu o prémio, está precisamente um conjunto de textos em que João Barrento reflecte sobre a especificidade da literatura ensaística, recorrendo a alguns dos autores que melhor a cultivaram. Entre eles, podemos encontrar os portugueses Eduardo Lourenço e esse outro grande ensaísta que foi Eduardo Prado Coelho, falecido ainda há bem poucos anos, que muitos de nós conhecemos e admirámos, pela forma inteligente e original como participou na vida pública e influenciou o nosso ambiente cultural.
Desejo, pois, felicitar vivamente o premiado, fazendo votos para que ele possa continuar a desenvolver com êxito o seu trabalho e a contribuição que tem dado para a internacionalização da nossa universidade e da cultura portuguesa.
Estão igualmente de parabéns o Eng.º Fernando de Albuquerque e a Fundação Casa de Mateus, pela forma empenhada como têm sabido manter, a partir da lonjura a que fica dos grandes centros esta terra imortalizada por Camilo e Miguel Torga, um prémio literário de projecção nacional.
Todos sabemos como o interior do País tem sido vítima de abandono e condenado a uma desertificação progressiva, face à qual não podemos baixar os braços, nem passar ao lado, como se ela fosse inevitável.
Há, felizmente, em muitos sectores de actividade, exemplos que mostram o contrário, fazendo ver que é possível, pelo menos, minorar o prejuízo que é, para as populações e para a coesão nacional, o esquecimento a que tantas vezes são votadas.
A Casa de Mateus constitui, sobretudo no domínio cultural, um desses exemplos. As múltiplas actividades, que ao longo dos anos aqui têm sido realizadas, são a melhor prova de que a fidelidade aos valores familiares e à história local não é incompatível com o dinamismo cosmopolita, nem com a promoção das mais sofisticadas manifestações artísticas.
Oxalá possam aparecer outros exemplos e outros pólos de afirmação e desenvolvimento regional, não apenas na cultura, mas também nos restantes sectores de actividade.
O ordenamento do território, o bem-estar dos cidadãos e o interesse nacional assim o exigem.