Quero começar por felicitar o jornal Expresso pela iniciativa de organizar uma Conferência sobre um tema que, após um longo período de algum adormecimento, volta a ser discutido e começa a estar na agenda em Portugal: o mar.
Num Congresso recentemente organizado pelas principais associações empresariais portuguesas, por iniciativa da Associação Comercial de Lisboa, afirmei que a exploração do mar, enquanto importante recurso económico do País, deveria ser um grande objectivo nacional. Um objectivo de todos, para o qual todos devemos contribuir.
O Expresso, é justo dizê-lo, é um dos órgãos de comunicação social que mais atenção dedicou à reintrodução do tema do mar no pensamento estratégico português.
Pela minha parte, tenho procurado contribuir para este desígnio colectivo, chamando a atenção para a relação claramente insatisfatória que mantemos com o mar e apelando à exploração do enorme potencial que ele encerra.
Tenho insistido, aliás, na ideia de que o mar deve tornar-se uma prioridade nacional. A par de causas nacionais tão importantes como a educação e a qualificação dos portugueses, o aumento da produtividade e da competitividade da economia, ou a credibilização do sistema de justiça, devemos concentrar esforços nesta nova causa: tirar pleno partido do mar, enquanto recurso natural e enquanto base de expansão da nossa actividade económica.
É importante abraçarmos novas causas, particularmente em momentos de crise como os que se vivem hoje. É vital desenvolvermos novas ideias de negócio, com vista a construir novas indústrias e serviços. O mar deve ser uma dessas ideias.
Em tempos de crise profunda, como o que vivemos, não nos podemos dar ao luxo de continuar a desperdiçar um dos nossos principais recursos naturais.
São muitas, a meu ver, as razões que sustentam uma aposta no mar: Portugal conta com um conjunto de vantagens físicas, que resultam da sua localização de país projectado sobre o oceano, entre continentes, no centro de importantes rotas do comércio internacional e do transporte marítimo; é possuidor da maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia e está a trabalhar na delimitação de uma das maiores plataformas continentais do mundo.
São estas vantagens – centralidade da sua localização no mundo e dimensão – que dão realismo ao potencial do mar português.
Depois, Portugal tem no mar, ainda hoje, sem dúvida, a sua melhor imagem de marca, construída por séculos de ligação aos oceanos. Tal imagem, já de si prestigiante, se bem orientada e explorada, poderá funcionar em claro benefício dos produtos e dos serviços marítimos portugueses.
Portugal conta com suficientes estratégias, estudos e planos, incluindo os vertidos no Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos ou no Estudo do Hipercluster do Mar, para poder dar passos seguros na sua aposta no mar.
Uma outra razão que me parece determinante para justificar um investimento nas actividades ligadas ao mar é o claro subaproveitamento deste recurso em Portugal. Somos, hoje em dia, um dos países da Europa ocidental que menos empregos e riqueza consegue gerar a partir do mar. Os anos de abandono deste grande sector e de ausência de investimentos significativos indicam-nos que, em muitas indústrias ou actividades, partimos de um nível que nos permite beneficiar de um considerável potencial de crescimento.
Finalmente, ao apostarmos na economia do mar, estamos a apostar numa nova centralidade para Portugal. Já não o país onde a Europa acaba, mas o País onde o mar e o mundo começam. Em vez de nos vermos como um país periférico e lamentarmos a nossa geografia, passaremos a ver-nos como um país que se encontra entre continentes, na rota da logística de transporte mundial, e que sabe tirar partido desse seu posicionamento.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Um dos méritos desta Conferência é o de abordar não apenas as actividades marítimas tradicionais, mas todos os domínios de particular relevo para a economia portuguesa do mar.
Os portos e os transportes marítimos, sendo sectores tradicionais do mar, nem por isso são menos essenciais à sua exploração. Trata-se de dois sectores que estão fortemente interligados e que constituem o “núcleo duro” de uma aposta sustentada no potencial dos oceanos. Sem esses sectores, sem os reforçarmos, Portugal não poderá voltar a ser um país marítimo.
Mas apesar de os principais portos portugueses apresentarem hoje sinais de crescimento que são positivos, a verdade é que a reforma plena do sistema portuário continua por finalizar e não nos podemos conformar com o sector de transportes marítimos que hoje temos.
Portos e transportes marítimos desenvolvidos são instrumentais, por seu turno, para outro grande domínio da economia do mar: a energia.
Com efeito, basta ver que é através dos nossos portos que nos chega mais de 80 por cento da energia que consumimos. Portugal conta, no porto de Sines, com um dos poucos terminais de Gás Natural Liquefeito da Europa. Trata-se de um activo que nos é estratégico e que deve ser potenciado, e, se possível, replicado, com o nosso know-how, noutros lugares ou noutros países europeus.
O mar não releva apenas como meio de transporte de petróleo e de gás natural. Ele é essencial hoje em dia à produção energética – 40 por cento do petróleo e 60 por cento do gás natural que consumimos na Europa é retirado do mar – e, muito possivelmente, continuará a revestir-se, também nesta perspectiva, de uma importância considerável.
Finalmente, o mar é interessante para o desenvolvimento de indústrias de energias renováveis. O Pacote Europeu para a Energia e o Clima não deixa margem para dúvidas: essas indústrias serão essenciais para o cumprimento dos objectivos acordados para 2020, nomeadamente a geração de 20 por cento de energia renovável. Por essa razão temos assistido, nos últimos anos, a uma verdadeira corrida aos parques eólicos offshore no mar do Norte. No contexto europeu, Portugal dispõe dos maiores espaços marítimos e de fortes recursos naturais – vento e ondas – dos quais deverá tirar o devido partido.
Também no domínio dos recursos vivos marítimos Portugal tem de despertar. Face às elevadas quantidades de consumo de peixe per capita, correspondendo a mais do dobro do que se verifica, em média, na União Europeia, surpreende que não façamos mais esforços para aumentar a sua produção. O défice da balança comercial de pescado com o exterior ultrapassou 800 milhões de euros em 2009. Para um país que tem, imperativamente, de reduzir as suas importações e aumentar as exportações, dá que reflectir.
Um outro grande sector ou conjunto de sectores que deveria ser assumidamente estratégico para Portugal é o do turismo costeiro e marítimo, tema, segundo creio, que será objecto de painel específico nesta Conferência.
O turismo de cruzeiro tem vindo a ser um caso de sucesso na Europa e em Portugal na última década. Importa ter ambição e traçar objectivos para fazer aumentar o número de partidas e chegadas a partir de Portugal, o que exige não só continuar a desenvolver as infraestruturas de acolhimento portuário, mas, acima de tudo, desenvolver uma concertação alargada com todos os agentes envolvidos, incluindo as autarquias das cidades portuárias, os seus hotéis e os seus aeroportos.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Esta Conferência será encerrada pela Senhora Comissária Europeia para os Assuntos Marítimos. Esperamos que a Política Marítima Integrada Europeia, cuja criação, em 2007, constituiu um grande progresso para a ligação da Europa ao mar, venha a alcançar os objectivos propostos, nomeadamente a criação de um espaço marítimo sem barreiras, que facilite o transporte por mar e as chamadas auto-estradas do mar, que tardam em consolidar-se. Esperamos que seja dado novo impulso à implementação da Directiva da Protecção do Meio Marinho e ao desenvolvimento das energias renováveis offshore, bem como à luta contra o impacto das alterações climáticas nas áreas marítimas e costeiras. Esperamos, igualmente, que a Comissão possa apresentar aos Estados-Membros uma proposta clara sobre o tema fundamental do ordenamento marítimo espacial, bem como uma boa estratégia para o Atlântico, após o ter feito para o Mar Báltico e para o Mar Mediterrâneo.
Concluo, apelando à Comissão Europeia para que renove o seu compromisso com o mar e proponha aos Estados-Membros mecanismos de acção e de ajuda concreta em áreas tão importantes como as que acabei de referir.
Apelando, também, ao Governo e à Assembleia da República, para que não se limitem a ver o mar através de iniciativas sectoriais e fragmentadas, e, principalmente, para que apoiem a economia do mar.
E, finalmente, instando a sociedade civil – e os agentes económicos, em particular – a compreender que o peso da geografia de um país é importante no seu rumo de futuro e a pôr os olhos no potencial e nas oportunidades que o mar nos oferece.
O mar não é uma solução para todos os problemas que Portugal enfrenta. Mas, a verdade é que reduzimos fortemente as nossas opções de crescimento ao deixarmos de lado o principal dos nossos recursos naturais. É, pois, tempo de afastarmos os complexos que nos tolhem a racionalidade e darmos passos firmes na abordagem ao mar. É tempo de o encararmos, não como um símbolo de eras passadas, mas como um desígnio de futuro, uma aposta que nos trará mais desenvolvimento económico e melhor qualidade de vida.
Muito obrigado.