Gostaria, em primeiro lugar, de dirigir uma saudação muito calorosa a todos os que trabalham na Universidade Agostinho Neto, em particular aos seus docentes e aos seus alunos.
Saúdo-os como Presidente de Portugal, uma nação que partilha com Angola a mesma língua, alguns séculos de história comum e, sobretudo, uma relação de amizade e cooperação que tem vindo a estreitar-se ano após ano.
Saúdo-os igualmente como Professor, ciente do papel que desempenha o conhecimento nas sociedades contemporâneas, da responsabilidade que cabe aos que têm por missão preparar os homens de amanhã e, muito em especial, da importância que tem, para o desenvolvimento angolano, o trabalho realizado nesta Universidade.
A cooperação inter-universitária é uma das áreas mais dinâmicas do Programa Indicativo da Cooperação portuguesa com Angola, sendo que a Faculdade de Direito desta Universidade foi uma das primeiras a assinar Acordos de Cooperação com as Faculdades de Direito de Coimbra e de Lisboa. Caber-lhe-á, também a ela, marcar o início, a muito breve prazo, de uma nova fase desta cooperação, através de um Acordo com a Universidade Nova para doutoramentos em Direito, que levarão a chancela dos dois estabelecimentos. Será uma experiência pioneira, que colocará Portugal na primeira linha de apoio ao reforço do ensino superior em Angola, ao nível mais elevado.
A universidade é, por definição, um espaço de aprendizagem e de investigação. E ao mesmo tempo, é um espaço de diálogo e de encontro: encontro de saberes, encontro de gerações, encontro de culturas e de povos.
O encontro entre portugueses e angolanos data de há muito. Por maiores que tenham sido as vicissitudes por que passou algumas vezes o nosso relacionamento, o intercâmbio actual entre Angola e Portugal, nos vários e decisivos sectores de actividade em que se processa, é a melhor prova de que são profundos os laços que nos ligam e que, felizmente, sobreviveram a todas as contingências da História.
O mais importante desses laços é, certamente, a língua portuguesa, a língua a que todos chamamos de Camões e na qual nos entendemos desde há séculos. Já António de Oliveira Cadornega, capitão e comerciante que no século XVII andou por estas terras e aqui viveu por largo tempo, transcrevia, com orgulho, na sua História Geral das Guerras Angolanas, uma carta que lhe foi dirigida, em português, pela célebre rainha Jinga.
O português tornou possível o contacto entre gentes dos quatro cantos do mundo. Tanto em África como nas Américas, na Índia como no Extremo Oriente, era em português que se tratava de negócios e que circulava toda a informação sobre rotas marítimas e paragens distantes, permitindo que os povos dos diversos continentes tivessem conhecimento do que se passava nas restantes partes do globo.
O português foi, além disso, o elemento no interior do qual se desenvolveu um saber totalmente novo, fundado na experiência e na diversidade de perspectivas, um saber que haveria de revolucionar a ciência e unir o planeta numa antecipação da aldeia global dos nossos tempos.
Não seria possível, contudo, uma língua veicular realidades tão distintas, ser o instrumento de comunicação entre mundos tão diferentes, se ela não se fosse abrindo progressivamente à influência das línguas daqueles povos com quem os portugueses se encontraram, incorporando novas palavras, novas expressões, novos modos de dizer. Desde muito cedo, os relatos de viagens que chegaram até nós vêm cheios de vocábulos até aí desconhecidos no português europeu, muitos deles directamente importados de falares africanos, como, por exemplo, o quimbundo.
Se o português se tornou, de facto, uma língua global, foi por ter demonstrado a plasticidade necessária para assimilar a diferença, sem no entanto perder a sua unidade essencial, garantindo, assim, a comunicação entre gentes que a falavam e continuam a falar com as mais diversas pronúncias e tonalidades.
Essa unidade na diversidade, que a língua portuguesa soube preservar, está hoje bem visível na consolidação das diferentes literaturas lusófonas: em cada uma delas, é uma história, uma cultura e uma sensibilidade particular que se exprime; mas todas elas se expressam em português, e todas elas estão acessíveis a quem conheça a nossa língua.
A língua de Camões é também a língua de Luandino Vieira, de Pepetela, de Guimarães Rosa, de José Craveirinha e de tantos outros que a têm enriquecido com a qualidade e originalidade das suas obras.
O português é, sem dúvida, uma herança que os antepassados nos legaram, um património comum, hoje em dia partilhado por oito Estados soberanos. Não é, evidentemente, um património material. Todos sabemos, porém, a importância de que se revestem os valores imateriais para a afirmação da identidade, da coesão e da influência dos espaços geoestratégicos, num mundo cada vez mais globalizado.
Tanto ou mais do que as fronteiras geográficas, os espaços linguísticos constituem áreas de afinidade entre os povos e podem contribuir decisivamente para a aproximação de interesses entre os Estados. Seria, por isso, um voltar de costas à realidade e um enorme erro político olhar para o património, que é, para todos nós, a língua portuguesa, como se ele representasse uma questão meramente simbólica.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Com 250 milhões de falantes, o português é hoje a quinta língua mais falada em todo o mundo. Possui o estatuto de língua oficial em instituições internacionais de relevo, como a União Europeia, a União Africana ou o Mercosul. Goza ainda de enorme prestígio em muitas regiões, tanto de África como da Ásia, onde existem línguas crioulas de base portuguesa.
Dezenas de comunidades de emigrantes de origem lusófona, dispersas pelos cinco continentes, falam o português e querem que os seus filhos o aprendam e conservem, pelo menos como segunda língua.
A toda esta massa humana, soma-se o número, que não cessa de crescer, dos muitos milhares que procuram o português, seja por razões de interesse cultural e de vizinhança, seja, também, e cada vez mais, porque reconhecem que ele lhes abre portas em nações cujo peso político e económico é cada vez maior, como é o caso de Angola, do Brasil, ou de Moçambique.
Perante esta realidade, perante este universo que se avoluma e adquire uma importância acrescida no contexto internacional do século XXI, só há uma conclusão a tirar: não podemos desperdiçar por mais tempo as enormes potencialidades que o facto de partilharmos a mesma língua coloca ao nosso alcance.
Alguma coisa já se avançou, é certo. A criação da CPLP, assim como os objectivos traçados e os compromissos assumidos nas diversas reuniões entretanto realizadas, demonstram, pelo menos, que estamos solidários neste projecto e dispostos a honrar as responsabilidades que nos cabem. Nesse sentido, reveste-se de particular interesse o Plano de Acção aprovado na Conferência de Brasília e que os Chefes de Estado e de Governo serão chamados a adoptar, aqui em Luanda, na Cimeira da CPLP.
A revitalização do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, consignada nas suas disposições, representa uma tarefa da maior importância e da maior urgência, que não pode ficar paralisada como simples aspiração.
Mas se queremos que o português obtenha a projecção e o reconhecimento internacionais a que tem direito, a primeira tarefa que se nos impõe é reforçar o seu ensino como língua materna, como segunda língua, ou, ainda, como língua estrangeira.
Todos sabemos que a situação linguística é diferente entre os vários Estados da CPLP, e que, se em alguns deles o português é língua materna para a esmagadora maioria da população, noutros, ele é apenas a segunda língua, embora possua o estatuto de língua oficial. Porém, independentemente do caso, a aprendizagem de uma língua como o português significa sempre, entre outras coisas, ter acesso a níveis de formação, que permitem aspirar a um trabalho mais qualificado.
O papel decisivo do ensino do português na promoção da mobilidade social e no combate às desigualdades é um dado incontroverso, a que, porventura, nem sempre atribuímos, no passado, o devido relevo.
Importa, além disso, continuar a investir no ensino do português como língua estrangeira, respondendo ao interesse crescente que ele suscita em todo o mundo, entre estudantes e profissionais dos mais diversos sectores.
Por esse motivo, a carência de recursos humanos que nos permitam responder devidamente às necessidades que estas tarefas comportam é uma questão que requer um esforço conjunto e solidário, no quadro da CPLP.
A projecção do português e o reconhecimento do seu papel no mundo contemporâneo é uma tarefa em que nos devemos empenhar conjuntamente. É do interesse de todos e de cada um dos nossos países que continuemos, se possível com maior dinamismo, o trabalho até aqui já realizado com vista à afirmação internacional da língua portuguesa, em particular no quadro das Nações Unidas, onde ela justifica de há muito o estatuto de língua oficial.
Estou certo de que saberemos enfrentar esse desafio. Estou certo de que, juntos, saberemos preservar esse património que a história nos legou e fazer dele, no futuro, um instrumento de desenvolvimento dos nossos povos.
Termino com uma palavra de apreço e de reconhecimento pelo contributo que a acção da Universidade Agostinho Neto tem constituído para a afirmação deste património comum, a Angola e Portugal, a Língua Portuguesa, na certeza de que assim continuará a ser no futuro.
Muito obrigado.