Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço,
Senhor Chefe de Estado-Maior do Exército,
Senhoras e Senhores,
Sobral de Monte Agraço tem um lugar fundamental na comemoração dos duzentos anos das Linhas de Torres.
Consideradas um dos mais eficientes sistemas de fortificação da história, foram edificadas com o trabalho de milhares de portugueses.
Estamos bem perto do Forte do Alqueidão, o maior de todos os fortes erigidos para contrariar a caminhada do invasor e verdadeiro posto de comando.
A sua posição privilegiada permitia dominar todo o campo de batalha entre o rio Tejo e o mar.
Em 4 de Novembro de 1809 começou a construção do Forte. Menos de um ano depois, o invasor, para sua grande surpresa, defrontou-se com esta barreira impenetrável.
E foi aqui, em Sobral de Monte Agraço, que nos dias 12 e 14 de Outubro de 1810 se registaram os confrontos mais violentos. Depois, o exército francês viu-se forçado a retirar.
Este foi o último reduto. Daqui não passaram as forças do invasor.
Após a retirada nunca mais os exércitos franceses voltariam a entrar em território português.
Foi o fim de uma Europa dominada pela força e o início de uma Europa fundada na vontade.
Parecia impossível.
Impossível porque contrário à lei do mundo de então, a lei da submissão ao mais forte, a lei imposta pelo exército mais poderoso do mundo, que todos sujeitara.
Mas aqueles portugueses não sabiam o que era impossível e fizeram-no.
O General Thiébault, do exército francês, deixou nas suas memórias um retrato dos sentimentos do invasor. A conquista frustrada de Portugal foi, na sua opinião, a causa de todos os desastres de Napoleão e, se não tivessem entrado em Portugal, teriam evitado:
“... a humilhação que tivemos de sofrer quando os nossos generais mais célebres fracassaram contra camponeses e contra Wellington”
Camponeses contra generais!
É certo que foram os exércitos aliados que compeliram o invasor à retirada. Mas a insurreição geral do povo comum foi decisiva.
O historiador francês François Guizot bem vincou a importância do levantamento dos portugueses. Contra o Marechal Junot “o povo inteiro estava revoltado”. Contra o Marechal Soult opôs-se a “sublevação apaixonada da população portuguesa”.
Os portugueses deram assim prova de coragem na acção. Por que razão o fizeram?
Fizeram-no porque era a sua terra que estava a ser tomada.
Fizeram-no porque rejeitaram ficar expatriados na sua Pátria.
Fizeram-no porque, em nome de uma maneira de ser e de estar, se recusaram a submeter-se.
Fizeram-no porque queriam viver de acordo com aquilo que eram e que tinham.
E, assim, a vitória, que parecera impossível, tornou-se inevitável. Num folheto que tinha sido publicado na cidade de Lisboa em 1809, com o título “Receita contra a doença moral chamada susto que eles voltem”, já se prometia a vitória final com base num argumento decisivo que o Imperador Napoleão, e outros povos menos dispostos a lutar pela sua liberdade, não tinham ainda compreendido: a França não dispunha de homens suficientes para uma luta em que se tratava “não só de aniquilar exércitos, mas de combater povos”.
Ora, em Portugal combateu um povo que quis continuar a ser livre.
Por isso são importantes momentos como este, momentos em que contamos a nós próprios estórias acerca daquilo que somos e daquilo que conseguimos fazer. Essa é a nossa herança mais valiosa, porque encerra em si memórias e valores que nos distinguem e nos unem.
Aqueles portugueses fizeram o impossível apesar dos sofrimentos e dos sacrifícios a que foram submetidos.
A todos causou espanto a capacidade dos portugueses para suportar as consequências da estratégia adoptada.
O General Wellington foi bem claro, em Agosto de 1810 na sua Proclamação ao Povo de Portugal: “Os portugueses vêem agora que não têm outro remédio para o mal que os ameaça senão a determinação para a resistência. Resistência e determinação para tornar o avanço do inimigo o mais difícil possível, tirando-lhe do caminho tudo o que é valioso ou que possa contribuir para a sua subsistência ou para frustrar o seu progresso”.
Aqui, em Sobral de Monte Agraço, celebramos, invocando o seu exemplo, a capacidade de resistência e a capacidade de sofrimento dos portugueses.
Os esforços e os sacrifícios que fizeram asseguraram a nossa liberdade. Mas também se fundavam na esperança de uma vida melhor.
Aqueles que pegaram em armas, aqueles que resistiram acreditaram no futuro enquanto possibilidade, como ultrapassagem das limitações do presente. Tiveram a esperança de que fossem os portugueses a tomar por si as decisões que marcariam o seu destino.
Também hoje, como sempre, se espera que sejamos nós próprios a tomar as decisões que se impõem.
Diz-se que suportamos mal as contrariedades, sobretudo quando exigem esforço.
Importa que, para além da coragem episódica e da urgência, para além da coragem como virtude ocasional, como impulso, tenhamos também a coragem da constância, a capacidade de manter firme e duradouramente uma posição que seja indispensável à construção de um futuro melhor.
Estou certo de que seremos dignos daqueles portugueses que, no passado, nos legaram exemplos de coragem cívica, como aconteceu aqui em Sobral de Monte Agraço.
Obrigado.