Senhor Governador e Chanceler da Universidade de Goa,
Distintas Autoridades,
Distintos Professores e Convidados,
É com grande prazer que estou aqui, na Universidade de Goa.
É com a maior honra que recebo, da vossa escola, este doutoramento Honoris Causa. Sei que é a primeira vez que a Universidade de Goa concede este grau e é altamente significativo para mim que esta cerimónia decorra na “Kala Academy”, concebida por um arquitecto de renome mundial de origem Portuguesa/Goesa, Charles Correa.
A Índia ergue-se hoje como um dos símbolos do novo mundo integrado e um dos países onde o crescimento tem sido mais impressionante nas últimas duas décadas e meia. Estando na Índia, e dado que sou também professor de economia, pensei que seria interessante expressar as minhas ideias sobre um dos principais temas económicos do início do século XXI: a globalização.
Uma única palavra que simboliza, para o bem e para o mal, o ambiente económico que actualmente molda as nossas vidas e que, certamente, definirá o nosso futuro.
Podemos pensar na viagem original de Vasco da Gama, de Portugal à Índia, em 1498, como a alvorada da globalização. Essa viagem provou que os Oceanos Índico e Atlântico estavam ligados. Foi aberta uma nova via comercial entre o Este e o Oeste. Este facto contribuiu, grandemente, para a percepção de que o globo é uma entidade una e unificada: uma ideia que é ainda a base das noções actuais sobre globalização.
Estou menos interessado numa definição precisa da palavra “globalização” do que em reflectir sobre como é que um mundo mais integrado pode criar um lugar melhor e mais equitativo onde viver.
Amartya Sen escreveu, no seu último livro, Liberdade e Desenvolvimento, que “o verdadeiro debate associado à globalização é, em última análise, não acerca da eficiência dos mercados, nem acerca da importância da tecnologia moderna. O debate é antes sobre a desigualdade de poder."
Partilho das suas preocupações.
Na medida em que a globalização tem contribuído para uma melhor afectação de recursos à escala global, tem sido certamente uma força positiva. Contudo, se ao mesmo tempo conduzir os já poderosos a uma posição de poder ainda superior, então é uma força que necessita de ser domada.
Esta tornou-se uma matéria de preocupação com o advento da última vaga da globalização – normalmente situada em torno das últimas duas décadas do século XX. Esta vaga é caracterizada pela emergência das tecnologias de informação na economia, mas sobretudo pela participação crescente dos países em desenvolvimento nos fluxos comerciais a nível global.
Estes dois eventos estão a mudar a face do globo. Temos, agora, níveis sem precedentes de mobilidade em termos de capitais e bens. A internet e a televisão global têm contribuído para uma imensa proliferação de informação e ideias. E a mobilidade das pessoas está a tornar-se também um dado de relevância crescente no mundo actual.
Como nota Jagdish Bhagwati, no seu recente livro, “Em Defesa da Globalização”: “há muito tido como um assunto de abordagem muito prudente dado que o direito de excluir tem sido, tradicionalmente, considerado como o aspecto definidor essencial da soberania nacional, [a migração] assumiu agora uma dimensão e legitimidade que a coloca lado-a-lado com os fenómenos internacionais mais convencionais …”.
Todos estes tipos de mobilidade têm encontrado tradução nas tendências tecnológicas, políticas, culturais e comerciais. Em termos genéricos, as barreiras ao comércio e às transferências de tecnologia têm vindo a decrescer e o acesso ao saber e ao conhecimento está a tornar-se mais fácil e rápido.
Isto significa que, no mundo actual, as melhores práticas podem ser disseminadas de forma muito rápida pelo globo.
A Universidade de Goa, por exemplo, tem acesso não apenas à investigação e ao conhecimento que produz, mas pode também incorporar facilmente saber gerado noutras Universidades. Não é surpresa que estejamos a ver muitas novas Universidades de excelência a surgir pelo mundo fora.
Muitas doenças são estudadas em Universidades de topo e institutos de investigação e os tratamentos existentes estão potencialmente disponíveis para todos. A generalização da medicina preventiva contribuiu largamente para a melhoria dos padrões de vida em muitos países. A mortalidade infantil tem vindo a cair em quase toda a parte à medida que os cuidados pré-natais se vão generalizando.
Apesar de todos os problemas que ainda temos no mundo, seria errado ignorar os benefícios que a globalização trouxe às condições de saúde da maioria dos seres humanos.
Os nossos concidadãos desfrutam também de um acesso a produtos e eventos culturais sem precedentes na história do mundo. E este acesso ao saber e a novas culturas vem a par com o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos.
Estes exemplos mostram o poder da globalização como uma realidade e uma força no mundo de hoje. Mas uma força com tamanha presença está condenada a produzir, simultaneamente, boas e más consequências.
Entre as consequências positivas mais óbvias da globalização, encontra-se no topo a melhor determinação dos preços, com a correspondente afectação de recursos a um nível global.
O rendimento per capita no conjunto dos países em desenvolvimento aumentou a uma taxa média anual de 2,1 por cento entre 1980 e 2005, e de acordo com o Banco Mundial, no seu último relatório sobre as “Perspectivas Económicas Globais”, deverá crescer a um ritmo ainda mais elevado – 3,1 por cento – até 2030.
Da mesma forma, alguns economistas do desenvolvimento já demonstraram, acima de qualquer controvérsia, que uma elevada percentagem da população mundial abandonou a situação de pobreza em que se encontrava, apesar do elevado crescimento populacional entretanto ocorrido.
Até agora, este resultado decorreu essencialmente do sucesso económico da Índia e da China. Contudo, o Banco Mundial espera que até 2030, e graças à globalização, o número de pessoas que vive em pobreza extrema venha a diminuir em metade, de 1,1 mil milhões hoje para 550 mil.
Recentemente, temos assistido a níveis extraordinários de crescimento económico no mundo. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a economia mundial tenha crescido a uma taxa anual de 4 por cento na última década. O que impressiona mais é que este crescimento tem sido sustentado, em larga medida, pelos países em desenvolvimento.
O Banco Mundial espera que nos próximos 25 anos, o produto global continue a crescer a um ritmo elevado, ainda impulsionado pelos países em desenvolvimento. A percentagem do produto global com origem nestes países deverá crescer, assim, dos 20% actuais para cerca de 33% em 2030.
Por isso, em termos agregados, é seguro afirmar que os países em desenvolvimento que abraçaram o processo de globalização têm beneficiado largamente deste processo, e deverão continuar a beneficiar dele.
Claro que, com isto, não estamos a ignorar o facto de que muitos podem ter visto o seu nível de vida decrescer devido a este processo. O aumento do rendimento per capita em muitos países não é uma garantia, em si mesmo, de que todos tenham beneficiado da globalização.
O ponto, contudo, é que se o produto global está a aumentar, então devemos ser capazes de desenvolver políticas, quer a nível nacional quer internacional, que distribuam de forma justa e adequada os benefícios da integração económica.
É interessante notar que, hoje em dia, vemos muitos países no mundo menos desenvolvido a reclamar por uma maior abertura dos mercados. Nalguns casos, isto constitui uma mudança tremenda na posição dos seus líderes relativamente à política comercial e aos benefícios da globalização. Considero que isto é parte de um ciclo virtuoso que deverá persistir à medida que aumentar a procura de educação e bens de maior qualidade, e que ficarem mais claras para todos as vantagens decorrentes de um clima de investimento estável e de uma participação activa no mercado global.
Até agora, falei-vos do lado bom da globalização. Reconheço, contudo, que, em muitas sociedades, a globalização tem gerado algumas questões que precisam de ser avaliadas de maneira adequada pelos líderes políticos.
Se estes assuntos não forem abordados de forma correcta, arriscamo-nos a que aumente a agitação social e que se verifique um recuo no processo de globalização, materializado em políticas mais proteccionistas. Seria lamentável se os elevados níveis actuais de comércio internacional fossem substituídos por abordagens mais isolacionalistas ao desenvolvimento e ao crescimento económico.
Permitam-me que partilhe convosco as minhas percepções sobre alguns dos desafios que a globalização enfrenta e nos coloca hoje.
Começarei com a extraordinária rapidez das mudanças e as necessidades de ajustamento que isso gera.
Em muitas regiões do mundo, a vida económica desenvolve-se em torno de um número limitado de empresas ou actividades, que servem de âncora aos postos de emprego e à criação de riqueza. Se estas actividades fossem deslocalizadas, o que sucederia à vida económica dessas regiões?
Além disso, à medida que o mercado de trabalho se torna mais integrado, verifica-se uma pressão negativa sobre alguns salários e uma diminuição da segurança do emprego.
Os Governos nacionais podem ter um papel importante neste domínio. Os Governos devem adoptar políticas que protejam os trabalhadores e promovam a mobilidade, investindo mais na qualificação dos recursos humanos. Ao mesmo tempo, será importante promover uma integração económica ainda maior, de forma a tirar partido das oportunidades que o rápido desenvolvimento de alguns mercados trará.
Um segundo desafio é a instabilidade económica e financeira. À medida que a economia global fica mais integrada, as recessões e a instabilidade financeira poderão tornar-se eventos à escala mundial.
Nos últimos anos, a economia global tem mostrado uma resiliência notável a eventos particularmente dramáticos, a preocupações geo estratégicas ou mesmo a fortes variações no preço de matérias primas e bens essenciais. Contudo, isto não é uma garantia de resistência a futuros choques globais.
De uma forma pragmática, precisamos de saber apenas se temos as instituições apropriadas para lidar com estes problemas, caso eles se venham a manifestar.
É também justa a crítica de que o processo de globalização veio limitar o controlo dos governos nacionais sobre as condições económicas enfrentadas pelos seus cidadãos.
Esta situação deverá motivar os países a encontrar mecanismos e instituições que lidem com as necessidades de coordenação da política económica. Pessoalmente, tenho experiência dos mecanismos de coordenação política no âmbito da União Europeia, e é, com certeza, um exercício que se demonstrou benéfico para os cidadãos dos seus Estados-membros.
Outro desafio que a globalização nos coloca é o risco de uma maior desigualdade na distribuição de rendimentos a nível mundial, à medida que uns poucos captam os benefícios da globalização, enquanto os países com um menor nível de capital humano podem ficar para trás.
As políticas económicas devem incorporar os pobres no processo de crescimento, através de medidas que melhorem a educação, a saúde e as infraestruturas. A nível internacional, os países devem mobilizar-se no sentido de aumentar o valor e a eficácia dos apoios ao desenvolvimento.
Em particular, parece-me extremamente importante que seja feito um forte investimento na educação das mulheres. Neste contexto, a atribuição do Prémio Nobel da Paz em 2006 a Muhammad Yunus, pelo seu papel no desenvolvimento e na promoção do micro-crédito, é um tributo à importância das políticas microeconómicas concebidas para ajudar os mais pobres, especialmente as mulheres.
Alguns dos desafios que a globalização nos coloca são mais do que meramente económicos, em sentido estrito.
No topo destes desafios posso referir as questões ambientais. À medida que aumenta a evidência científica sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, os líderes políticos e económicos serão forçados a criar mecanismos que tratem globalmente estes problemas.
A este respeito, creio que o principal desafio actual é o fortalecimento dos acordos e das instituições internacionais.
Contudo, estes problemas deverão ser enfrentados também a nível nacional. Os Governos que limitam a avaliação das suas políticas em função, exclusivamente, do crescimento económico, esquecendo o seu impacto no ambiente, podem estar a minar o crescimento de longo prazo e a sujeitar os seus cidadãos a custos e perigos futuros.
Outra questão tem a ver com o aumento das pressões demográficas a nível mundial. A força de trabalho continuará a aumentar a um ritmo acelerado. De acordo com o Banco Mundial, deverá crescer de 3 mil milhões actualmente para 4,1 mil milhões em 2030.
O aumento na força de trabalho é uma oportunidade de crescimento em alguns países. Contudo, em termos globais, estes fenómenos demográficos criarão pressões importantes nos mercados laborais e nos modelos sociais, quer nos países em desenvolvimento quer nos países desenvolvidos.
Assim sendo, a capacidade das sociedades de lidar com a diversidade étnica e cultural torna-se um assunto primordial.
A Índia é um exemplo notável da forma aberta como se pode lidar com esta diversidade. Além disso, com a sua população jovem, que deverá constituir uma referência para o processo de desenvolvimento da Índia nos próximos anos, o vosso país está particularmente bem colocado para dar grandes contribuições ao mundo.
Na minha perspectiva, a globalização é o caminho do futuro e, apesar das questões que levanta, as oportunidades que residem na integração adicional dos mercados e das economias são enormes e entusiasmantes.
Por esta razão, acredito que é importante procurar sempre melhores formas de coordenação entre os países e relembrar, constantemente, as nossas empresas e cidadãos sobre os desafios competitivos que a globalização traz às nossas sociedades.
Aliás, tive a oportunidade de patrocinar em Portugal a criação do Conselho para a Globalização com o objectivo de atrair o interesse de grandes empresas globais para Portugal e de estabelecer um fórum onde as suas perspectivas possam ser partilhadas com empresas portuguesas e com a sociedade em geral.
No essencial, acredito que os benefícios da globalização excedem largamente os seus riscos e custos. Estou confiante que a globalização ajudará as nossas crianças a crescer num mundo melhor do que aquele que recebemos.
Gostaria de concluir com algumas notas pessoais.
Como português, acredito que a criação de um mundo verdadeiramente integrado é um desafio estimulante para todos nós.
A Europa, em particular, tem uma responsabilidade especial de acomodar as necessidades de desenvolvimento de um número crescente de países interessados em participar na economia global.
A Índia é hoje observada e estudada como um país inspirador sob várias dimensões. Milhões de pessoas estão a ser resgatadas à situação de pobreza e os profissionais, empresas e universidades indianos, são respeitados internacionalmente.
A Índia é uma democracia funcional, com uma forte diversidade étnica e religiosa. A Índia prova que o desenvolvimento e a liberdade individual podem ser prosseguidos e praticados simultaneamente.
Portugal é um amigo da Índia e desejamos dar prova dessa amizade. Portugal é uma porta natural de entrada para a Índia na União Europeia. Em Portugal reside uma larga comunidade de origem indiana, muitos vindos de Goa. Estão bem integrados na nossa sociedade e são bem sucedidos.
São certamente muito bem-vindos no nosso país e é com grande expectativa que desejo ver as empresas indianas e portuguesas a praticarem a globalização de forma correcta, com benefício e respeito mútuos.
Goa, com a sua diversidade e herança portuguesa, é um exemplo de como pessoas diferentes podem unir-se para construir grandes feitos.
O simbolismo associado à atribuição e recepção deste grau honorário mostra que os nossos países e as nossas terras são, de facto, lugares fraternos destinados à troca de ideias, pontos de vista e experiências de vida.
Obrigado, Senhor Governador e Chanceler da Universidade de Goa por me conceder esta oportunidade de testemunhar a amizade e a proximidade entre os nossos dois países e povos.