Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Professores Daniel Serrão, Jorge Biscaia, Walter Osswald e Luis Archer,
Senhoras e Senhores,
No reconhecimento dos muitos e distintos méritos das personalidades hoje homenageadas, destaca-se, antes de mais, o seu pioneirismo. Ser pioneiro é ir à frente, abrir caminhos, rasgar horizontes.
E ser pioneiro da Bioética em Portugal significa promover uma cultura científica no espírito da democratização da ciência, a par de uma reflexão acerca dos valores que devem orientar o progresso científico-tecnológico, em prol do bem da humanidade.
Enquanto ética aplicada à vida, a Bioética pressupõe a articulação entre o conhecimento científico e a ponderação ética.
Hoje, como ontem, a Bioética mantém-se fiel ao seu desígnio originário, afirmando que é apenas na intersecção entre a ciência e a ética que o conhecimento progride e que o ser humano se dignifica. Desenganem-se, pois, aqueles que recearam que o surgimento da ética aplicada à vida representasse um entrave ao progresso científico.
Os homens de ciência que hoje aqui homenageamos, numa postura exemplar de humildade intelectual e de espírito humanista, reconheceram a necessidade da reflexão ética como factor não apenas de progresso do saber mas de desenvolvimento humano.
A Bioética confirma-se cada vez mais como um factor de desenvolvimento, ao acompanhar o progresso biotecnológico, ao ponderar as suas implicações sociais e humanas e ao garantir que os novos saberes e os novos poderes contribuam para a melhoria das condições de vida do Homem.
Só assim se justifica que a bioética se tenha estendido aos diferentes domínios da vida – nos planos biomédico, animal e ambiental – e que se tenha expandido a todos os continentes, tornando-se global.
O trabalho da bioética, cada vez mais exigente, conta hoje em Portugal com um relevante corpo de académicos e profissionais, com instituições prestigiadas, com cursos de especialização e linhas de investigação nacionais e internacionais, com inúmeras publicações.
Tudo o que foi e vem sendo realizado teve o seu início e recebeu impulso por intervenção directa das personalidades a que hoje prestamos a nossa homenagem, e que bem merecem a designação de “pioneiros”: Daniel Serrão, Jorge Biscaia, Walter Osswald que agraciamos com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada e Luís Archer, já anteriormente agraciado.
Daniel Serrão, no decurso da sua actividade docente, como Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto, desempenhou funções relevantes de âmbito nacional no domínio da saúde e da investigação aplicada à saúde, como a presidência do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia, a presidência da Comissão de Fomento da Investigação em Cuidados de Saúde, do Conselho de Reflexão sobre a Saúde, a vice-presidência do Conselho Nacional de Oncologia.
Foi neste contexto de profundo envolvimento em questões relativas às ciências médicas que veio a introduzir o estudo da Bioética na Universidade do Porto, e a assumir numerosas e prestigiadas funções em diversos organismos mundiais dedicados à ética das ciências da vida. Em Portugal, destaca-se a sua marcante presença em todos os mandatos do Conselho Nacional de Ética.
Jorge Biscaia, enquanto médico pediatra, exerceu ao longo da sua vida profissional uma acção preponderante no cuidado dos mais pequenos, tendo sido precursor da atenção devida aos problemas de relação mãe-filho, a detectar e tratar desde o período da gravidez.
Neste âmbito, foi Director dos Serviços de Neonatologia da Maternidade Bissaya Barreto, onde fundou e desenvolveu a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, tendo também criado a Unidade de Intervenção Precoce da Relação Mãe-Filho.
Mobilizou destacadas personalidades portuguesas, em diversos domínios académicos, científicos e profissionais, para a criação da primeira instituição portuguesa dedicada à Bioética.
Walter Osswald desenvolveu a sua actividade científico-profissional sobretudo no domínio da Farmacologia, tendo sido Director do Instituto de Farmacologia e Terapêutica da Faculdade de Medicina do Porto, a mais importante e internacionalmente prestigiada escola de investigação em Farmacologia em Portugal, e assumindo também a presidência da Sociedade Portuguesa de Farmacologia.
O seu interesse e o seu empenho pelo domínio da Bioética, a que viria a dedicar-se em exclusividade, eram já manifestos quando presidiu à Comissão Nacional para a Humanização e Qualidade dos Serviços de Saúde ou à Comissão da União Europeia para a Protecção do Embrião e do Feto.
Mais tarde, criou o Gabinete de Investigação em Bioética. Hoje, testemunhando a sua actividade neste domínio, está à frente da Cátedra UNESCO de Bioética, que, com os seus colaboradores, trouxe recentemente para Portugal.
Luís Archer, que associamos às personalidades hoje agraciadas, sendo biólogo e filósofo por formação, destacou-se sobretudo no domínio da Genética. Professor Catedrático, criou e dirigiu o Laboratório de Genética Molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência e coordenou o Centro de Investigação de Genética Molecular Humana, tendo promovido a investigação em genética molecular em Portugal.
Foi a partir deste âmbito de actividade que enveredou pelo domínio da bioética, tornando-se um participante activo nos muitos fóruns internacionais em que representou Portugal, como o Conselho da Europa e a Fundação Europeia da Ciência.
Integrou o grupo de intelectuais que esteve na base da constituição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a que mais tarde veio a presidir.
Estas quatro personalidades tiveram o mérito de não só introduzirem a bioética em Portugal, mas também de a desenvolverem, de estruturarem institucionalmente o seu futuro, e de a difundirem na sociedade, para além do círculo restrito dos especialistas.
Graças a estas quatro personalidades, a Bioética é hoje um referencial comum de debate na sociedade portuguesa, que passou a interpelar e a envolver todos os cidadãos. A Bioética converteu-se numa ética cívica, numa consciência da nossa pertença à Comunidade e ao Mundo e da interdependência da vida.
Aos homenageados, dirijo um muito obrigado pelo vosso pioneirismo, pela vossa dedicação e pelo vosso magnífico exemplo de cidadania.