Mensagem do Presidente da República ao VII Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados
O Presidente da República enviou uma mensagem ao VII Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados, que se realizou na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
É o seguinte o teor da mensagem:
Uma reflexão sobre o fenómeno dos refugiados, das “pessoas” refugiadas e deslocadas, remete-nos necessariamente para o âmago da condição humana.
No século XX, fruto dos conflitos mundiais e regionais conhecidos, a comunidade internacional assumiu uma nova consciência do drama dos refugiados; e fê-lo ao nível mais sublime da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O acolhimento pelo direito internacional do estatuto dos refugiados e a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados traduzem um enorme desenvolvimento face à anterior dimensão, sobretudo religiosa, de ajuda e protecção aos seres humanos impossibilitados de permanecerem no seu território ou de a este regressarem.
O século XX conferiu ao drama dos refugiados a dignidade e a relevância jurídica obrigacional, no que constituiu uma aquisição civilizacional indelével. E, contudo, tal aquisição civilizacional, no mérito absoluto que encerra, reflecte as realidades brutais da intolerância política, étnica, religiosa ou social, dos conflitos armados e da violação dos direitos humanos; sempre situações em que a mera força teima em persistir sobre a legitimidade moral e jurídica, que a Humanidade não foi ainda capaz de debelar.
As causas para o refúgio permanecem, pois, no século XXI; e compelem a Humanidade a novos desafios na ajuda aos refugiados, mesmo aqueles que o são no seu próprio país. Haverá, hoje, no mundo, considerando o “universo de preocupação” do Alto Comissariado, cerca de vinte milhões de refugiados.
Qualquer refugiado é alguém que se viu forçado a tudo abandonar; e, ainda assim, com o desejo comum de, quanto antes, regressar – e o regresso sustentável constitui precisamente um dos desafios actuais com que o refúgio nos confronta. As sociedades e os seus governos não podem fechar os olhos à realidade dos refugiados e devem-lhe, ética e juridicamente, uma resposta, e uma resposta que seja realmente efectiva.
Portugal tem hoje uma prática positiva em matéria de refugiados, embora não seja dos países europeus mais solicitados para a concessão de asilo. Não tem recusado a solidariedade pedida pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, hoje o Engenheiro António Guterres, no que é uma evidente dignidade para Portugal, que merece o realce do Presidente da República.
A ordem jurídica portuguesa acolhe a Convenção de Genebra e a Constituição de 1976 consagrou o direito de asilo e previu o estatuto do refugiado político na sede nobre dos direitos, liberdades e garantias pessoais. O nosso regime legal é equilibrado e generoso.
Acompanhamos, de perto, a natural mutação do próprio conceito de refugiado e as intervenções da União Europeia em matéria de asilo, nomeadamente nas condições e procedimentos de concessão e retirada do estatuto de refugiado, na protecção temporária, na reinstalação e nas condições de acolhimento, incluindo as materiais.
Ainda assim, nenhum sistema legal de apoio e protecção aos refugiados será eficaz, por mais apurado que seja, se na sociedade de acolhimento não existirem e nela não se desenvolverem a cultura e o sentimento de responsabilidade universal e de tolerância.
Um dos traços da identidade portuguesa, também forjada numa história impar de contacto de culturas e de diálogo entre civilizações, assenta precisamente naquelas responsabilidade e tolerância.
Mas, porque as tradições culturais a preservar nas sociedades têm de ser constante e conscientemente vividas, é do maior mérito a acção do Conselho Português para os Refugiados, também na realização bienal, desde 1994, de um congresso internacional sobre os refugiados, em colaboração com o Alto Comissariado das Nações Unidas.
O tema escolhido para o Congresso de 2006, “Refugiados: Novos desafios para o século XXI”, é particularmente incisivo. E será muito importante que as suas conclusões perpassem, o mais possível, pela sociedade portuguesa, numa tarefa de comunicação que exorto os órgãos de comunicação social a não perderem a oportunidade de protagonizarem.
Termino com uma palavra de estímulo e de agradecimento a todos quantos dão vida ao Conselho Português para os Refugiados, a quem felicito também pelo excelente Centro de Acolhimento recentemente inaugurado, e a todos quantos, neste Congresso ou em momentos mais dramáticos, se empenham e comprometem na causa dos seres humanos refugiados.
Aníbal Cavaco Silva
29.11.2006