Senhor Presidente da Assembleia da República
Excelência,
Tendo recebido, para ser promulgado como lei, o Decreto nº 280/X da Assembleia da República, que aprova a Lei do pluralismo e da não concentração dos meios de comunicação social, decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os fundamentos seguintes:
1- Na mensagem que enviei à Assembleia da República relativa à não promulgação do Decreto nº 265/X referi-me à importância da liberdade de imprensa, bem como da liberdade de expressão e de informação, consagradas no artigo 37º da Constituição, enquanto valores fundamentais do Estado de direito democrático. Mencionei ainda o papel atribuído ao Estado de assegurar a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social e de impedir a sua concentração, nos termos do nº 4 do artigo 38º da Constituição. Não questionei, assim, “a aprovação de medidas tendentes a garantir o pluralismo dos meios de comunicação social e a impedir que a sua concentração possa, no limite, representar uma ameaça para as liberdades de imprensa e de informação”.
2- No entanto, tendo-me sido enviado novamente pela Assembleia da República um decreto referente a esta matéria, na sequência da reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 265/X, constata-se que quer a substância do diploma quer as condições políticas de aprovação do mesmo se mantêm, no essencial, inalteradas.
3- Tive ocasião de sublinhar a importância que atribuo a uma prática política e legislativa que procure amplos consensos parlamentares nas matérias que dizem respeito à liberdade de informação. O tratamento constitucional desta matéria, expresso, designadamente, na exigência de maiorias qualificadas em diplomas como a lei respeitante à entidade de regulação da comunicação social, é bem demonstrativo da especificidade do tema.
4- Uma tal prática política e legislativa encontra justificação na consciência de que ao legislar-se sobre a regulação da comunicação social se está, em larga medida, a definir as “regras do jogo”. Ora, é da natureza fundadora das democracias plurais o estabelecimento de compromissos na definição das regras que assegurem o seu funcionamento, como é o caso da liberdade de informação e da regulação da comunicação social. Aliás, no debate parlamentar na generalidade sobre a Proposta de Lei que criaria a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) várias vezes foi sublinhada a importância de um amplo consenso interpartidário em matéria de regulação da comunicação social . Foi por este motivo que , na mensagem enviada à Assembleia da República em 2 de Março de 2009, entendi que se justificava um “esforço adicional” com vista à obtenção de um “consenso interpartidário e plural”. Tal , mais uma vez , não se verificou, apesar de nos encontrarmos a escassos meses do fim da presente legislatura, o que aconselha uma atenção especial relativamente a matérias de particular relevância para a qualidade da nossa democracia plural e para a salvaguarda do Estado de direito.
5- Constata-se ainda que, embora tenham sido aprovadas alterações, umas de forma, outras de pormenor, se mantêm os fundamentos que justificaram as reservas em relação a algumas normas do Decreto nº 265/X.
6- A mera substituição da expressão “instrumentos de aferição reconhecidos no meio” pela frase “instrumentos de medição utilizados no meio” não resolve os problemas suscitados pela articulação dos artigos 20º e 21º, relativos às condições de início de um procedimento administrativo de averiguação de poderes de influência sobre a opinião pública. Mantendo-se, no essencial, os critérios relativos aos limites de audiências, a partir dos quais deverá ser iniciado um procedimento administrativo de averiguação, e sem uma maior densificação dos conceitos expressos nestes artigos, manter-se-ão igualmente quer as objecções relativas à fidedignidade da aferição quer as respeitantes à avaliação e escrutínio público do poder decisório conferido à ERC.
7- De igual modo, a alteração introduzida ao artigo 13º da lei não reflecte a necessária ponderação do efeito de restrição ao acesso a actividades de comunicação social por parte de entidades públicas. Aliás, esta norma foi formalmente reformulada, mas não teve qualquer alteração quanto ao seu conteúdo e alcance. Como sublinhei na mensagem relativa ao Decreto 265/X, “sempre sustentei, que as empresas desse sector devem, em regra, ser da titularidade de entidades privadas”. Contudo, importa notar que a restrição de acesso, prevista no artigo 13º, ao desenvolvimento de actividades pelo Estado e demais entidades públicas no domínio da comunicação social pode constituir um limite ao sector público, não se sabendo se, em determinadas circunstâncias, não poderá “pôr em causa a prossecução de interesses públicos de relevo, incluindo o próprio pluralismo e a independência dos meios de comunicação social”, como referi na mensagem relativa ao Decreto 265/X.
Por estes motivos, decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar o Decreto nº 280/X da Assembleia da República.
Com elevada consideração,
Palácio de Belém, 20 de Maio de 2009
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Aníbal Cavaco Silva
20.05.2009