Discurso de Tomada de Posse do Presidente da República
Assembleia da República, 9 de Março de 2006

Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Dr. Jorge Sampaio
Senhoras e Senhores Deputados
Senhoras e Senhores

Quero, em primeiro lugar, saudar o povo português. Saúdo todos os Portugueses que me honraram com a sua escolha para Presidente da República.

A todos asseguro que darei o melhor de mim mesmo para corresponder à confiança que em mim depositaram, honrando o juramento solene que acabei de pronunciar, quando assumo os poderes e as responsabilidades do cargo de Presidente da República Portuguesa.

Quero ser e serei o Presidente de todos os Portugueses. Aqui reafirmo o meu propósito de fortalecer os vínculos que a todos nos unem e de estar atento às preocupações e anseios de todos os meus concidadãos e, também, daqueles que, não tendo nascido portugueses, escolheram a nossa terra para viver e se realizarem como pessoas.

Ao Senhor Presidente da Assembleia da República que, com tão grande dignidade e saber, dirige esta que é a casa-mãe da democracia portuguesa, agradeço, sentidamente, as palavras de saudação que me dirigiu.

Aos senhores Deputados, legítimos representantes da pluralidade da Nação Portuguesa, manifesto o meu respeito e a minha inteira disponibilidade de leal cooperação, para que a Assembleia da República cumpra com eficácia as elevadas responsabilidades que lhe cabem na construção de um País de mais progresso, justiça e solidariedade.

Aos Chefes de Estado e de Governo e altos representantes de países amigos, que tanto honram o nosso País com a sua presença nesta cerimónia, agradeço e saúdo calorosamente.

Num momento em que as dificuldades que Portugal atravessa estão suficientemente diagnosticadas e reconhecidas, reafirmo ao Senhor Primeiro-Ministro e ao seu Governo a minha inteira disponibilidade e empenhamento numa cooperação leal e frutuosa.

Quero nesta ocasião prestar a minha sincera homenagem ao Presidente da República cessante, Dr. Jorge Sampaio, pela dignidade, patriotismo e profundo sentido de Estado com que exerceu a sua magistratura. É para mim uma honra fazer-lhe a entrega do grande-colar da Ordem da Liberdade, numa outra cerimónia que hoje terá lugar.

Num tempo de sérias dificuldades, como é aquele em que vivemos, são enormes as responsabilidades que impendem sobre os titulares de cargos políticos.

No respeito pelas diferenças e pelo debate de ideias, os Portugueses esperam e exigem dos políticos, que democraticamente escolheram, que deixem de lado divisões estéreis, minudências e querelas que pouco ou nada têm a ver com a resolução dos problemas nacionais. Que não percam tempo e energias em recriminações sobre o passado e pensem no futuro do País, porque é esse que agora interessa.

Os diagnósticos estão feitos. O que os Portugueses esperam dos seus representantes, cada um com a sua própria responsabilidade, é acção, mais acção.

Num momento de muitas preocupações, em que há tanta coisa difícil para fazer, os Portugueses gostariam certamente de perceber que a classe política está, até onde em democracia é possível, disposta a juntar esforços para ultrapassar diferenças e fazer obra em comum.

Há seguramente domínios onde podem e devem ser procurados entendimentos alargados entre Governo e oposição e mesmo com organizações da nossa sociedade civil.

É por tudo isto que me atrevo a deixar perante esta Câmara e perante os portugueses cinco grandes desafios que, nas circunstâncias em que o País se encontra, considero cruciais para abrir caminhos consistentes de progresso. Para eles, os Portugueses esperam, com sentido de urgência, uma resposta da parte dos responsáveis políticos.

O primeiro desafio que quero destacar é o da criação de condições para um crescimento mais forte da economia portuguesa e, consequentemente, para o combate ao desemprego e para recuperação dos atrasos face à União Europeia. Sem isso, tudo será mais difícil.

Na vida das nações, cada geração tem o dever de legar à geração seguinte uma sociedade social, cultural e economicamente mais desenvolvida. É isso que os jovens têm o direito a esperar da nossa geração.

Vivemos num mundo que é cada vez mais global, somos membros de uma União Europeia que se alargou para leste e, por isso, a produção nacional está sujeita a uma fortíssima concorrência nos mercados interno e externo. Esta é uma realidade que se nos impõe.

Para além disso, somos periferia da Europa, estamos geograficamente situados no seu extremo sudoeste. Aparentemente, olhamos para um mundo que nos é adverso. Mas, vendo bem, somos o espaço onde a Europa se abre ao Atlântico, o que pode ser uma enorme vantagem.

Acresce que, hoje, a periferia já não é ditada pela geografia. A periferia é onde mora o atraso competitivo. É este e só este o factor crítico.

O desenvolvimento, a melhoria das condições de vida das populações, moram onde moram a inovação, a criatividade, a investigação e o desenvolvimento tecnológico, a excelência no ensino, onde as universidades interagem com as empresas, onde o Estado não é entrave à actividade dos cidadãos, mas sim uma entidade que regula e fiscaliza o cumprimento das regras de uma concorrência saudável.

Que este caminho está ao nosso alcance demonstram-no muitas das nossas empresas, nos mais variados sectores, que têm elevada produtividade, apostam na qualidade e na inovação e são altamente competitivas nos mercados internacionais.

É este o caminho que tem de ser seguido, porque não há outro.

Não podemos também esquecer que somos um País fortemente dependente e ineficiente em matéria energética e que temos pela frente importantes desafios relacionados com os altos preços do petróleo, com a segurança dos abastecimentos, as alterações climáticas e as exigências do protocolo de Quioto. A sustentabilidade do crescimento da nossa economia passa também por uma política energética ajustada às novas realidades.

O segundo desafio refere-se à recuperação dos atrasos em matéria de qualificação dos recursos humanos.

O futuro de Portugal está indissociavelmente ligado ao que formos capazes de fazer no plano da qualidade da educação dos nossos jovens e da formação dos nossos trabalhadores. Trata-se, não só, de um elemento central da estratégia de desenvolvimento, mas também de um factor decisivo para a realização de uma efectiva igualdade de oportunidades, princípio fundamental de uma democracia moderna.

O combate ao insucesso e abandono escolar não pode deixar de ser uma prioridade de todos os responsáveis políticos, por forma a que uma percentagem maior dos nossos jovens complete o ensino secundário, para o que é crucial o empenho dos professores e a cooperação activa dos pais, na certeza de que a melhor herança deixada aos filhos é a educação.

No mundo em que vivemos é preciso que a escola mais do que ensinar ensine a aprender. Mais ainda, é decisivo aprender a empreender. A empresa de hoje faz apelo a quem seja capaz de empreender, seja ao seu modesto colaborador seja àquele que a gere e organiza. O empreendorismo chegou tarde às nossas escolas e agora é preciso acelerar o passo.

O terceiro desafio é o da criação de condições para o reforço da credibilidade e eficiência do sistema de justiça.

É hoje indisfarçável que se têm vindo a avolumar entre nós as preocupações acerca do funcionamento do sistema de justiça. Não se trata apenas de preocupações centradas na morosidade dos processos judiciais, mas também de sintomas de degradação da credibilidade e prestígio das instituições.

A justiça constitui um valor superior da ordem jurídica, um fim irrenunciável do Estado e a primeira e última garantia dos direitos e liberdades das pessoas.

Constitui responsabilidade inadiável das forças políticas, ouvindo os operadores judiciários, gerar os consensos indispensáveis para se poder assegurar o funcionamento de um sistema de justiça eficaz, caracterizado pela qualidade, pela certeza e pela responsabilidade das suas decisões.

É uma responsabilidade de todos contribuir activamente para que, em Portugal, tenhamos uma justiça que inspire a confiança dos cidadãos quanto à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, que reprima as violações da legalidade e não seja obstáculo ao desenvolvimento equitativo do País.

O Presidente da República dará sempre o seu apoio às mudanças que se mostrem necessárias ao fortalecimento da legitimação democrática das instituições judiciárias, à garantia da sua independência, ao prestígio dos seus titulares e à eficácia da imprescindível função que a Constituição lhes atribui.

O quarto desafio diz respeito à sustentabilidade do sistema de segurança social.

Tem vindo a desenvolver-se na sociedade portuguesa, tal como noutros países da União Europeia, um crescente sentimento de ansiedade quanto à capacidade do Estado assegurar no futuro o pagamento das pensões àqueles que completam o seu ciclo de vida activa.

É uma questão muito séria, que exige dos responsáveis políticos uma atenção especial.

Urge aprofundar os estudos técnicos e promover um amplo debate nacional sobre a sustentabilidade a médio e longo prazo do financiamento do nosso sistema de segurança social. Seria desejável alcançar um consenso político alargado quanto à estratégia adequada para enfrentar a tendência para o envelhecimento da população portuguesa, a par do declínio da taxa de natalidade.

Um quinto desafio que quero referir é o da credibilização do nosso sistema político, um domínio de crescente insatisfação dos cidadãos que importa não ignorar.

Numa sociedade fundada no princípio democrático, a política é uma das mais nobres actividades, porque tem a ver com a realização do bem-comum e com a preservação e reforço dos interesses perenes de uma comunidade nacional. E, precisamente por isso, a democracia não se esgota em eleições e alternância no poder. Ela é acima de tudo um código moral e é daí que advém a sua supremacia em face dos demais regimes políticos.

Os agentes políticos têm de ser exemplo de cultura de honestidade, de transparência, de responsabilidade, de rigor na utilização dos recursos do Estado, de ética de serviço público, de respeito pela dignidade das pessoas, de cumprimento de promessas feitas.

Um Estado ao serviço de todos, como se exige em democracia, deve ser servido pelos melhores e, por isso, a escolha dos altos responsáveis não eleitos não pode senão nortear-se exclusivamente por critérios de mérito, onde as considerações político-partidárias não podem contar.

Um regime que se funda neste conjunto de valores é um regime que tem de ser firme no combate à corrupção porque, justamente, ela corrói a democracia, porque lhe subverte os valores matriciais, cava injustiças num regime que tem a justiça como princípio essencial e porque prejudica o desenvolvimento.

Exige-se, por isso, em nome da democracia, uma luta permanente e sem tréguas a este seu inimigo: a corrupção. Exige-se firmeza nas leis, que urge ajustar para melhor combater as formas mais correntes de corrupção, e exige-se firmeza na investigação e na punição.

Um dos princípios fundamentais da acção política é o respeito pela dignidade da pessoa humana, de que resulta como corolário que o desenvolvimento é económico para poder ser social. Daí que a busca da coesão social, do desenvolvimento justo que a todos aproveite, não possa deixar de constituir uma prioridade para todos os responsáveis políticos.

Devem preocupar-nos, em particular, aqueles que, em virtude da sua especial vulnerabilidade, se encontram mais expostos à adversidade e ao infortúnio.

Refiro-me, especificamente, aos idosos, aos cidadãos portadores de deficiência, aos desempregados e às vítimas de violência, destacando, de entre todas elas, as mais desprotegidas: as crianças.

A melhoria da justiça social, o combate à exclusão, o apoio aos mais desfavorecidos da nossa sociedade é uma razão superior para fazer com que o País volte a abraçar a batalha da criação de riqueza.

O desenvolvimento para ser justo tem também de ser sustentável, tendo em devida conta a herança que nos compete transmitir às gerações futuras.

As políticas de defesa da qualidade ambiental e de correcção do desordenamento na ocupação do território, quando prosseguidas com bom senso, devem ser encaradas não como limites ao desenvolvimento mas como elementos de inovação e modernização que tornam o País mais competitivo.

Se é verdade que a Pátria não é só a língua portuguesa, não é menos certo que ela constitui o maior símbolo de identidade colectiva de um povo que se caracteriza também pela sua vocação humanista e universalista.

Saúdo, assim, de uma forma particularmente calorosa, os países africanos de expressão oficial portuguesa, o Brasil e Timor. A todos nos ligam fortíssimos laços que a história teceu, com todos mantemos relações privilegiadas, falamos um idioma comum, formamos a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Podemos de alguma maneira dizer que constituímos uma comunidade de destino.

Não me pouparei a esforços para valorizar esta comunidade que somos, convicto de que, em conjunto, seremos capazes de construir algo que é muito maior que a soma das suas partes.

“Nesga de terra debruada de mar”, assim qualificou Miguel Torga o nosso Portugal. É tempo de prestar ao mar uma nova atenção. A vasta área marítima sob jurisdição nacional, que nos posiciona como uma grande nação oceânica, ponte natural entre a Europa, a África e a América, encerra potencialidades económicas e um valor estratégico que não podemos ignorar. O mar, para além do seu significado histórico, constitui, para Portugal, uma enorme oportunidade.

Portugueses

É uma ilusão pensar que basta a acção do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República, por mais empenhada e certa que ela seja, para que Portugal ultrapasse as actuais dificuldades e vença os desafios que tem à sua frente.

Como tenho dito repetidamente, neste momento que não é fácil, Portugal precisa de todos. Todos somos responsáveis pelo nosso futuro colectivo. A situação do País é demasiado complexa para que alguém pense que isto não é consigo, é só com os outros.

É errado pensar que o Estado resolve tudo ou quase tudo. O Estado não é o legatário de todos os problemas que nos afligem.

Como Presidente da República empenhar-me-ei para que na sociedade portuguesa, ao lado dos direitos, se afirme uma cultura cívica de responsabilidade, em que cada um compreenda que é seu dever contribuir para o progresso do País, melhorando por essa forma a sua própria situação pessoal.

Ajudem Portugal a vencer as dificuldades, é o apelo que nesta ocasião dirijo a todos.

Portugal precisa de todos os Portugueses numa atitude de dedicação ao trabalho, de rigor e persistência, num esforço redobrado para fazer bem e com qualidade o que lhes compete fazer, numa nova atitude de iniciativa criadora e de um optimismo fundado na certeza de que os nossos problemas não são maiores do que a nossa vontade colectiva de os vencer.

Dos trabalhadores e dos seus sindicatos exige-se uma atitude realista, que possibilite a defesa do emprego e do poder de compra dos salários, no quadro internacionalmente exigente em que se insere a nossa economia.

Precisamos de aumentar a produtividade e ser mais competitivos. Mas não se pense que a produtividade é baixa porque os trabalhadores portugueses trabalham pouco. Pelo contrário. O que acontece é que o trabalho é pouco eficiente e, na grande maioria dos casos, não é por culpa dos trabalhadores.

Se os desafios do presente fazem apelo aos trabalhadores, eles exigem muito dos nossos empresários e gestores. À classe empresarial cabe ser o agente motor da mudança nas empresas, fomentando a modernização tecnológica, a inovação nos produtos e nos processos, promovendo a qualificação dos recursos humanos, incentivando a criatividade e premiando o mérito.

Cabe aos empresários e gestores apostar na especialização em produtos de maior valor acrescentado, na melhoria da qualidade da gestão, na conquista de novos mercados e saber aproveitar as oportunidades que a globalização encerra. É assim que se produz o sucesso empresarial.

Tentar preservar a competitividade à custa de salários baixos é uma estratégia sem futuro.

Às universidades e politécnicos exige-se também que compreendam o mundo novo em que vivemos. Exige-se que apostem na excelência a todos os níveis, que se integrem nas redes internacionais, que vão ao encontro das empresas e com elas interajam por forma a que o conhecimento científico e tecnológico se traduza em reforço da capacidade competitiva do País.

O momento é exigente para os servidores do Estado. A eles se pede que se empenhem em servir melhor os cidadãos e as empresas e que, com o sentido de responsabilidade que os caracteriza, procurem ser agentes dinamizadores da mudança e não travão da vida económica e social do País.

Estou convencido de que são os primeiros a reconhecer a necessidade de avançar na reforma da Administração Pública, de modo a melhorar a qualidade dos serviços prestados, reduzir a burocracia, aumentar a transparência e reduzir gradualmente o peso da despesa pública.

Às famílias e aos professores relembro a responsabilidade que lhes cabe na formação da juventude. Aos pais e à escola exige-se um empenho permanente para que os nossos jovens concluam pelo menos o ensino secundário, por forma a que possam singrar na sociedade do conhecimento e no mundo globalizado.

Às autarquias locais que, ao longo das três décadas de democracia que o 25 de Abril tornou possível, têm dado um contributo inestimável para a melhoria das condições de vida das populações, cabe-lhes agora a responsabilidade de ajustarem a sua acção à difícil situação financeira em que se encontra o sector público português e às novas condições de desenvolvimento que o País enfrenta. A preocupação pela competitividade das empresas e a sua capacidade para criar empregos tem também de ser assumida pelo poder local.

Aos portugueses espalhados pelo mundo, a quem expresso o meu apreço e solidariedade, peço que, na medida em que lhes for possível, lancem um novo olhar sobre as oportunidades de investimento e criação de riqueza no País que é de todos nós.

Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhoras e Senhores Deputados

Não é possível pensar a política externa independentemente da realidade interna do País.

A defesa dos interesses de Portugal na cena internacional será tanto mais fácil quanto mais confiantes nos sentirmos nas nossas capacidades. Um país estável e mobilizado, um país que cresce e progride, um país que cria e inova, um país que é capaz de abraçar as oportunidades que se lhe oferecem, será certamente um actor muito mais credível e respeitado na cena internacional.

Eu acredito num Portugal forte e digno da sua História. Um país que traga a esse projecto extraordinário que é a União Europeia uma contribuição própria e uma participação activa. A União Europeia alargou-se e outros alargamentos se preparam. E tal acontece porque a União Europeia é um projecto de sucesso. Neste período de reflexão sobre o futuro da Europa, é bom que não nos esqueçamos disso.

Mas não nos iludamos: há o risco de que os cidadãos se não revejam nesta União Europeia que vamos construindo, seja porque se sentem demasiado longe dos seus processos de decisão, seja porque nela não encontram resposta para os problemas que os preocupam.

Acredito firmemente no projecto de integração europeia. A União Europeia constitui um quadro fundamental para a afirmação dos nossos interesses. Mas é preciso que os nossos parceiros nos vejam como um actor empenhado e participativo, capaz de constituir uma mais-valia.

No segundo semestre do próximo ano, Portugal assumirá, pela terceira vez, a Presidência do Conselho da União Europeia. Teremos, assim, uma oportunidade única, para, repetindo o sucesso que foram as presidências anteriores, reforçarmos a imagem de seriedade e credibilidade que temos sabido consolidar.

A construção de uma relação transatlântica saudável é fundamental para Portugal e para a União Europeia. Enquanto Estados democráticos, abertos ao confronto de ideias, estamos todos, de cada um dos lados do Atlântico, particularmente bem posicionados para compreender a naturalidade da divergência de opiniões e, até, a riqueza que pode advir dessa divergência. Mas, enquanto Estados responsáveis, tudo devemos fazer para evitar que aquilo que nos une e que é o essencial, se veja sacrificado no altar daquilo que circunstancialmente nos divide. Esta é uma preocupação estratégica de Portugal a que nos conduzem as nossas circunstâncias geográficas, o nosso legado histórico, a presença de grandes comunidades portuguesas na outra margem do Atlântico e, não o esqueçamos, uma comunhão de princípios e de valores.

Durante a campanha eleitoral assumi um conjunto de compromissos políticos que faço questão de reafirmar nesta cerimónia solene.

Os Portugueses sabem que sempre considerei a estabilidade o pressuposto essencial do bom funcionamento das instituições e da realização das mudanças necessárias ao desenvolvimento do País. No entanto, entendo que a estabilidade política não é um valor em si mesmo. A estabilidade é uma condição, não um resultado. E para que a estabilidade não se confunda com imobilismo, é necessário imprimir-lhe um sentido dinâmico e reformista.

De acordo com a leitura que faço dos poderes presidenciais inscritos na Constituição, considero que o Presidente da República deve acompanhar com exigência a acção governativa e deve empenhar-se decisivamente na promoção de uma estabilidade dinâmica no sistema político democrático.

Julgo, por outro lado, que os desafios que Portugal enfrenta neste momento histórico exigem uma magistratura presidencial que favoreça consensos alargados em torno dos grandes objectivos nacionais.

É em torno do muito que nos une que o Presidente da República pode exercer uma acção relevante no seu relacionamento com os demais órgãos de soberania, especialmente com o Governo.

Julgo que o País necessita de mais do que mera cooperação institucional, que os Portugueses têm uma ambição maior em relação àquele que, nos termos da Constituição, representa a República e é o primeiro garante do regular funcionamento das instituições democráticas.

Perante os grandes desafios que se colocam a Portugal, entendo que do Presidente da República não se pode esperar uma simples promessa de lealdade institucional em relação aos demais poderes do Estado. O Presidente da República deve empenhar-se numa autêntica cooperação estratégica em torno dos grandes objectivos nacionais, com os restantes órgãos de soberania e, em particular, com o Governo legítimo de Portugal.

Os Portugueses sabem que, a par da estabilidade política, sempre valorizei o diálogo entre os diversos agentes políticos, económicos e sociais. Considero, aliás, que existe uma interdependência essencial entre estabilidade e diálogo. Por um lado, só a estabilidade permite um diálogo autêntico e frutuoso. Por outro lado, o diálogo é um dos elementos essenciais da estabilidade política e da paz social.

É esse o sentido da cooperação estratégica do Presidente da República com os outros órgãos de soberania. Trata-se, em palavras simples, de fazer obra em comum. De todos fazermos obra em comum. Ouvindo os Portugueses, escutando o País, o Presidente da República pode ser um interlocutor privilegiado dos anseios e legítimas preocupações da sociedade civil, sem se assumir como porta-voz de interesses corporativos e sem interferir na esfera própria de competências de cada órgão de soberania.

Além do respeito pela separação de poderes, assumo igualmente um compromisso político de isenção. No exercício das funções em que fui investido, tratarei por igual todas as forças políticas e sociais representativas da nossa sociedade. Serei o Presidente de Portugal inteiro.

No exercício das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, que a constituição atribui ao Presidente da República, considero da maior relevância o reforço da coesão e do prestígio da instituição militar, objectivo que, em permanência, deve merecer atenção prioritária de todos os responsáveis políticos.

Importa que a população portuguesa saiba que as nossas Forças Armadas têm demonstrado um profissionalismo exemplar nas missões externas em que têm estado envolvidas, prestigiando o País e contribuindo para o reforço da sua posição no plano internacional. Acompanharei de perto, em articulação com os demais órgãos de soberania, o processo de reestruturação e modernização das Forças Armadas e estimularei o trabalho conjunto dos ramos, por forma a reforçar a operacionalidade das forças e a promover uma adequada racionalização dos meios.

Saúdo as autonomias regionais dos Açores e da Madeira, realizações frutuosas da nossa democracia, como o testemunha o progresso económico e social registado nessas Regiões nas duas últimas décadas.

Como garante da unidade do Estado e como defensor da coesão nacional, procurarei contribuir para um clima de bom relacionamento e diálogo leal e construtivo entre os órgãos de governo regionais e da República e para que as especificidades das Regiões sejam devidamente tidas em conta, no quadro da solidariedade entre as diferentes partes do todo nacional.

Faz hoje precisamente quinhentos e seis anos que partiu a frota de Pedro Álvares Cabral para a sua viagem imortal de aventura e descoberta. O embarque tinha ocorrido com grande pompa no dia 8 de Março, data fixada para a partida. Todas as condições pareciam reunidas, mas faltou qualquer coisa. O vento mudou, e a frota de Cabral teve de aguardar no estuário do Tejo pelo dia seguinte, 9 de Março de 1500. Foi só então que zarparam todas as naus e caravelas, com as brisas propícias por fim enfunando as suas velas. E dali a quarenta e quatro dias arribaram a uma angra do outro lado do oceano. Porto Seguro, assim a baptizou o Capitão-Mor. Foi aí que desembarcaram em segurança no Novo Mundo.

Quando hoje, tantos séculos volvidos, invocamos a memória colectiva, não pretendemos tão somente celebrar o nosso passado. Pelo contrário! Uma Pátria viva oferece-nos inúmeros episódios exemplares que, sobretudo, servem de inspiração para o presente e nos dão esperança quanto ao futuro.

Desejo que a minha eleição para Presidente da República fique associada a bom tempo para a vida do País, que brisas favoráveis o conduzam no rumo certo, que os Portugueses reavivem a esperança e ganhem o ânimo e a crença que permitam conduzir a nau colectiva para além da distância, da incerteza e do desconhecido, até porto seguro.

Não tenho dúvidas de que os tempos são difíceis. Mas temos à nossa frente um enorme espaço para o optimismo, que é o espaço da vontade, da coragem e do querer.

Tenho orgulho no meu País e na sua História. Por tudo passámos, como povo. Momentos altos, e até de glória, e momentos de dificuldade e mesmo de angústia. Mas estamos aqui. Quando fez falta – e tantas vezes fez falta – mobilizámos o melhor de nós próprios e conseguimos. Estou certo de que vamos conseguir mais uma vez.

Hoje, como ontem, vamos provar que somos capazes de vencer a tirania da resignação e o espartilho do pessimismo. Pela minha parte, estou profundamente convicto de que a nossa determinação é maior do que qualquer melancolia, de que a nossa esperança é mais forte do que qualquer resignação, de que a nossa ambição supera qualquer desânimo. Sei que os Portugueses, tal como eu, não se resignarão a um destino menor.

Na história dos povos nunca é demasiado tarde para realizar o sonho e cumprir a esperança. Nunca é tarde desde que saibamos ser fortes e unidos, desde que tenhamos orgulho no que somos e desde que saibamos o que queremos ser.

O que os momentos altos da nossa História nos ensinam é que somos um povo marcado pela insatisfação. Que nos marca a ambição de fazer mais e melhor. Marca-nos a ideia de que somos agentes da História, senhores do nosso destino. Somos um povo capaz de superar as dificuldades nas horas de prova.

Os Portugueses podem contar comigo.

É para servir os Portugueses e servir Portugal que aqui estou.

http://anibalcavacosilva.arquivo.presidencia.pt/comandantesupremo/?idc=304&idi=85