“A Economia do Mar”, artigo do Presidente da República publicado na Revista Cadernos de Economia n.º 95, em abril de 2011

É surpreendentemente ténue a relação que Portugal mantém, pelo menos em termos económicos, com um dos mais importantes recursos naturais de que dispõe. A exploração do mar e do enorme potencial que ele encerra tem sido matéria bastante ignorada pela generalidade dos decisores nacionais – tanto políticos como económicos - e até, em alguma medida, pelos académicos.

Daí que, ao longo do meu primeiro mandato, tenha apelado por diversas vezes a uma renovada aposta na exploração do mar, que entendo dever tornar-se um verdadeiro objetivo estratégico nacional.

Todos sabemos que o País vive hoje uma das mais graves crises da sua História recente e que será necessário muito trabalho e um exigente esforço de rigor e concertação para conseguirmos ultrapassar a difícil situação em que nos encontramos. Poderemos, por esse motivo, ser facilmente tentados a pensar que não nos devemos dispersar por novas ideias ou novos rumos, mas antes restringir-nos a fazer melhor aquilo que temos vindo a fazer.

Sucede que a exploração do mar nos remete, naturalmente, para lá da realidade das últimas décadas, em que a nossa ligação ao mar se foi desvanecendo, mas também para lá da realidade vigente. A exploração económica da plataforma continental portuguesa, por exemplo, não faz ainda parte da nossa realidade, embora se perspetive, a vários títulos, como um imperativo nacional. É, pois, uma visão prospetiva, a longo prazo, assente na capacidade de sabermos antecipar aquilo que já se vislumbra, que muitas vezes está em causa quando falamos numa renovada aposta na exploração do mar.

Mas é também à luz da própria crise profunda que vivemos que nos cabe questionar se nos poderemos dar ao luxo de continuar a não aproveitar devidamente um dos nossos mais valiosos recursos naturais. A situação das finanças públicas e do nosso endividamento externo é particularmente séria, também, porque a economia portuguesa não conseguiu crescer na última década. Precisamos, pois, para além de reduzir a despesa, de reencontrar uma estratégia e uma trajetória de crescimento.

Se olharmos para trás, encontraremos erros nos caminhos que trilhámos. Sem prejuízo de outros, um deles será, seguramente, termos passado anos e décadas a desprezar a nossa ligação ao mar, esquecendo-nos da verdadeira geografia de Portugal e tornando-nos mais periféricos. Urge, neste aspeto, retomar essa ligação, usando-a na criação de novas oportunidades de negócio e até de novas indústrias e setores.

São muitas, a meu ver, as razões que justificam uma aposta no mar. Primeiramente, Portugal conta com um conjunto de vantagens físicas, que resultam da sua localização atlântica, de país projetado sobre o oceano, entre continentes, no centro de importantes rotas do comércio internacional e do transporte marítimo. É possuidor, além disso, da maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia e está a trabalhar na delimitação de uma das maiores plataformas continentais do mundo. São estas vantagens – centralidade da localização no mundo e dimensão – que, desde logo, conferem realismo ao potencial do mar português.

Depois, Portugal encontra no mar, ainda hoje, a sua melhor imagem de marca, construída por séculos de ligação aos oceanos. Essa imagem de marca, já de si prestigiante, poderá, se bem orientada e explorada, conferir uma apreciável mais--valia à qualidade dos novos produtos e dos serviços marítimos portugueses.

Em terceiro lugar, Portugal conta já hoje com sufi cientes estudos e planos, incluindo os vertidos no Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, ou no Estudo do Hypercluster do Mar, para poder dar passos seguros na direção da aposta no mar. Existe, pois, um corpo de pensamento estruturado estratégico – o que nem sempre sucede entre nós – que devemos prezar e saber utilizar. A grande vantagem que nos advém desses estudos é o facto de traçarem as coordenadas do caminho que devemos iniciar, permitindo-nos poupar tempo e minimizar o risco de erro na tomada de decisões.

Uma outra razão que me parece justificar um investimento nas atividades ligadas ao mar é o manifesto subaproveitamento deste recurso: somos um dos países costeiros da Europa Ocidental que menos empregos e riqueza consegue criar a partir do mar. Se isto é, por um lado, altamente insatisfatório, denota, por outro, a medida do potencial que temos pela frente. Ou seja, os anos de abandono deste setor e a ausência de investimentos significativos implicam que, em muitas indústrias ou atividades ligadas ao mar, o nível de partida sempre nos permita beneficiar de um considerável potencial de crescimento.

Finalmente, ao apostarmos na economia do mar, estaremos também a apostar num reposicionamento de Portugal. Em vez de nos vermos como um país da periferia da Europa, passaremos a ver-nos como um país que se encontra na charneira de vários continentes, no centro das rotas da logística de transporte mundial, e que pode tirar partido dessa sua posição geográfica, retomando também, de algum modo, a sua vocação ancestral de país aberto ao Mundo.

A chamada economia do mar não se circunscreve, hoje em dia, às atividades marítimas tradicionais, abrangendo, de facto, muitas outras, incluindo os novos usos do mar.

Os portos e os transportes marítimos, setores tradicionais do mar, permanecem, em todo o caso, essenciais à sua exploração. Trata-se de dois setores que estão intimamente ligados e que constituem o núcleo duro de qualquer cluster do mar. Caímos por vezes, em Portugal, na tentação de pensar que estes setores – que são setores pesados, ligados às infraestruturas de transporte e intensivos em capital – estão irremediavelmente condenados e que não devemos perder tempo e recursos financeiros com eles, antes nos devendo focalizar em novos setores ligados à ciência e à tecnologia. Trata-se, no entanto, de uma visão errada. Sem portos e sem transportes marítimos competitivos, Portugal não poderá relançar--se como um país verdadeiramente marítimo.

Tem havido, nos últimos anos, uma dinâmica positiva a nível do setor portuário, resultante, por um lado, de uma aposta na simplificação das operações portuárias, em especial das administrativas e burocráticas, e, por outro lado, de um aumento do planeamento e do investimento, nomeadamente em plataformas logísticas e na interligação de modos de transporte. Apesar disso, a reforma plena do sistema portuário continua por completar, havendo espaço para melhorias substanciais nas estruturas de gestão, na lógica da concorrência entre portos, na conquista de espaço no mercado ibérico, na competitividade dos serviços, na diminuição dos procedimentos administrativos e na própria relação dos portos com os cidadãos.

Não devemos duvidar de que os portos serão, para Portugal, peças estratégicas essenciais no atual contexto de globalização e de crescimento do comércio mundial e, logo, do transporte internacional de mercadorias. Mais ainda, se atentarmos aos sinais que nos chegam da União Europeia relativamente à penalização gradual, mas crescente, do transporte rodoviário, através de políticas (as designadas políticas de greening transport) que visam a sua substituição parcial por outros meios, inclusivamente pelo transporte marítimo.

Daí que não nos possamos conformar com o reduzido setor de transportes marítimos que hoje temos em Portugal. Torna-se necessário expandi-lo e, para isso, é imperativo torná-lo mais competitivo e, desde logo, mais atrativo, o que exige a adoção de novas políticas públicas que o apoiem ou, pelo menos, que não deixem o setor numa posição de inferioridade relativamente ao tratamento que recebe nos demais Estados costeiros da União Europeia.

O País precisa também de contar com portos e transportes marítimos competitivos, na medida em que eles são instrumentais para o desenvolvimento de outro grande domínio da economia do mar: a energia.

Com efeito, é pelos nossos portos que nos chega uma grande parte da energia que importamos, o que demonstra bem que existe uma estreita ligação entre o setor do mar e o setor da energia em Portugal. Aliás, o transporte marítimo de energia fóssil – gás e petróleo – é importante não apenas para Portugal, mas para a segurança energética de toda a Europa, que assim dependerá menos de pipelines originários de países com quem teve diferendos sobre energia nos últimos anos. Portugal possui, no porto de Sines, um dos poucos terminais de gás natural liquefeito da Europa. Trata-se de um ativo estratégico nacional que não deve ser menosprezado.

Ainda no que diz respeito aos combustíveis fósseis, é evidente que o mar não releva apenas como meio de transporte, sendo já hoje essencial à própria produção: cerca de 40 por cento do petróleo e 60 por cento do gás natural que consumimos na Europa provêm de jazidas subaquáticas. A previsível exaustão de fontes de combustíveis fósseis em terra firme e o tendencial aumento da procura, associado ao crescimento das grandes economias emergentes, leva-nos a crer que Portugal deverá perspetivar, no futuro próximo, uma prospeção séria e ambiciosa dos fundos marinhos e do subsolo das áreas marítimas que se encontram sob sua jurisdição.

O mar é interessante, também, para o desenvolvimento de indústrias de energias renováveis. O Pacote Europeu para a Energia e o Clima não deixa margem para dúvidas: estas indústrias serão essenciais para o cumprimento dos objetivos acordados para 2020, nomeadamente o que estipula a obrigação de gerar, na União Europeia, 20 por cento de energia renovável. Por essa razão, temos assistido, nos últimos anos, a uma verdadeira corrida à promoção e ao desenvolvimento de grandes parques eólicos offshore no Mar do Norte. No contexto europeu, Portugal dispõe dos maiores espaços marítimos e de relevantes recursos naturais, pelo que deverá juntar-se a essa corrida. Nessa perspetiva, seria importante, entre outras medidas, a preparação de infraestruturas (a começar pela instalação de cabos elétricos submarinos e a sua ligação à rede elétrica nacional) e a existência de um enquadramento legal facilitador de licenciamentos e da atribuição de concessões de espaço no domínio público marítimo.

Também no domínio dos recursos vivos do mar há muito por fazer em Portugal. Face ao nosso nível de consumo de peixe per capita – que é mais do dobro do que se verifica, em média, na União Europeia –, surpreende que não se desenvolvam mais esforços para aumentar a produção nacional, quer em termos de capturas quer através de criação de pescado e de outros produtos do mar. Ao invés, as pescas têm vindo a decair paulatinamente e a aquacultura, com algumas honrosas exceções, continua por emergir em larga escala nas nossas águas costeiras. O resultado é a repetição, ano após ano, do défice da balança comercial de pescado com o exterior, que ultrapassou os 800 milhões de euros em 2009. Para um país que tem imperativamente de reduzir as suas importações e/ou aumentar as exportações, esta situação deve obrigar-nos a uma séria reflexão.

Um outro grande setor, ou conjunto de setores, a merecer uma aposta forte por parte de Portugal, é o turismo costeiro e marítimo. Portugal conta com uma oferta de turismo costeiro de dimensão apreciável, concretizada, em particular, nas centenas de hotéis e nos milhares de restaurantes que tem à beira-mar. É importante que os seus responsáveis compreendam as várias dimensões da ligação do seu negócio ao mar, começando por se preocupar com os desafios societais, como é o caso da qualidade da água, da biodiversidade e da força dos ecossistemas marinhos, ou da erosão costeira, intimamente ligados, afinal, à sustentabilidade daquela ligação. Mas, igualmente, tirando partido da sua proximidade do mar para criar sinergias com o turismo marítimo, isto é, com as indústrias marítimo-turísticas, os desportos náuticos, as marinas e a náutica de recreio, setor que se encontra, também, consideravelmente subaproveitado em Portugal, em comparação com os demais países costeiros da Europa Ocidental.

Uma referência, neste contexto, ao turismo de cruzeiro, que tem vindo a ser um caso de sucesso, na Europa e em Portugal, nesta última década. Face ao potencial que apresenta no plano turístico e ao crescimento do número de passageiros e de visitantes das costas portuguesas, que se aproxima já de um milhão por ano, importa traçar objetivos ambiciosos no sentido de aumentar o número de barcos que nos visitam e de cruzeiros com partida de Portugal. Isso implica não só continuar a criar infraestruturas de acolhimento portuário, ou seja, os terminais de passageiros, mas, acima de tudo, desenvolver uma concertação alargada aos diversos agentes envolvidos, incluindo as autarquias das cidades portuárias, os hotéis e os aeroportos.

Outros segmentos económicos se perfilam, ainda que de forma mais pulverizada, como relevantes para o futuro da economia do mar. É o caso das empresas dedicadas às tecnologias marítimas ou à gestão e monitorização ambiental do mar – incluídas na designada economia verde –, as quais, juntamente com setores como o da biotecnologia marinha, deverão beneficiar de uma considerável expansão nos próximos anos.

Foi no mar que construímos uma parte significativa da nossa História e da nossa identidade, e estou convencido de que é no mar que podemos encontrar um manancial de oportunidades para o nosso desenvolvimento económico e, até, um renovado sentido para a nossa existência como País.