Discurso do Presidente da República no X Encontro COTEC EUROPA
Roma, Itália, 28 de outubro de 2015

Saúdo, com amizade, o Senhor Presidente da Itália, Sergio Mattarella, e Sua Majestade o Rei de Espanha, D. Felipe de Bourbon.

Quero igualmente saudar a presença do Rei D. Juan Carlos e do Comissário Carlos Moedas, que nos trouxe os planos da Comissão Europeia em matéria das políticas de Investigação, Desenvolvimento e Inovação.

O tema deste 10º Encontro COTEC Europa volta a ser a reindustrialização e a nova política industrial.

Trata-se, sem dúvida, de um tema decisivo para o futuro da Europa.

A anunciada digitalização da indústria transformadora, ditada pela convergência entre as tecnologias de informação e comunicação e os novos materiais, os processos produtivos, a automação e a robótica, irá transformar profundamente a forma como os bens serão produzidos, distribuídos e consumidos num futuro próximo.

A inovação tecnológica é uma oportunidade, talvez única, de reforçar o peso da indústria transformadora na estrutura da economia europeia e recuperar, de algum modo, a posição perdida para outros continentes.

Sendo certo que esta é uma oportunidade única para a Europa, é igualmente fundamental estarmos cientes de que não estão garantidas as condições para que as empresas europeias, especialmente as PMEs, possam beneficiar do efetivo potencial da revolução tecnológica.

São ainda significativas as discrepâncias nas infraestruturas industriais dos diferentes países e no estado de desenvolvimento das respetivas empresas, além de existirem claras diferenças na disponibilidade de recursos, competências e conhecimento.

Outra tendência que se verifica na indústria transformadora é a crescente combinação entre a produção de bens e a de serviços associados, desde logo como estratégia de diferenciação num mercado muito competitivo.

A inovação tecnológica torna já hoje possível, a um custo aceitável, a produção de bens ajustados às preferências individuais dos consumidores, o que tenderá a fazer esbater a tradicional linha divisória entre os sectores de atividade secundária e terciária.

Acresce que a revolução tecnológica, através da integração digital de diferentes linhas de produção, permite colocar lado a lado autómatos e trabalhadores humanos, numa parceria única na História, que cria oportunidades inéditas mas também encerra riscos que não podemos ignorar.

Senhoras e Senhores,

A contribuição do sector transformador para o crescimento económico na Europa tem permanecido aquém das expectativas.

Assim, é compreensível que, neste novo ciclo da União Europeia, se tenha estabelecido como objetivo político o crescimento do peso da indústria transformadora para 20 por cento até 2020, assumindo-se como prioridade o fortalecimento da solidez e competitividade da base industrial europeia, em articulação com uma política coerente para a energia e o clima.

A prioridade conferida pelos poderes europeus a uma nova política industrial não é inédita. Desde os primórdios da integração que a modernização da produção e a melhoria da sua qualidade foram prioridades estabelecidas nas declarações dos «pais fundadores» do Mercado Único. Os objetivos de harmonização e de requalificação dos trabalhadores dos sectores transformadores figuravam, igualmente, nessas prioridades e é importante que tal continue a suceder.

No entanto, apesar da insistência dos poderes públicos e da vasta retórica produzida sobre a necessidade de uma nova estratégia comum de política industrial, os resultados ainda não são visíveis.

A verdade é que, sem uma política industrial que assuma uma perspetiva abrangente e que tenha em conta o potencial de transformação tecnológica e a nova realidade da produção integrada de bens e de serviços, a ambicionada reindustrialização da Europa poderá resultar numa desilusão para muitos.

No quadro de um sistema de mercados abertos e competitivos, a nova política industrial deverá favorecer o ajustamento de diversos sectores às mudanças estruturais, permitindo a adaptação das empresas a tendências como a digitalização, a globalização das cadeias de valor e a convergência entre produção de bens e de serviços.

A nova política industrial não poderá ser o reflexo de nacionalismos económicos nem de protecionismos dissimulados. Uma coisa é certa: deve encorajar um ambiente favorável à aproximação entre as instituições produtoras de conhecimento e o tecido produtivo, bem como a exploração do potencial industrial da investigação científica e tecnológica.

De referir, a este propósito, a importância da articulação do programa Horizonte 2020 – o maior programa de I&D do mundo – com a nova política industrial. Trata-se de uma oportunidade que as empresas dos sectores transformadores não poderão desperdiçar.

Sem uma clara compreensão das implicações do potencial tecnológico, corremos o risco de falhar os objetivos da reindustrialização europeia.

O aprofundamento do mercado único configura-se, também ele, enquanto motor da industrialização, como um pilar da política industrial.

Apesar dos avanços alcançados, subsistem ainda, neste campo, muitas barreiras que afetam o desempenho das empresas, decorrentes de divergências entre as normas nacionais, da duplicação de procedimentos e de dificuldades no acesso a alguns segmentos de mercado, como é reconhecido pela própria Comissão. A fragmentação do mercado interno é ainda uma realidade para as empresas e, sobretudo, para os consumidores da Europa.

Torna-se assim imprescindível uma visão consistente em torno da concretização das iniciativas para a consolidação do mercado único de bens e serviços e para o desenvolvimento do mercado único digital.

Vale a pena sublinhar que a própria revolução digital da indústria coloca particulares desafios ao desenvolvimento de uma nova política industrial à escala europeia, desde logo em matéria de gestão de dados.

Há que promover uma discussão aprofundada sobre os fluxos de dados resultantes dos processos industriais e sobre as normas que deverão regular a sua utilização.

Senhoras e Senhores,

A indústria transformadora é um dos pilares das economias europeias. Já o foi no passado, e é nele que deverá assentar, em larga medida, a Europa do futuro.

Sem uma política industrial comum capaz de responder aos desafios do novo modelo económico e tecnológico, a inovação nos sectores transformadores será liderada pelos países concorrentes da Europa, que beneficiam de mercados mais integrados e de comparável capacidade científica e tecnológica.

Sem uma política industrial abrangente e coerente, o retorno do investimento em I&D será insatisfatório e os desafios da modernização tecnológica das empresas poderão trazer riscos incomportáveis.

Para que a reindustrialização seja uma realidade de progresso e prosperidade para a Europa e os seus povos, o desenho da nova política industrial exige a participação de todos os Estados-membros, das empresas de diferentes sectores e dimensões, dos reguladores e dos consumidores.

Estou certo de que os agentes políticos, económicos e sociais da União saberão estar à altura deste desafio, em nome de um futuro melhor para os cidadãos europeus.

Este 10º Encontro constitui um marco na cooperação entre as principais associações empresariais de promoção da inovação de Itália, Espanha e Portugal.

Foi precisamente há uma década que as três organizações COTEC decidiram unir esforços no projeto que denominamos COTEC Europa. Fizeram-no para estimular, de uma forma articulada, a capacidade de inovação dos três países, partilhando experiência e conhecimento, divulgando boas práticas, e levando a cabo projetos de interesse mútuo.

A este propósito, não posso deixar de sublinhar o papel inspirador do Rei D. Juan Carlos como fundador da COTEC Espanha e como referência para a inovação empresarial.

O balanço desta colaboração é muito positivo. Os propósitos fundadores mantêm-se válidos e, talvez mais do que nunca, oportunos. Estes 10 anos deixam-nos um legado e uma responsabilidade especial, a de continuar a ser uma voz de afirmação de uma visão partilhada das especificidades das economias do Sul, cujas sociedades, recordo, agregam mais de 54 milhões de trabalhadores em 7 milhões de empresas.

Estou certo que, mais uma vez, as reflexões deste Encontro representarão um valioso contributo para a construção de uma política industrial mais adequada ao interesse coletivo da Europa e às realidades dos nossos países.

Muito obrigado.