Discurso do Presidente da República proferido na Figueira da Foz por ocasião do 125º Aniversário da elevação a cidade
Figueira da Foz, 22 de Setembro de 2007

Senhor Presidente da Câmara Municipal
Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Senhor Professor Doutor Barbosa de Melo,

É com o maior gosto que me encontro hoje na Figueira da Foz por ocasião das comemorações dos cento e vinte cinco anos desta bela cidade.

Há quem diga, porventura é lenda, que o primeiro Chefe de Estado português, o Rei D. Afonso Henriques, terá vindo à praia da Figueira a conselho médico. O actual Chefe de Estado, mesmo sem conselho médico, desloca-se à Figueira não só com o maior gosto, como disse, mas até com alguma emoção.

Os figueirenses sabem que a sua cidade foi, em vários momentos, muito importante na minha vida. Recordo duas ocasiões, em particular: foi aqui que, em 1985, comecei um caminho que me levou a assumir altas responsabilidades na condução política do nosso País; e foi igualmente na Figueira da Foz que apresentei, em 2002, o primeiro volume da minha autobiografia política, na qual, com o distanciamento e a serenidade que o tempo permite, dei conta do modo como vivi o exercício daquelas funções.

Deixando de lado esta nota pessoal, diria que estas comemorações constituem a ocasião perfeita para relembrar aqueles que, pela sua presença, pelo seu exemplo e pela sua palavra, souberam servir a memória dos figueirenses e dar testemunho de unidade patriótica.

Encontro esse patriotismo em homens como Manuel Fernandes Tomás, figueirense ilustríssimo, nascido em 1771, no preciso ano, curiosamente, em que a povoação da Figueira da Foz do Mondego foi elevada, por decreto real de 12 de Março, à categoria de Vila.

Manuel Fernandes Tomás foi o Campeão da Liberdade e o Patriarca da Regeneração Portuguesa. Com esses termos o designou Almeida Garrett e assim foi admirado pelos seus contemporâneos. Defensor da unidade e da independência nacionais, Manuel Fernandes Tomás proclamou, pouco antes de morrer e como se do seu testamento político se tratasse, aquele que sempre fora o seu princípio fundamental: o de que “a salvação da Pátria tem de ser a primeira Lei do Estado”.

Encontro esse patente patriotismo também em João de Barros, outro grande figueirense. Um dos maiores pedagogos da República defendeu um projecto de educação nacional que fazia da afirmação dos valores pátrios uma necessidade e uma prioridade. Essa afirmação dos valores pátrios, entendia João de Barros, é fundamental, porque dá às novas gerações a consciência da terra onde vive, aprofunda o espírito cívico e reforça a unidade nacional.

Para João de Barros, os dois símbolos associados aos valores pátrios eram, por excelência, a bandeira e o hino nacionais. Pois permitam-me que hoje, na Figueira da Foz, enalteça ainda o exemplo de uma figura que, recentemente, se tornou muito popular no nosso País, e pelas melhores razões. Falo-vos de outro figueirense: Rui Cordeiro, médico veterinário e, nas horas vagas, jogador de râguebi. Ele mesmo, o autor do nunca por demais enaltecido ensaio que os Lobos da indomável alcateia lusitana conseguiram marcar à todo-poderosa e profissionalíssima Nova-Zelândia. Naquele momento em que o Rui Cordeiro conseguiu colocar a bola no solo, vencemos o nosso Campeonato do Mundo particular. É claro que os respeitáveis 140 quilos do nosso Rui Cordeiro muito ajudaram a vencer a muralha dos râguebistas dos antípodas.

Acima de tudo, no momento em que vemos e ouvimos os jogadores da nossa selecção de râguebi – e, em especial, o Rui Cordeiro, cuja emoção é transparente e contagiante – a cantar “A Portuguesa”, defronte à nossa bandeira, sentimos que há, de facto, valores que nos unem e nos identificam enquanto Povo. Creio que todos os portugueses podem sentir essa emoção.

Cidades como a Figueira podem inspirar-se no passado, mas devem encontrar aí forças para seguir novos caminhos e vencer os desafios do futuro. A cidade que ficou conhecida pela sua notável “Praia da Claridade” tem de ver claro em relação ao futuro.

A Figueira possui condições únicas, que lhe são proporcionadas pelo estuário do mais comprido rio exclusivamente português, pelos férteis terrenos agrícolas e pelas salinas, pela maravilhosa Serra da Boa Viagem de panorama singular, pela indústria piscatória e pelo seu porto, pelo turismo, pela oferta cultural de que dispõe, pela tradição que soube impor ao longo do tempo, pela capacidade de empreender que foi capaz de atrair. Mas deve saber aproveitar todas essas vantagens de modo inovador.

As cidades de média dimensão, como é o caso da Figueira da Foz, têm tudo a ganhar com a opção por uma nova política de cidades. Uma política de cidades significa que a própria urbe se deve organizar de modo a extrair das suas forças vivas o melhor que elas podem dar.

Tive hoje oportunidade de constatar que a Figueira da Foz é uma cidade que soube criar instituições duradouras, nas quais os figueirenses se associam para prosseguir o bem comum e defender a coesão social. Todas as instituições que se têm destacado nesta cidade merecem público reconhecimento pelo seu trabalho em prol da comunidade. Louvo, em particular, as instituições centenárias que visitei, por tudo o que já fizeram pela cidade e por terem sabido encontrar uma fórmula de associação inovadora que, estou certo, continuará a ser muito frutuosa.

O seu exemplo leva-me a acreditar que os figueirenses dispõem da energia vital que é necessária para impulsionar ainda mais a vida desta cidade. Penso nos empresários, penso nos jovens, penso nas organizações da sociedade civil, penso em todos aqueles que querem o bem da sua terra e de todos os figueirenses. O verdadeiro desenvolvimento urbano nasce dessa congregação de esforços, que só é possível quando há um forte sentimento de pertença da parte dos munícipes e a afirmação de uma identidade própria.

Os órgãos autárquicos da Figueira da Foz já demonstraram que sabem qual é o caminho para o desenvolvimento e a qualidade de vida. Saúdo particularmente a participação da Figueira da Foz na Conferência das Cidades do Arco Atlântico. E destaco o facto de, nesse fórum, se procurar consistentemente desenvolver uma política de coesão e de cidades. Uma política que supõe parcerias entre cidades atlânticas e que tem procurado seguir de muito perto a política de coesão europeia.

A Conferência das Cidades do Arco Atlântico dedica especial atenção ao projecto “Europa do Mar” e espera muito da Nova Política Marítima da União Europeia. Permitam-me que vos diga que existe aí um mundo de oportunidades para uma cidade como a Figueira da Foz e para um país como Portugal.

Sublinho, apenas, o facto de a nossa identidade colectiva, ou seja, o modo como nós definimos em comum a nossa realidade e o nosso futuro, estar intimamente ligada à nossa relação com o mar. É algo que nos une, simbolicamente, como referente histórico e cultural. Dá-nos sentido. Sophia exprime-o de forma inigualável dizendo: “...metade da minha alma é feita de maresia”.

Devido à nossa situação geográfica, à nossa cultura e à nossa história, é da maior importância tudo o que se refere ao objectivo de reafirmar a identidade marítima da Europa. Ora, este é o momento de agir, porque é agora que se define o que será a Nova Política Marítima da União.

Não podemos desperdiçar a oportunidade de promover uma acção comunitária em relação às actividades marítimas. É uma oportunidade estratégica que temos de aproveitar, numa Europa cujo centro nevrálgico cada vez se afasta mais do Atlântico.

A Figueira da Foz é um dos baluartes da identidade marítima portuguesa. Acredito que, com o esforço comum de cidades como a Figueira da Foz, esforço das suas gentes, das suas instituições e das suas autoridades, será possível construir uma Política Marítima da União que reforce as identidades marítimas dos europeus. E que, assim, contribua para o desenvolvimento sustentável do País e para defender a nossa identidade nacional. Esse deve ser, repito, um objectivo estratégico de todos nós.

A Figueira da Foz saberá estar à altura da responsabilidade que advêm da sua história e das condições únicas que possui. Não tenho dúvidas de que os figueirenses estão conscientes dessa responsabilidade.

Hoje é um dia de festa. Um dia de evocação do passado, mas também de reflexão sobre o futuro. É pois, com orgulho e alegria que assinalamos os cento e vinte e cinco anos desta cidade da Figueira da Foz, e que, como Presidente da República, lhe digo PARABÉNS.