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30.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeias
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INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República por ocasião da visita oficial à OCDE
Paris, França, 16 de março de 2015

É com enorme apreço que me dirijo hoje ao Conselho da OCDE, presidido pelo Secretário-Geral Ángel Gurría, cujas palavras de acolhimento e apresentação muito agradeço.

A OCDE é-me familiar, desde os meus tempos de estudante e professor universitário, de Diretor do Banco de Portugal, mais tarde, ao exercer funções de Ministro da Finanças e Primeiro-Ministro, e, atualmente, como Presidente da República.

Gostaria de começar por transmitir, em alguns traços, a minha visão da OCDE.

Dizia Camões, o poeta português do Século XVI, arauto da primeira Navegação Global, que “todo o Mundo é composto de mudança; Tomando sempre novas qualidades”.

A OCDE, por vocação e capacidade, é a organização mais bem posicionada para analisar este Mundo de mudança, para entender as suas novas qualidades, e, sobretudo, para identificar o modo de gerir as oportunidades, os riscos e desafios que daí resultam para seus Estados Membros.

Como ficou claro com a maior crise económica e financeira das últimas décadas, ou agora, com a queda abrupta do preço do petróleo, ou ainda com as crises geopolíticas e militares no Médio Oriente, na Ucrânia e na Líbia, a incerteza e a complexidade passaram a ser variáveis incontornáveis na análise e previsão. Encorajo, pois, a OCDE a prosseguir a sua capacitação em termos de foresight ou previsão estratégica baseada em cenários e nas designadas megatrends.

Para construir um futuro melhor, importa ter presente a premissa básica da OCDE: uma economia de mercado, aberta, livre e capaz de dar iguais oportunidades aos cidadãos, de premiar a inovação e o mérito, é a que melhor serve a democracia representativa e participativa e a que mais promove a justiça e a consciência social.

A OCDE é a comunidade dos que se esforçam por produzir e partilhar as melhores políticas sectoriais, as melhores práticas, por cumprir os mais elevados critérios económicos, sociais, ambientais e energéticos, e dos que melhor promovem o comércio mundial, e a estabilidade, justiça e transparência dos mercados.

A OCDE pode e deve ser o melhor “outsourcing estratégico” para uma governança global, verdadeiramente multilateralista. Neste sentido, deve aprofundar a sua cooperação com outras instituições e outros países.

O 20º aniversário da cooperação da OCDE com a China, país que visitei no ano passado, parece ser a oportunidade ideal para um salto qualitativo e quantitativo. Também do Brasil, da Índia, da Indonésia e da África do Sul nos chegam claros sinais de progresso no aprofundamento da cooperação.

A OCDE, é minha convicção, deve também ter um olhar cada vez mais atento para África. Indo além do Cluster de Desenvolvimento, a OCDE configura-se como um parceiro natural em diversos domínios das políticas públicas, designadamente nas áreas da educação, da inovação, do investimento, do comércio, da energia e das infraestruturas.

Portugal, com a sua ligação aos países de expressão de Língua Portuguesa, tem desempenhado um papel ativo neste domínio, ao nível da cooperação bilateral. Mas muito mais pode ser feito, em conjunto, para apoiar África na promoção de um desenvolvimento sustentável.

Considero ainda que a área natural de expansão da OCDE se situa no plano multilateral, em que a Organização se configura como um singular prestador de serviços na melhor regulamentação global.

Vejo a OCDE, em particular, como o melhor laboratório mundial para ensaiar e definir soluções multidisciplinares credíveis, soluções que nos permitam ultrapassar a crise económica e financeira, na Europa e no Mundo.

Neste contexto, a OCDE pode e deve assumir um papel de proa no que se refere à gestão dos “spillover effects”, procurando o “bom contágio”, os bons “trade-offs” entre sectores e políticas.

Nestes tempos de águas agitadas, a OCDE deve continuar a ser um farol de excelência e uma referência para as reformas estruturais das economias nacionais. Reformas estruturais que, atendendo embora, naturalmente, às especificidades nacionais, devem contribuir simultaneamente para uma economia global mais inclusiva, mais integrada, mais sustentável e justa.

Não tenhamos ilusões: a fome, a pobreza, as desigualdades sociais, juntamente com a perceção de injustiça distributiva intra e entre nações, continuam a ser os maiores inimigos da democracia. Considero, por isso, muitíssimo importante o trabalho que a OCDE está a desenvolver para reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições de governança.

2015 é um ano de grandes desafios na área do desenvolvimento sustentável e do clima. A OCDE, tal como se verificou por ocasião dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, pode desempenhar um papel instrumental da maior relevância, no quadro de ação negocial das Nações Unidas, na definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na elaboração dos seus benchmarks, targets e indicadores e, sobretudo, na monitorização da sua execução.

Também no contexto da COP 21, que terá lugar aqui em Paris, em dezembro próximo, a OCDE se perfila como “best supporting ator”. Devo dizer que Portugal irá, em junho, organizar a “Semana Azul”, um evento de alto nível dedicado à Economia e Biodiversidade dos Oceanos.

Senhor Secretário-Geral,
Senhores Embaixadores,

Portugal encara a OCDE, naturalmente, como um parceiro para as reformas estruturais que tem vindo e que terá ainda de empreender no pós-ajustamento económico e financeiro. É, em larga medida, pelo conhecimento, comparado e baseado na evidência empírica, que procuramos fundar um nova economia em tempo de globalização e interdependência. Uma economia que explora novas fontes de crescimento, novas capacidades e competências, que coloca a pessoa humana no centro das decisões; uma economia capaz de criar emprego de qualidade, de forma sustentada; que aposta na inovação e nas energias limpas, que proporciona um clima propício ao investimento produtivo e à atividade empresarial.

Os relatórios elaborados pela OCDE sobre Portugal têm tido um papel muito relevante, permitindo, por um lado, uma avaliação independente das políticas públicas e reformas estruturais, e fornecendo, por outro, um benchmark para as melhores práticas internacionais. O survey “Economic Outlook - Portugal”, apresentado anualmente em outubro, é um referencial da política económica. Existem outros importantes projetos em curso entre Portugal e a OCDE, com destaque para a estratégia de competências e os indicadores de desenvolvimento regional.

Gostaria de destacar, na linha do que Ángel Gurría designa por “Go National”, aquilo que Portugal está a fazer por si próprio, mas também pela Europa.

Estes últimos quatro anos foram, como é sabido, particularmente difíceis para o meu país. Foram impostos sacríficos muito pesados aos Portugueses, com todas as consequências que daí advêm a nível social. Hoje, findo o exigente Programa de Assistência Económica e Financeira, e não tendo sido necessário recorrer a um segundo resgate, Portugal recuperou a credibilidade e o acesso aos mercados. A economia portuguesa apresenta-se mais competitiva, sustentável e integrada na economia global.

Vejamos o que conseguimos até aqui, os principais indicadores, as boas notícias.

O desemprego, que subiu muito a partir de 2009, tendo chegado a atingir valores acima de 17 por cento, iniciou uma redução rápida a partir de meados de 2013. Neste momento, situa-se em torno dos 13 por cento, pelo que temos ainda um longo caminho a percorrer. Trata-se de uma questão absolutamente central, dado o impacto pessoal e social do desemprego.

A economia portuguesa começou a crescer a partir do último trimestre de 2013. Em 2014, o crescimento económico foi de 0,9 por cento, sendo que a previsão para 2015 é de 1,5 por cento. Contudo, a recente quebra do preço do petróleo e a depreciação do euro poderão conduzir a uma revisão em alta da taxa de crescimento para 2015, para valores em torno de 2 por cento.

Num curto período de tempo, realizámos um forte ajustamento estrutural. Passámos de um défice orçamental de 11 por cento, em 2010, para um défice inferior a 4 por cento, em 2014. Para 2015, a previsão do governo é que Portugal tenha um défice orçamental abaixo dos 3 por cento. Se tal ocorrer, o País sairá do Procedimento de Défice Excessivo. Trata-se de uma meta muito importante no reforço da confiança por parte dos investidores e dos mercados. Um ajustamento orçamental desta magnitude representa um esforço de grandes proporções. Ações – não palavras – são o cimento da confiança.

Adicionalmente, o saldo primário passou de um défice de 7 por cento do PIB, em 2010, para um ligeiro excedente em 2014, que deverá aumentar para 2 por cento em 2015.

Com a conclusão do Programa de Ajustamento, uma maior estabilidade na zona Euro e a maior capacidade de intervenção revelada pelo Banco Central Europeu, os juros da dívida pública nacional têm vindo a reduzir-se para mínimos históricos.

Apesar de a dívida pública ainda atingir cerca de 129 por cento do PIB, prevê-se que a redução do rácio da dívida tenha início já em 2015. Portugal irá reembolsar antecipadamente os empréstimos contraídos junto do FMI. Os mercados têm reconhecido a sustentabilidade da nossa dívida e a melhoria substancial, quer da economia portuguesa, quer das finanças públicas. A prova disso está nas taxas de juro da dívida pública a 10 anos, atualmente abaixo de 2 por cento.

O peso do setor exportador aumentou de 31 por cento do PIB, em 2010, para 40 por cento, em 2014. As empresas portuguesas têm demonstrado uma notável capacidade de adaptação e de conquista de quotas de mercado, sobretudo fora do espaço europeu. O saldo das contas externas passou de um défice na ordem dos 10 por cento do PIB, em 2010, para um excedente que se estima ser de 2,8 por cento, em 2014.

O equilíbrio das finanças públicas e das contas externas continua a ser uma prioridade. Uma economia aberta como a Portuguesa não pode desenvolver-se se estiver amarrada a um lastro de dívida e défice excessivos.

A consolidação orçamental foi acompanhada por um conjunto de reformas estruturais que alteraram profundamente o mercado laboral e de produtos, a estrutura fiscal e judicial e o ambiente de negócios. Vale a pena destacar, neste ponto, o pacto de concertação social que permitiu concretizar as reformas num contexto de coesão social.

Na educação, temos vindo a investir no alargamento da cobertura pré-escolar, reduzimos o abandono e insucesso escolares e estendemos o ensino obrigatório até aos 12 anos de escolaridade. Diversificámos a oferta educativa, com especial relevo para a formação vocacional.

A ciência é um elemento crítico de crescimento e competitividade e Portugal e as suas comunidades científica, académica e empresarial estão a posicionar-se de modo a que o conhecimento científico possa irradiar para as empresas e para a sociedade portuguesa no seu conjunto.

No campo das ciências do mar, que tanto interessam a Portugal, verificamos que o número de cientistas é muito superior à média dos países europeus mais inovadores no domínio do conhecimento e das tecnologias dos oceanos. O Programa Horizonte 2020 será um forte estímulo para que Portugal e as suas comunidades científica, académica e empresarial assumam um papel de crescente relevo na ciência, na inovação e na competitividade.

Todos estes resultados só foram possíveis, em suma, porque investimos fortemente na recuperação da nossa credibilidade, honrando os nossos compromissos internacionais e encetando uma agenda de genuína transformação económica.

O que depende de Portugal e dos Portugueses continuará a ser feito, cumprindo os nossos compromissos. Queremos que a OCDE continue ao nosso lado como parceiro estratégico.

Mas não tenhamos ilusões: o nosso sucesso só poderá ser efetivo e completo se a Europa, a União Europeia, a Zona Euro, e, de alguma forma, a comunidade internacional, com o G20 à cabeça, também fizerem a sua parte de reformas estruturais para uma prosperidade partilhada.

Mais de 85 por cento das economias europeias é operado pelas PME, sendo que estas, nos países sob maior pressão, têm dificuldade de acesso ao financiamento. A próxima reunião ministerial da OCDE será centrada no Investimento e este debate não podia ser mais oportuno.

Portugal não deve apenas crescer mas também convergir no quadro da Moeda Única e do Mercado Único. Ora, sucede que a economia não pode crescer nem, muito menos, convergir se os mercados de crédito continuarem fragmentados, vedando-se o financiamento a projetos inovadores e com retorno apenas em função da sua proveniência geográfica.

Importa no entanto reconhecer que a Europa deu, nestes últimos anos, passos decisivos a nível da União Económica e Monetária. A Europa, ao alargar a supervisão multilateral aos desequilíbrios macroeconómicos excessivos, veio tornar claro que não basta apenas a disciplina orçamental - é fundamental coordenar as políticas económicas. De facto, não há hoje na Europa qualquer política económica – nem social, diria eu - que não tenha efeitos de spill-over. Tudo hoje pode ser contagioso, porque a interdependência é uma realidade insofismável.

Daí que Portugal defenda uma genuína União Económica e Monetária. Daí que Portugal defenda o aprofundamento do mercado único nas áreas da economia digital e da energia, assim como uma aplicação dos fundos europeus distinta, contratualizada, monitorizada, vocacionada para o emprego e para um retorno concreto. Importa ter presente que, para muitos países sob pressão, os fundos europeus, a par com os do Banco Europeu de Investimento, são a única fonte de investimento público disponível.

Portugal defende uma maior cooperação na área fiscal, ponto cuja importância a OCDE bem compreenderá. Não basta combater paraísos fiscais; é preciso maior coordenação para evitar paraísos fiscais encobertos ou praças financeiras propensas a gerar distorções graves.

Consideramos que o sucesso da Zona Euro exige uma “closer and stronger” coordenação de políticas para o crescimento e a solidariedade. Vigorando na Zona Euro um regime de câmbios fixos, é fundamental que a coordenação económica assegure que as políticas de contração da procura interna por parte dos países com défices externos sejam acompanhadas por políticas mais expansionistas do lado dos países excedentários, de modo a evitar a estagnação (ou mesmo recessão) e desemprego no conjunto da zona Euro e sacrifícios excessivos nos países deficitários.

Senhor Secretário Geral,
Senhores Embaixadores,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Portugal está a fazer tudo o que lhe compete fazer. Ainda assim, poderá não ser suficiente, especialmente se o quadro europeu não nos acompanhar neste esforço, desenvolvendo políticas de crescimento e de criação de emprego.

Para concluir, diria que a OCDE é um fórum de excelência para estudar, testar, comparar e fazer recomendações. Sejam corajosos e livres para chamar a atenção para estes novos desafios globais, para se debruçarem sobre os novos fenómenos multiplicadores de desigualdades que podem, a prazo, pôr em causa a paz e a democracia.

E é no espírito deste apelo que, no quadro do aumento da relevância global da OCDE, gostaria de vos desafiar a olharem para Sul, para além de investir estrategicamente no Sudeste Asiático. A OCDE está presente, em termos de “membership”, em todos os continentes menos em um, África, o continente com maior número de países. Aproveitem a oportunidade para dizer ao Mundo que a OCDE pretende ser global, estando em todos os continentes sem exceção. Um futuro programa regional com a África Subsaariana consolidará o papel da OCDE como ator à escala planetária.

A riqueza desta Organização reside também na diversidade social e cultural das democracias que a constituem. A vossa missão não se confina ao pensamento económico e social. O alcance é bem mais vasto e profundo: o reforço da confiança entre os cidadãos e as suas instituições de governança, através de políticas públicas de qualidade.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.