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Cerimónia de despedida das Forças Armadas
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INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República no Parlamento Europeu
Estrasburgo, 4 de Setembro de 2007

Senhor Presidente do Parlamento Europeu,
Senhoras e Senhores Deputados,

Agradeço, muito sensibilizado, o convite que me foi dirigido para estar hoje aqui. Honra-me esta oportunidade de me dirigir a todos vós, representantes dos povos da Europa, que integram a grande instituição europeia que é o Parlamento Europeu.

Conheço bem o papel decisivo que este Parlamento tem tido na caminhada de sucesso da integração europeia. Não esqueço a colaboração intensa e frutuosa com esta instituição quando, na qualidade de Primeiro-Ministro, liderei a primeira presidência portuguesa do Conselho, em 1992, cujo lema, recordo-vos, era precisamente “Rumo à União Europeia”. A contribuição do Parlamento Europeu foi fundamental, quer para tornar o mercado interno numa pujante realidade, quer para levar por diante o projecto da União Europeia saído de Maastricht.

O meu país preside agora, pela terceira vez, ao Conselho da União Europeia. E, de novo, nos confrontamos com grandes desafios. Desafios que exigem a convergência da vontade política dos Estados membros e das instituições europeias. Mais do que nunca se impõe concentrar as nossas energia e determinação colectivas no que é verdadeiramente essencial para tornar a Europa mais forte e mais coesa. É isso, afinal, o que os cidadãos europeus esperam dos seus líderes.

A presidência portuguesa fará tudo o que estiver ao seu alcance para criar a convergência indispensável ao avanço da construção europeia. Confio, em particular, numa colaboração franca e aberta com o Parlamento Europeu, como aconteceu nas anteriores presidências portuguesas.
Uma das prioridades da presidência é a conclusão do Tratado Reformador com base no compromisso alcançado no Conselho Europeu de Junho. Compromisso que saúdo como um passo muito positivo, que espero permita superar um período de alguma erosão do processo de construção europeia. Apelo, por isso, à convergência de esforços para que o novo Tratado possa ser concluído sob a presidência portuguesa.

Encerrado o capítulo negocial do Tratado, a União Europeia deverá concentrar-se, com acrescida consistência e revigorada confiança, nos desafios que preocupam os cidadãos europeus: o crescimento económico, o emprego, a segurança, o ambiente, a energia, a globalização. É esta a agenda a que a Europa tem de responder, também em nome das gerações que virão depois de nós.

Parece-me, pois, ser este um momento oportuno para sublinhar o valor da solidariedade como pilar fundamental da integração europeia. Solidariedade que é, na realidade, condição sine qua non para o futuro da construção europeia, de par com a subsidiariedade, com a qual forma o binómio de princípios verdadeiramente fundacionais. Uma solidariedade tangível, praticada, traduzida nas políticas e nas acções comuns e não uma solidariedade retórica ou usada à la carte.

Permito-me recordar aqui a declaração Schumann de 1950 que cito: “A Europa… far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”. Esta é uma referência que deve continuar a guiar os nossos passos para construir uma União cada vez mais forte e mais coesa. A perda da noção de pertença a uma União firmemente solidária é hoje um dos riscos maiores da integração europeia. Para ser uma verdadeira União é necessário preservar o sentido de comunidade que foi, e não por acaso, a designação original da construção europeia.

Uma das realizações concretas que criou “solidariedade de facto” foi o conceito de coesão económica e social, estabelecido no Acto Único Europeu, em 1986, em cuja negociação tive a honra de participar e que subscrevi como Primeiro-Ministro de Portugal.

Os extraordinários avanços da integração europeia nos últimos 20 anos não teriam sido possíveis sem as políticas de coesão económica e social. Estas políticas contribuíram para a coesão política, para o crescimento económico, para a criação de emprego, para a coesão territorial, para a igualdade de oportunidades e até para reforçar o prestígio da Europa no mundo.

Novas razões recomendam um renovado olhar sobre o princípio da coesão. Tenho presente a crescente globalização, os intensos fluxos migratórios e, também, a evolução demográfica, que induz os desequilíbrios sociais e económicos inerentes ao envelhecimento da população.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

É conhecida a tripla vertente do desenvolvimento sustentável: social, económico, ambiental. Esse é um objectivo central da integração europeia sucessivamente reafirmado nas mais diversas ocasiões, incluindo na Estratégia de Lisboa.

Nesta oportunidade, gostaria de me concentrar na vertente social e, mais em particular, no tema da pobreza e da exclusão social.

Ao princípio da solidariedade acresce uma concepção ética e moral do progresso sem a qual os valores fundadores da ideia europeia definham: a incessante busca da paz, a afirmação da liberdade e dos direitos humanos, o espírito de comunidade, o imperativo de equidade e de justiça social, a dignificação do trabalho e a procura de uma responsabilidade cívica mais alargada e mais libertadora.

A declaração inequívoca da luta contra a pobreza e a exclusão social como um objectivo europeu responsabiliza-nos a todos face à necessidade de encontrar novas soluções para problemas cada vez mais complexos e persistentes. A Agenda Social, combinada com os objectivos da Estratégia de Lisboa, configura já esse desafio ambicioso e difícil que urge enfrentar.

Recordo, a este propósito, que assinalamos este ano o 50º aniversário da criação do Fundo Social Europeu e o 10º da Estratégia Europeia de Emprego. Este é também o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades.

Enquanto Presidente da República de Portugal tenho destacado o tema da inclusão social como uma prioridade na minha acção. Durante um ano, o primeiro do meu mandato, promovi o “Roteiro para a Inclusão”, com o objectivo de sensibilizar e mobilizar os portugueses para a urgência de inflectir os indicadores de pobreza persistente, de desigualdade de distribuição do rendimento e de exclusão que afectam ainda milhares de cidadãos.

Hoje estou ainda mais convencido da necessidade de ganhar esse desafio através de soluções flexíveis e inovadoras: maior responsabilização das organizações não governamentais e dos cidadãos em geral, maior concertação entre a acção do Estado e as iniciativas da sociedade civil, reconhecimento de que as políticas de redistribuição do rendimento não dispensam, antes requerem, a criação de mais e melhores oportunidades para que todos possam partilhar os desígnios de criação de riqueza, de realização pessoal e de progresso sustentável.

Portugal está ainda longe dos referenciais médios europeus. Mas é igualmente verdade que a Europa, no seu conjunto, está ainda longe dos objectivos de coesão social que se propõe atingir e que não pode abandonar.

É certo que a inegável prosperidade da União, que os indicadores económicos e sociais têm vindo a evidenciar nas últimas décadas, tem sido acompanhada de uma considerável aproximação dos Estados membros menos desenvolvidos à média europeia.

Impõe-se, no entanto, não confundir a convergência económica dos Estados com o processo de convergência dos diferentes grupos sociais subjacente ao imperativo de equidade e de justiça social. Nesta perspectiva, há que reconhecer que os progressos foram muito limitados.

Nos cinco anos compreendidos entre 2001 e 2005 a taxa de risco de pobreza no conjunto dos países da União manteve-se nos 16%. Estamos a falar de cerca de 75 milhões de europeus cujo rendimento disponível é inferior a 60% do rendimento mediano do seu próprio país.

Se combinarmos este registo com as tendências observadas na desigualdade de distribuição de rendimento, então teremos de reconhecer que a situação é ainda menos animadora. Em 2005, e no quadro da UE a 25, o nível de rendimento dos 20% mais ricos era cinco vezes o dos 20% mais pobres. Ora, no ano 2000, essa razão era de quatro vezes e meia.

Uma leitura mais detalhada destes indicadores revela-nos que são os idosos, os desempregados – especialmente os de longa duração –, os isolados e as famílias monoparentais os grupos sociais que enfrentam maiores riscos de pobreza.

Outros grupos revelam, por seu turno, preocupantes e acrescidos riscos sociais, pelo que representam em termos de potencial de exclusão. Refiro-me às crianças, às pessoas com deficiência, aos imigrantes e às minorias étnicas.

O próprio Conselho da UE reconhece, no seu Relatório Sobre Protecção Social e Inclusão Social de 2007 que, e passo a citar, “as crianças correm um risco de pobreza superior à média na maior parte dos Estados-membros. Em alguns, quase uma em cada três crianças está em risco de pobreza. O risco agrava-se quando as crianças vivem no seio de famílias monoparentais ou desempregadas”.

É uma situação cuja gravidade não podemos ignorar.

Como é que a União Europeia, que enfrenta o risco de um envelhecimento acentuado e de uma recessão demográfica sustentada, não valoriza o seu mais importante activo que são as suas crianças e os seus jovens?

Senhor Presidente e ilustres Deputados.

Questiono-me sobre se não estaremos no limiar da eficácia das políticas tradicionais de protecção social.

As políticas de segurança e protecção social tiveram um papel decisivo no relançamento das economias após a II Guerra Mundial e na moldagem das modernas sociedades europeias. O que se consagrou com a designação de Welfare State constituiu um legado de que a própria origem da União é tributária.

Com o sucesso das políticas eminentemente redistributivas do rendimento, inspiradas na ideia do Welfare State, a Europa construiu um elevado padrão de protecção social que, apesar das muitas diferenças entre Estados, se designa geralmente por “modelo social europeu”. Mesmo com as limitações e os defeitos que lhe possam ser inerentes, a verdade é que esse modelo social integra hoje a própria identidade europeia.

Não obstante, e até para o defender, é necessário reconhecer a necessidade de o modelo social se adaptar aos novos desafios e aos novos contextos do mundo global e da sociedade de informação e do conhecimento.

As políticas nacionais de cariz predominantemente redistributivo enfrentam dificuldades cada vez maiores para produzir resultados visíveis no domínio social. A sua eficácia e sustentabilidade estão cada vez mais em causa.

Na construção das políticas sociais do futuro impõe-se valorizar a ideia de Welfare Society, em que todos, enquanto cidadãos, temos de ser mais responsáveis e solidários.

É certo que, sem crescimento económico, não haverá progresso social. Todavia, insustentável e inaceitável é o crescimento económico assente na destruição social.

O desemprego é, na generalidade dos países da União Europeia, a principal causa de pobreza. Precisamos de mais e melhor crescimento económico, que se traduza em mais e melhores oportunidades de emprego.

Facilitar a participação no mercado de trabalho, responsabilizar e dignificar o contributo de cada um na produção da riqueza e do bem-estar, num processo que já se designa de inclusão activa, é a melhor protecção que pode ser dada a um cidadão contra a pobreza e a exclusão social.

O objectivo enunciado na Estratégia de Lisboa de aumentar as taxas de emprego da União para um limiar de 70% é um imperativo social que importa ter presente, mesmo que pareça difícil de atingir até 2010.

Outra forma de protegermos os cidadãos é ajudá-los na sua qualificação, contribuir para os capacitar através da educação e da formação para enfrentar os novos desafios tecnológicos, ambientais e culturais.

Por isso, é importante que os Estados-membros inscrevam nas suas prioridades mais urgentes este desígnio comum de aumentar os níveis de educação e de formação das novas gerações e de generalizar o hábito de aprender ao longo da vida. Essa será, sem dúvida, uma vantagem competitiva que as sociedades futuras, estruturadas em torno da informação e do conhecimento vão comprovar.

Em 2010, assinalaremos o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social. Nesse mesmo ano seremos chamados a avaliar até onde fomos capazes de levar as ambições que nos impusemos em Lisboa, em 2000. Nessas ambições se inclui o objectivo de reforçar “o investimento nas pessoas e o combate à exclusão social”.

O combate à pobreza e à exclusão é um desígnio que não se confina às fronteiras geográficas da União Europeia. A dimensão externa do princípio da solidariedade é, em primeiro lugar, reflexo dos valores humanitários que inspiram o projecto europeu. Se aos tradicionais bloqueios ao desenvolvimento dos países pobres se juntam agora os problemas decorrentes da globalização, então o combate à pobreza e ao subdesenvolvimento terá de ganhar uma expressão global. Só assim poderá ter sucesso.

A União Europeia tem nesse aspecto uma responsabilidade acrescida e um capital de conhecimento e de experiência que lhe conferem uma vocação especial. Deve liderar a agenda global neste domínio.

É neste âmbito que me permito chamar a vossa atenção para a África, continente próximo da Europa, numa proximidade que vai para além da geografia e que é recomendável que consideremos e tratemos como um parceiro prioritário. A inércia da Europa em relação a África poderá ter um pesado preço estratégico para a União.

Neste contexto, confiro especial importância à próxima cimeira União Europeia – África que decorrerá durante a Presidência Portuguesa. Esta é a hora de falar com África e deixarmo-nos de falar apenas de África e dos seus problemas.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

Não quero terminar esta intervenção sem sublinhar dois temas que se me afiguram absolutamente decisivos para o futuro da União.

Em primeiro lugar, a energia e o ambiente. Estes serão, sem dúvida alguma, sectores dominantes no século XXI e da sua evolução vão emergir as novas linhas geopolíticas do mundo global. A energia e o ambiente correspondem a interesses vitais comuns e devem ser vistos como novos motores da integração europeia. Também aqui se deve construir uma forte “solidariedade de facto”. É do sucesso das políticas energética e ambiental que dependem, em muito, a eficiência económica, a segurança e a qualidade de vida da União Europeia. Neste contexto, não quero deixar de manifestar o meu apreço pela visão estratégica e pela determinação de que vem dando exemplo a Comissão Europeia e o seu Presidente, sem as quais não teriam sido possíveis os excelentes resultados alcançados nesta matéria durante a Presidência alemã.

Em segundo lugar, há uma pergunta que todos vamos fazendo: qual o papel da União Europeia na cena internacional e qual a sua contribuição na construção de uma nova ordem à escala global? Entendo que é crucial para a própria sustentabilidade do processo de integração europeia garantir as condições para que a Europa seja um actor central e influente no mundo global, multilateral e multipolar que vai emergindo. Um actor com uma voz firme, consistente, coesa. Um actor respeitado e que respeita. Um actor que saiba defender os princípios e os valores fundadores do seu modelo de economia e de sociedade.

Portugal, que foi, permitam-me que o recorde nesta ocasião, um dos países que liderou a primeira vaga de globalização económica da História, sabe bem como é decisiva para o futuro da Europa a sua capacidade de agir como actor credível e influente na cena internacional.

Concluo Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, reafirmando que o extraordinário percurso da integração europeia deve muito ao Parlamento Europeu, instituição que tem estado sempre na vanguarda da defesa dos valores e dos princípios que forjaram a identidade da Europa e que teceram a “solidariedade de facto” que os fundadores nos legaram.

Estou certo de que aqui, nesta casa, haverá a visão, a vontade e a energia necessárias para levar por diante este admirável projecto de unir cada vez mais os povos da Europa e afirmar a Europa no Mundo.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.