Bem-vindo à página ARQUIVO 2006-2016 da Presidência da República Portuguesa

Nota à navegação com tecnologias de apoio

Nesta página encontra 2 elementos auxiliares de navegação: motor de busca (tecla de atalho 1) | Saltar para o conteúdo (tecla de atalho 2)
Visita ao Centro de Formação  da Escola da Guarda (GNR)
Visita ao Centro de Formação da Escola da Guarda (GNR)
Portalegre, 11 de fevereiro de 2016 ler mais: Visita ao Centro de Formação  da Escola da Guarda (GNR)

INTERVENÇÕES

Clique aqui para diminuir o tamanho do texto| Clique aqui para aumentar o tamanho do texto
Discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Dr. José Albino da Silva Peneda
Guarda, 10 de junho de 2014

Este ano comemoramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas na nossa cidade mais alta, a Guarda.

Se no dizer de Vergílio Ferreira “Quanto mais alto se sobe mais largo é o horizonte” permito-me acrescentar que quando se vê as coisas do alto, a ilusória sensação de poder e de liberdade parece ser muito real. Por isso, cá do alto, o convite para sonhar é mais tentador.

Mais em baixo descobrimos que dos poderes, o mais forte de todos, afinal, não tem rosto. É difuso. Afirma e inquina. Chamam-lhe mercados financeiros.

Domina instituições e governos.

Conquistou influências, globalizou-se e capturou outros poderes.

A situação não é, também por isso, equilibrada.

Vivemos assim um tempo de crise, provocada pelo sistema financeiro, crise essa que é global, mas para a qual ainda não foram encontradas nem soluções globais, nem instituições globais.

Sobre a outra sensação que sentimos no alto – falo da liberdade – cá mais em baixo o que inquieta e assusta, são os números elevados do desemprego e o fenómeno de pobreza que lhe está associado e que leva à perda desse valor essencial à dignidade humana, esse mesmo, a liberdade.

Se um cidadão está impedido de aceder a instrumentos basilares que lhe permitam um relacionamento normal com os seus concidadãos, como é o caso dos que experimentam a pobreza ou os que não têm acesso a um emprego remunerado de forma justa, não é um ser verdadeiramente livre, nem pode sentir que vive numa sociedade com justiça.

O que inquieta é sabermos que esses cidadãos correm o sério risco de, com o tempo, perderem a confiança em si próprios e nos que os rodeiam.

O que assusta é sabermos que quando se perde a confiança em nós próprios, já não há mais nada a perder...


Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Neste nosso tempo, o horizonte visto de cima não augura assim calmaria.

Anuncia desafios. Desafios que se anteveem difíceis e complexos e, por isso, as respostas não podem ser simples. As respostas simples podem ser tentadoras, mas aparecem sempre carregadas de populismo.

No entanto, as respostas sendo complexas, ainda permitem o sonho...

Eduardo Lourenço, natural desta terra, disse que as respostas “precisam dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes...”

A verdade é que vivemos um tempo de transição. Procuramos novos, vários e diferentes equilíbrios.

E Miguel Torga diz-nos que “cada época é definida pelo que apresenta de novo, de especificamente seu. Pode não ser um alto pensamento filosófico, uma grande reforma moral, uma arte requintada, uma ciência generosa. Mas há-de ser a dádiva de qualquer uma dessas manifestações humanas, ou todas, numa conceção inteiramente inédita, original, inconcebível noutro tempo da história”.

Neste nosso tempo essa dádiva só pode ser construída e merecida, antes do mais, pela atitude e pelo método. Em vez de invocarmos dificuldades, temos de passar a afirmar capacidades e vontade.

Disse-o de forma lapidar Alexandre Herculano: “É erro vulgar confundir o desejar com o querer. O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os”.

A história da humanidade também nos diz que as vontades mais brilhantes concretizaram-se sempre através da interação entre os homens. Foi assim, por exemplo, com a saga dos Descobrimentos e com a chegada do homem à Lua.

Esses e outros projetos notáveis que expressaram uma vontade do coletivo tiveram sempre por base a mobilização ordenada de muitas e diferentes contribuições e a capacidade de organização para fazê-las convergir em torno de objetivos precisos.

No entanto, sabemos que sem um clima generalizado de confiança é muito difícil que sejam geradas novas ideias capazes de expressar uma autêntica vontade coletiva.

O processo de construção da vontade coletiva não pode assim deixar de compreender o significado da exigência do nosso tempo, um tempo que tem de ser de coragem, porque é tempo de assumir algumas roturas com um certo passado.

Assim terá de ser na economia, em que um modelo baseado essencialmente na produção de bens e serviços não transacionáveis, na utilização de crédito, obtido de forma ilusoriamente fácil, e na ideia de que com o aumento da despesa pública, de forma como que automática, surgiria o crescimento económico, esse modelo esgotou e não volta mais.

O País precisa de outro modelo, baseado em muito e bom investimento, capaz de gerar alto valor acrescentado em bens e serviços transacionáveis, com empresas sólidas e sustentáveis, tanto do ponto de vista económico como ambiental.

Assim terá de ser na agricultura e no mundo rural, em que a atividade agrícola e florestal é indispensável para manter um conjunto fundamental de equilíbrios na nossa sociedade, nos domínios da preservação do ambiente, das paisagens e do património e pela manutenção da presença do homem em territórios onde mais nenhuma outra atividade se localizaria.

Assim terá de ser na organização do território, em que uma linha vertical, que divide o País ao meio, obriga a uma grande reforma do Poder Local para que este possa reforçar o seu papel, que é crucial, no desenvolvimento do País, bem como a adoção de medidas de discriminação positiva a favor do interior, por exemplo, através da transferência de serviços da administração central de Lisboa para cidades do interior.

Assim terá de ser no estímulo à criatividade e à cultura nas suas múltiplas dimensões. Para além do alimento espiritual que nos é dado pela dimensão estética, há outras variadas janelas de oportunidade que se abrem no design, na reabilitação, conservação e divulgação do património, no turismo, na animação cultural, no setor formativo ou educativo e nas designadas indústrias criativas.

Assim terá de ser na abordagem da evolução demográfica, tema que dada a sua abrangência e complexidade, aconselha uma mobilização de todos os agentes económicos, culturais e sociais para, de forma estruturada, analisar e debater as diferentes opções sobre medidas a tomar.

Assim terá de ser nas políticas sociais em que a atividade do setor solidário tem de ser vista como um verdadeiro investimento na criação de redes de confiança solidárias, o que muito pode contribuir, não só para diminuir a dor dos que mais sofrem, mas também para alimentar a esperança a todos nós.

O que não deve acontecer é passar para as gerações futuras as nossas impossibilidades atuais.


Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Para quem se dedica ao que deveria ser considerada a mais nobre das atividades humanas – a política – o chamamento para o desempenho da função corporiza-se, primeiro, em ter ideias e depois na capacidade em transformá-las em ação, com vista à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

Independentemente das posturas, também ideológicas, de cada uma das partes, numa época que é marcada pela interdependência entre tudo e todos é decisivo para quem exerce atividade política compreender o mundo.

Essa compreensão será tanto mais conseguida quanto maior for a disponibilidade das instituições políticas e dos seus agentes para exibirem uma postura de grande abertura ao exterior.

A este respeito há que ter em atenção o que mostra a experiência. E ela diz-nos que as instituições que se fecham sobre si próprias deixam de ter utilidade, definham e acabam por morrer.


Senhor Presidente da República,

Vai para trinta anos Portugal aderiu à União Europeia e aos valores que o projeto europeu corporiza e que gravitam em torno do que foi a sua razão de ser, a paz e a prosperidade.

Desde aí muita coisa mudou. A União foi alargada e a Alemanha foi unificada. O mundo foi globalizado e o Euro foi criado.

No nosso tempo o novo nome da paz na Europa tem de se chamar crescimento e emprego.

Só uma sociedade equilibrada nas suas diversas componentes é que pode abrir o caminho para a afirmação dos valores associados a este novo conceito de paz.

Neste tempo de transição em que se procuram novos equilíbrios, em busca desta nova paz, a preocupação, que é acertada, sobre o equilíbrio orçamental público, não dispensa a preocupação com outros equilíbrios, também fundamentais, como são os que estão associados à dignidade humana.

As sociedades do nosso tempo são cada vez mais complexas e apresentam-se com crescentes níveis de diversidade, de mobilidade e de fragmentação.

Também, por isso, será errado que nos concentremos apenas na procura de um só equilíbrio, por mais importância que possa aparentar.

Esta busca de diferentes tipos de equilíbrios não é um caminho fácil e não pode dispensar uma visão para o País; coerência na conceção das políticas públicas; estabilidade, tempo e gradualismo na sua aplicação; e, bom senso e espírito de compromisso na ação.

As dificuldades da União Europeia podem ser ultrapassadas se as suas instituições se transformarem em poderosas máquinas promotoras de compromisso entre grandes e pequenos, entre ricos e pobres, entre o norte e o sul.

As dificuldades da União Europeia só serão ultrapassadas se existir uma maior coordenação entre políticas económicas e orçamentais.

As dificuldades da União Europeia serão mais facilmente ultrapassadas se for valorizada a dimensão social do mercado interno.

As dificuldades da União Europeia não serão ultrapassadas se os especuladores tiverem a palavra decisiva quanto ao futuro do velho continente.

John Lennon disse: “Um sonho que sonhes sozinho é apenas um sonho. Um sonho que sonhes em conjunto com outros é realidade”.

Nunca em quarenta anos de democracia as forças sociais, na multiplicidade e diversidade de interesses que representam tiveram uma leitura, tão clara, sobre a realidade nacional e sobre a forma de atuar, com vista a garantir uma mais elevada coesão social e geracional, através da vontade, formalmente expressa, sobre a necessidade de vir a ser estabelecido um compromisso, com a duração de, pelo menos, uma década que persiga de forma coordenada três grandes objetivos: equilibrar as finanças públicas, reformar o Estado e pôr a economia a crescer.


Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O Padre Tolentino Mendonça no dia em que Vasco Graça Moura nos deixou chamou-lhe “mestre do olhar” e acrescentou que o nosso tempo precisa desses mestres que possam conduzir os nossos olhos para verem mais para a frente, para mais longe...

Comecei por dizer no início desta intervenção que, cá do alto, da cidade da Guarda, sendo mais largo o horizonte, o convite para sonhar é mais tentador, e, por isso, também é mais fácil compreender o significado do que é ser “mestre do olhar”.

Do alto da cidade da Guarda o olhar diz-nos que o País precisa de um maior equilíbrio, não só na área financeira, mas também entre a economia, o território, a cultura, o ambiente e a capacidade de dialogar, especialmente com os que mais sofrem.

Do alto da cidade da Guarda também temos a possibilidade de melhor perceber que a sensação de felicidade não é tanto a de estar em cima, mas na forma de subir a rampa.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.