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INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial
Supremo Tribunal de Justiça, 29 de janeiro de 2014

Quero, antes de mais, dirigir uma saudação calorosa aos representantes do sistema judicial português, desejando a todos um Bom Ano Novo, feito de trabalho, de esperança e de sucesso.

O êxito que tiverem no exercício das vossas funções será um êxito para Portugal. Mas quero, desde já, manifestar-vos o meu apreço pela forma como têm exercido a vossa exigente missão de afirmar o valor da Justiça num tempo particularmente difícil, de adversidades e de árduos sacrifícios para todos os Portugueses.

Ao longo dos anos, esta cerimónia tem sido um momento privilegiado para que os mais altos responsáveis pelo sistema judicial procedam a um balanço e a uma reflexão conjunta sobre a Justiça do nosso País.

A Justiça, sabemo-lo bem, é essencial para a afirmação do valor da Democracia e do primado da Lei.
Os Tribunais são o poder soberano que concretiza, na sua plenitude, e em última instância, os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos.

Cabe aos Tribunais proferirem a palavra – a palavra decisiva, que por todos tem de ser respeitada – na resolução dos litígios entre os particulares, ou entre estes e a Administração, bem como na interpretação das leis e na salvaguarda dos direitos cívicos e sociais.

Neste ano de 2014, irá ter lugar a conclusão do Programa de Assistência Financeira que, em 2011, o Governo de então celebrou com as instituições internacionais que nos emprestaram os recursos imprescindíveis para que Portugal pudesse enfrentar a situação iminente de colapso financeiro a que havia chegado.

O fim do Programa de Assistência Financeira irá confrontar Portugal com a necessidade de fazer, já neste ano de 2014, opções de fundo, escolhendo caminhos de futuro que se projetam num horizonte temporal de muitos anos.

O que fizermos ou deixarmos de fazer este ano irá ter reflexos duradouros, positivos ou negativos, consoante saibamos estar, ou não, à altura da responsabilidade que a hora presente exige de todos nós.

Ao longo de um processo que impôs sacrifícios muito pesados aos Portugueses, chegámos a uma conclusão evidente: Portugal tem de se libertar, de uma vez por todas, de um modelo instável e insustentável, em que a ciclos de expansão, apoiados no excesso de despesa pública e de consumo privado, se seguem ciclos de recessão, de drástica contração das finanças públicas e do rendimento disponível das famílias.

Chegámos ao momento das grandes opções. É agora, neste ano de 2014, sem mais adiamentos ou hesitações, que teremos de escolher os nossos caminhos do futuro. A Justiça e todos os seus protagonistas não devem, nem podem, situar-se à margem desta opção de fundo.

Senhoras e Senhores,
Como todos sabem, o funcionamento da Justiça tem constituído, na última década, uma das preocupações centrais dos poderes públicos, pela persistente crise que a afeta, com reflexos na vida dos cidadãos, nos equilíbrios sociais e no desenvolvimento económico do País.

Tem sido amplamente reconhecido que Portugal enfrenta um sério problema de sustentabilidade. Além da sustentabilidade energética e ambiental, questão que se coloca a todos os países do mundo, temos de resolver desafios complexos de sustentabilidade económica e financeira, de sustentabilidade social e, até, política.

Portugal tem de ser um país credível e sustentável. Temos de ter uma economia sustentável, uma Administração sustentável e um modelo sustentável de governação.

Respeitando a legitimidade que resulta do voto popular, a alternância democrática e o espaço de ação de cada novo governo, há que procurar, em diversas áreas, pontos de compromisso de médio prazo que garantam a sustentabilidade.

A Justiça é um dos domínios da atividade do Estado em que a necessidade de compromissos alargados para um horizonte temporal de médio prazo se afigura mais importante.

As medidas a adotar no domínio da Justiça devem ser objeto de um amplo consenso político, construído em diálogo com os operadores judiciários. As mudanças nos códigos e nas leis devem ter por suporte um consenso que assegure a sua estabilidade, de modo a que as alterações introduzidas sejam devidamente avaliadas e ponderadas quanto aos efeitos que visam alcançar e não naveguem ao sabor do ciclo político ou económico.

A segurança jurídica e a confiança dos cidadãos na Justiça pressupõem a estabilidade do Direito e esta só se atinge se existir uma plataforma mínima de entendimento entre as forças político-partidárias, com o envolvimento ativo dos agentes judiciários. A experiência demonstra-o: sempre que a Justiça foi um território de conflito, sempre que a Justiça se afastou do espírito de compromisso, todos saíram a perder, a começar pelos cidadãos.

Por outro lado, o irregular funcionamento da administração da Justiça, pelo persistente atraso na resolução dos conflitos e pela imprevisibilidade das suas decisões, transmite sentimentos de insegurança institucional que afetam a credibilidade e o prestígio dos que operam no sistema judicial, atingindo um dos pilares essenciais do Estado de direito democrático.

Genericamente, a crise da Justiça tem vindo a ser percecionada pelos cidadãos e pelos agentes económicos e sociais através da morosidade na decisão dos processos pendentes nos tribunais de 1ª instância, com destaque para as áreas cíveis, laborais, do comércio, administrativa e tributária, e dos insuficientes resultados atribuídos às inúmeras reformas aprovadas, quer no plano legislativo, quer no plano administrativo e organizativo, ao longo da última década.

Os operadores judiciários e os estudos realizados têm apontado o excesso da atividade legislativa, com a complexidade e a sucessão de regimes substantivos e processuais, associado à insuficiência de meios materiais e à falta de apoio de assessorias técnicas, como os fatores que mais negativamente afetam a eficiência e a qualidade do trabalho nos tribunais.

Por sua vez, os agentes económicos e os investidores referem a morosidade do sistema judicial como um dos problemas que mais afetam o desenvolvimento económico, transformando o recurso aos tribunais num custo fortemente gravoso. A dificuldade que encontram os que pretendem legitimamente uma cobrança atempada dos seus créditos e o cumprimento dos contratos celebrados é um dos aspetos frequentemente mencionados.

Neste contexto, os sucessivos governos têm reconhecido nos seus programas a necessidade da reforma do sistema de justiça, apresentando diversas medidas legislativas e organizativas com vista a combater as pendências processuais e a morosidade na resolução dos litígios.

Sucede que a área da justiça foi, ela própria, objeto de atenção específica no Programa de Assistência Financeira, subscrito pelo anterior Governo com as entidades internacionais. Do respetivo Memorando de Entendimento constam mesmo o conjunto de objetivos a atingir, as medidas concretas a adotar no plano legislativo e organizativo e o calendário estabelecido para a sua aprovação.

Nas intervenções externas que tiveram lugar no passado, a Justiça não era identificada como uma das áreas a exigir uma atuação profunda. Pelo contrário, no Programa de Assistência em curso, o sistema judicial foi considerado um domínio especialmente relevante para a recuperação económica e desenvolvimento do País.

Verifica-se hoje que foi possível dar uma resposta positiva a este desafio, como é plenamente reconhecido nos relatórios de avaliação das entidades internacionais.

Procedeu-se, nestes últimos anos, quer a um levantamento exaustivo das pendências processuais, nas jurisdições cíveis e tributária, quer à criação de mecanismos extraordinários visando a sua diminuição.

Procedeu-se, igualmente, à revisão da legislação vigente em vários domínios, sendo de salientar, pela sua importância e pelo seu impacto no desenvolvimento social e económico, a nova legislação da Arbitragem Voluntária, as alterações ao Código de Insolvências e da Recuperação de Empresas, a revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal, e a aprovação de um novo Código de Processo Civil que, entre outras, consagrou soluções que permitiram diminuir as persistentes pendências de dezenas de milhares de ações executivas.

Senhoras e Senhores,
Tão ou mais importante do que as reformas que o País, no último triénio, levou a cabo no domínio da justiça, será a avaliação dos resultados concretos dessas reformas, na sua aplicação quotidiana pelos diversos agentes do sistema judiciário.

De igual modo, justifica-se uma reflexão aprofundada sobre os mecanismos legais de recurso à tutela cautelar, de modo a que a sua utilização não conduza, na prática, a resultados contraditórios com os seus fins. Os meios cautelares de defesa de direitos visam obter uma decisão em tempo útil, importando evitar que possam ser utilizados de forma sistemática e abusiva para paralisar, por muitos anos, o legítimo exercício da função administrativa.

Outro domínio a exigir atenção especial é o da salvaguarda do segredo de justiça. Tal como afirmei na cerimónia de abertura do ano judicial, em 2010, “é necessário que os operadores judiciários respeitem o segredo de justiça, como é imprescindível que os órgãos de comunicação social compreendam que não podem pactuar com uma situação que afeta princípios essenciais do Estado de direito, como o princípio da presunção de inocência. A investigação criminal não deve ser perturbada por fugas de informação ou interferências externas. A investigação criminal tem de prosseguir o seu caminho até ao fim, com eficácia e tranquilidade. As entidades de controlo e disciplina têm, neste domínio, que exercer uma ação mais atenta e vigilante, uma fiscalização mais rigorosa, a que se deve seguir a aplicação das devidas sanções sempre que se verifique que a lei não foi respeitada”.

Decorridos quatro anos, mantenho o que então afirmei e estou ainda mais convicto da necessidade de o segredo de justiça ser salvaguardado de uma forma rigorosa. Continuamos a assistir a violações graves do segredo de justiça, que prejudicam seriamente a investigação criminal e comprometem de forma irreparável a confiança dos cidadãos no nosso sistema de justiça.

Senhoras e Senhores,
Dentro de poucos meses será concluído o Programa de Assistência Financeira que estabelecemos com as instituições internacionais.
Como tenho vindo a insistir, desde há muito tempo, é essencial prepararmos já hoje o período pós-troika. A Justiça irá desempenhar certamente um papel relevante no crescimento da nossa economia, que é, como todos reconhecem, o elemento decisivo para a sustentabilidade do País e para o futuro das novas gerações.

Portugal terá concretizado um exigente programa de austeridade sem que tenhamos assistido a convulsões sociais idênticas às que ocorreram em países que tiveram igualmente de solicitar o apoio externo.

Em simultâneo, tudo indica que a crise não tem implicado, pelo menos de forma direta, um aumento significativo da violência e da criminalidade.

Podemos ainda afirmar que o Estado social de direito, princípio estruturante da Constituição da República, não foi ameaçado nos seus fundamentos e alicerces.

A Constituição, matriz fundadora da nossa República, não foi suspensa. Os Portugueses reveem-se no modelo do Estado social de direito e querem que este seja preservado nas suas linhas essenciais. Para que esse modelo possa ser salvaguardado, é essencial equilibrar as contas públicas, controlar o endividamento externo, garantir a estabilidade do sistema financeiro e melhorar a competitividade da nossa economia.

Com efeito, o esforço que o País empreendeu nos últimos anos só produzirá resultados frutuosos se for perspetivado num horizonte temporal de médio prazo. De pouco adianta obtermos resultados positivos numa dada conjuntura se os nossos problemas de fundo se mantiverem por resolver. Rapidamente regressaremos a uma situação semelhante àquela em que nos encontrávamos quando tivemos de solicitar o auxílio do exterior.

Estou certo de que as magistraturas, bem como todas as profissões jurídicas, se encontram hoje plenamente convencidas de que só através de um espírito de entendimento e diálogo será possível colocar a Justiça ao serviço dos seus destinatários.

Espero, pois, que 2014 seja um ano em que prevaleça o compromisso e o consenso entre os agentes políticos e os operadores judiciários. Num ambiente de tensões, nunca haverá vencedores. Pelo contrário, num clima de abertura ao diálogo, todos irão ganhar. Acima de tudo, ganharão os Portugueses. É para eles que a Justiça existe, é em nome do povo que a Justiça é administrada.

Em nome dos Portugueses e a bem do futuro de Portugal, desejo a todos um excelente Ano Judicial de 2014.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.