Discurso do Presidente da República no Seminário “A Economia Social, o Emprego e o Desenvolvimento Local”
Banco de Portugal, Lisboa, 18 de junho de 2013

Começo por saudar a iniciativa deste Seminário sobre “Economia Social, o Emprego e o Desenvolvimento”. Trata-se de uma iniciativa de reflexão e debate extremamente oportuna, sobretudo na atual conjuntura socioeconómica do País.

A economia social, geralmente identificada por Terceiro Setor, emerge entre a dicotomia clássica que opunha a esfera pública à esfera privada da atividade económica. Não constitui um movimento recente e totalmente novo, mas uma realidade que se construiu, ao longo dos anos, como alternativa aos padrões dominantes do desenvolvimento económico moderno.

Paralelamente ao tradicional associativismo assistencial e filantrópico, surgiram no século XIX novas formas de organização não lucrativa da atividade económica. É o caso do movimento cooperativo e das mutualidades, nascidos da iniciativa dos cidadãos face à limitada participação do Estado no setor social. Esta tendência afirmou-se pela cultura solidária, pelo sentido de entreajuda dos cidadãos e consolidou-se através da convergência dos seus propósitos em torno da ideia de economia social.

A segunda metade do século XX não foi especialmente favorável às organizações do Terceiro Setor. Os modelos de desenvolvimento assentes no princípio do Estado Social expandiram-se no mundo ocidental, com especial relevo na Europa. O perímetro de intervenção do Estado alargou-se, chamando a si um leque cada vez mais diversificado de funções, nomeadamente as sociais, que acabaram por suplantar as tradicionais funções de soberania.

Porém, a forma como o modelo de Estado Social se desenvolveu revelou diferenças significativas entre os diversos países. Em muitos Estados europeus, recorreu-se a configurações descentralizadas, envolvendo os recursos e as organizações de cidadãos que já atuavam junto das comunidades locais. De certa forma, essa ação descentralizada contribuiu para o fortalecimento dos laços sociais de base, valorizando a experiência e o conhecimento adquiridos ao longo de muitas décadas.

Noutros casos, em que incluo a experiência portuguesa, o modelo social foi concretizado numa perspetiva centralizadora, de intervenção direta da administração do Estado, muitas vezes marginalizando a ação das organizações de base territorial.

Duplicou-se a infraestrutura de prestação de serviços, sendo que nem por isso se ganhou eficiência ou se pouparam recursos. Mais grave ainda, criou-se uma cultura de protecionismo social protagonizado pelo Estado, desresponsabilizando de algum modo os cidadãos e menosprezando os valores da cultura cívica, da participação, do voluntariado e do espírito de solidariedade.

Quando, no início do meu primeiro mandato, lancei o desafio de um compromisso cívico para a inclusão social, fi-lo na perspetiva de retomar essa cultura participativa, de convocar o contributo dos cidadãos e das suas organizações para o desempenho de um papel mais ativo na prevenção e no combate à pobreza e aos mecanismos de exclusão social.

Considerei – e considero – ser essencial um compromisso que envolva os cidadãos, as empresas, as organizações não-governamentais, as comunidades locais e as autarquias.

Estes protagonistas da economia social podem dar resposta a carências e alcançar objetivos que o Estado revela dificuldades em suprir e atingir.

Podem, além disso, conferir uma dimensão mais humanizada à alternativa burocrática que o Estado oferece.

Para o efeito, só precisam de se organizar visando a mobilização dos recursos disponíveis, agir de forma concertada para evitar desperdícios e potenciar as vantagens da proximidade e do seu conhecimento dos laços sociais e de vizinhança.

Não se trata de privilegiar um modelo alternativo, mas antes de promover uma integração virtuosa dos dois modelos, o do Estado de bem-estar e o da economia social. O problema não consiste em optar por um ou outro caminho, mas tão-só no desafio que a realidade nos coloca de que, juntos e coesos, poderemos fazer melhor.

Ao longo dos últimos anos tenho tido o grato prazer de constatar que o meu apelo a um compromisso cívico para a inclusão social encontrou uma grande recetividade. Hoje, que vivemos tempos particularmente difíceis, podemos confirmar que essa é a aposta mais certa para construirmos uma sociedade mais solidária e mais coesa.

Na grave situação social por que passamos, o que seria de milhares de famílias portuguesas, não fora o excecional trabalho que as organizações do Terceiro Setor tem vindo a desenvolver?

O que seria dos mais de dois milhões e meio de portugueses em risco de pobreza e exclusão social não fora o espírito solidário dos seus concidadãos e, permitam-me que o destaque, o trabalho dos muito milhares de voluntários que, junto com as instituições de solidariedade, têm feito chegar uma réstia de esperança e de dignidade a quem se viu numa situação de dependência e até de miséria?

Nunca em Portugal, desde que existem registos estatísticos, se verificaram tão elevados níveis de desemprego como os que recentemente atingimos.

950 mil desempregados, o que corresponde a uma taxa de desemprego de 17,7 por cento, é um número que poucos preveriam há alguns anos atrás. Destes, 560 mil são desempregados de longa duração.

Entre os jovens, o desemprego atingiu os 42 por cento.

Perante estes números é natural que nos questionemos sobre o quadro social que temos perante nós. Não podemos resignar-nos. Não podemos silenciar esta realidade dramática.

O exemplo dado pelas organizações cívicas de solidariedade é, para todos nós, motivo de esperança. Trata-se de uma esperança que se funda em atos e não em meras palavras de circunstância. É uma esperança que nos ajuda a traçar rumos para o futuro.

Por isso, apraz-me destacar e saudar o estudo promovido pela CARITAS PORTUGUESA, visando a definição de uma estratégia de promoção do emprego e de desenvolvimento local. Tiveram oportunidade de o debater neste Seminário e decerto reconhecem que é esse o caminho que o Terceiro Setor deverá trilhar.

Com o potencial aumento do risco de pobreza, importa identificar oportunidades, mobilizar recursos, centrar sobre as políticas de proximidade o esforço de financiamento por parte do Estado. Mas, para que haja sucesso nesse esforço, é indispensável que saibamos cooperar na prossecução de objetivos comuns.

O combate à pobreza não se compadece com protagonismos mediáticos nem com voluntarismos inconsequentes. Exige racionalidade. Exige capacidade de mobilização dos recursos disponíveis, organização da ação coletiva e rigor na aplicação desses recursos.

As estratégias de combate à pobreza e às desigualdades de distribuição do rendimento terão de conciliar as ações de emergência social com as mudanças no estatuto social das populações mais vulneráveis.

As primeiras destinam-se a resolver situações urgentes, as segundas são de caráter estrutural.

As medidas imediatas terão de contar com a ação combinada do Estado e das organizações não-governamentais de caráter solidário.

As medidas estruturais terão de privilegiar a recuperação do atraso na educação e a criação de um sistema de oportunidades que permita o retorno do investimento feito pelas famílias e pela Estado na qualificação das novas gerações.

É esse o desafio que a economia social terá de enfrentar: criar mais oportunidades de inserção, aumentando o seu contributo na produção da riqueza nacional.

As crises económicas, com particular destaque para a crise que atualmente vivemos, são propícias à expressão do desalento e da descrença. Mas são também ocasiões propícias para, de forma convicta e determinada, reencontrarmos os caminhos da esperança coletiva e da dignidade humana.

Temos de extrair lições da atual crise, para construirmos juntos um Portugal melhor, um Portugal com mais liberdade e justiça.

Para vivermos num Portugal melhor, sei que podemos contar com o vosso inestimável contributo.

Muito obrigado.