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Rio Maior, 3 de fevereiro de 2016 ler mais: Visita às salinas

INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Dr. José Albino da Silva Peneda
Elvas, 10 de junho de 2013

Este ano comemoramos o Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas na bela cidade de Elvas, que viu a inscrição do bem “Cidade-Quartel Fronteiriça de Elvas e suas Fortificações” na Lista do Património Mundial, o que é motivo de orgulho para todos os portugueses.

Este Património, se significou no passado um sinal de separação, hoje é um convite à entrada e ao encantamento de todos quantos visitam Elvas e o nosso país.

Escolhi como tema da minha intervenção a importância em nos sabermos entender com os outros e, sobretudo, com nós próprios. A História ensina que a concretização das ideias mais brilhantes aconteceu sempre como resultado da interação entre os homens. Foi assim com a epopeia das Descobertas, com a chegada à Lua e com a revolução operada no mundo das telecomunicações.

O sucesso da empresa dos Descobrimentos portugueses baseou-se no compromisso entre diferentes artes e saberes, que ajudou a congregar cartógrafos, marinheiros, astrónomos e outros cientistas. Foi esse espírito que esteve na base do domínio da informação sobre os mares, as grandes massas de terra, os regimes de ventos e correntes e a forma de percorrer grandes distâncias em segurança.

Foi esse espírito que permitiu o desenvolvimento da nossa notável capacidade de ir e voltar trazendo a informação para casa, o que possibilitou que Portugal tivesse sido dos primeiros povos verdadeiramente globalizadores.

Foi esse mesmo espírito que fez com que praticamente nenhuma parte do planeta nos seja estranha.

Foi também esse espírito que contribuiu para que, nos anos setenta do século passado, quase um milhão de portugueses chegados de África, em condições dramáticas, se tivesse integrado na nossa sociedade sem grandes convulsões sociais.

Foi ainda com esse espírito que as nossas comunidades no exterior têm sido apreciadas pela forma como se integraram e integram com outras culturas, por vezes tão distintas das nossas.

Se tivéssemos que responder ao Padre António Vieira sobre quem somos, ele quereria uma resposta sobre o que havíamos feito porque – dizia ele – “o que fizerdes sois”. Pois seja. A resposta é a seguinte: ao longo de séculos fomos um povo fazedor de pontes. Disse-o Jorge de Sena (passo a citar) “Todos os impérios europeus se desfizeram e a nossa vez haveria de chegar. Mas as nossas qualidades conduziram a uma extraordinária sobrevivência das raízes portuguesas por todo o lado, de um modo que nenhuma outra potência europeia poderia sonhar” (fim de citação). Quando, nos Lusíadas, Vasco da Gama se dirige ao Samorim e lhe propõe as bases de um tratado comercial, está a construir uma ponte entre a cultura, a economia e a mudança de mentalidades da época.

Fê-lo da seguinte forma:

“E se queres, com pactos e lianças
De paz e de amizade, sacra e nua,
Comércio consentir das abondanças
Das fazendas da terra sua e tua,
Por que creçam as rendas e abastanças
(Por quem a gente mais trabalha e sua)
De vossos Reinos, será certamente
De ti proveito, e dele glória ingente”.

Digamos pois que a busca do compromisso é uma componente indissociável da nossa cultura.

Quem confirma este nosso jeito de ser é o Bispo D. Manuel Clemente, que escreveu o seguinte (passo a citar): “Temos por dentro muitíssimo mundo, consolidado em sucessivas experiências, em que a convivência acabou por ganhar às lutas” (fim de citação).

Assim sendo, face às atuais circunstâncias do País, a primeira ideia que me ocorre é que temos de procurar reabilitar esse nosso património de saber fazer pontes, de estabelecer compromissos, para que Portugal não continue a exibir, como escreveu Vasco Graça Moura, “Esta oscilação pendular entre a euforia e o desencanto”.

Senhor Presidente da República,
Senhoras e Senhores,

Depois de uma crise nunca se regressa ao ponto de partida. As crises conduzem sempre à renovação e à obtenção de novos equilíbrios.

No nosso caso as dificuldades são acrescidas porque vivemos um tempo de transição, marcado pela perda de autonomia financeira, por alguns equívocos, muita dor e alguma dose de injustiça.

A dimensão da reforma é imensa. Precisa de tempo, de coerência e de ser compreendida.

O País só tem a ganhar se for capaz de definir uma visão de médio prazo, assente em políticas estáveis e consistentes e, tanto quanto possível, tendo por base elevados graus de compromisso aos níveis político e social.

Se esta ideia do espírito de compromisso tem muito a ver com as nossas raízes, não deixa também de poder ser apresentada como um caminho de modernidade.

Com efeito, a nossa sociedade foi-se tornando mais complexa, mais diversificada e com maiores graus de mobilidade e fragmentação. Foram surgindo novos grupos que protagonizam novos interesses e que reclamam a sua participação, nomeadamente na definição de políticas públicas.

Esta evolução aconselha a dinamização de processos de diálogo estruturado que, se forem desenvolvidos de forma adequada, podem contribuir para a remoção de barreiras sem sentido, evitar o desperdício de energias e recursos, atenuar tensões sociais e ajudar à dignificação do sistema político.

Quanto à atenuação das tensões sociais, sabemos que a conflitualidade faz parte da vida de qualquer sociedade. Do que se trata é de privilegiar um método que permita resolver os problemas daí decorrentes, não por imposição, mas através do compromisso. Quanto à dignificação do sistema político, a ideia de modernidade consiste em aceitar que a legitimidade que resulta do voto poderá sair reforçada ou não, conforme o poder político seja mais ou menos capaz de saber construir pontes com outros centros de poder.

Deste modo, os processos de diálogo estruturado não podem ser vistos nem como uma tentativa de neutralizar o confronto ideológico, nem como um processo concorrente com os mecanismos da democracia formal.

Enquanto a democracia formal é um terreno de confrontação entre maioria e minorias, sendo que estas últimas têm como ambição um dia serem maioria, nos processos de diálogo estruturado as coisas passam-se de forma diferente. Nesta sede não se procuram vencedores, nem vencidos, mas antes a busca do compromisso.

Senhor Presidente da República,
Senhoras e Senhores,

Para que as interações entre diferentes áreas de saberes, profissões, instituições e todo o tipo de interesses aconteçam é fundamental a existência de um certo nível de confiança nas relações interpessoais.

Temos de aceitar que nos nossos dias esse nível é baixo e só poderá subir se as formas de diálogo forem baseadas na verdade. Só a verdade, capaz de incidir sobre a realidade, é que pode oferecer esperança.

Seguramente que aos promotores das reformas é exigido uma elevada dose de coragem e visão. Mas pode não chegar. Muitas vezes, essas qualidades terão de ser temperadas com gradualismo e bom senso.

Estes fatores não abundam, não se compram, nem se decretam. Conquistam-se, através de um método que seja capaz de tecer relações e de obter compromissos sólidos.

A filósofa espanhola Adela Cortina, que foi residente na Universidade do Porto, disse “Gostaria de poder lembrar aos agentes políticos e económicos que a cooperação é muito mais inteligente do que o conflito. É uma questão de inteligência, nem sequer é uma questão de bondade” (fim de citação).

A questão do compromisso também se aplica à Europa.

A paz e a prosperidade na Europa só foram possíveis porque a oração em que se rogava para que a guerra nunca mais voltasse, foi transformada no projeto de integração económica e política, cujos efeitos benéficos se repercutem até hoje.

Nesse sentido apontou Francisco Lucas Pires, (passo a citar) “...a paz na Europa não foi conquistada pelas armas, mas sim através de uma atitude de vontade e inteligência e não como um produto de uma simples necessidade ou automatismo...” (fim de citação).

O percurso do projeto europeu foi desenvolvido através de uma grande diversidade de interesses, culturas e tradições e de diferentes olhares sobre o mundo e nele foi-se moldando um certo tipo de identidade europeia, baseada num sentimento que sendo de pertença, é essencialmente de partilha e de compromisso.

Nos últimos tempos, a União Europeia parece preferir ir andando de acordo com os interesses dos seus membros mais poderosos, desvalorizando estes valores fundamentais.

Trata-se de uma deriva grave que, se não for corrigida a tempo, corremos o sério risco de desbaratar a preciosa herança que nos foi legada por aquela oração.

Senhor Presidente da República,
Senhoras e Senhores,

O trabalho, com direitos e deveres, é o principal fator de coesão numa sociedade.

Quando se atinge níveis de desemprego como os que se verificam no nosso País começa a pairar uma séria ameaça sobre as formas de convivência que sustentam uma comunidade organizada.

Se a perda de rendimentos é grave, pior é o que está por detrás de muitas situações, que têm a ver com a falta de confiança nos próprios, nos que os rodeiam e na degradação das relações sociais.

Daqui ao medo é um pequeno passo. E, como disse Frei Bento Domingues, “o medo, enquanto tal, é paralisante”.

Permito-me acrescentar que se é verdade que o medo fomenta a paralisia, é o compromisso que pode gerar a criatividade.

Por isso, independentemente da definição de políticas nacionais, a abordagem dos problemas relacionados com a pobreza e exclusão social precisa de plataformas de compromisso geradas na base de soluções locais, de proximidade, olhos nos olhos que só uma relação profundamente humanizada pode proporcionar.

Senhor Presidente da República,
Senhoras e Senhores,

Uma só ideia não mudará o País. Será da interação entre muitas e diferentes ideias que o pêndulo, de que fala Vasco Graça Moura, poderá abandonar o canto do desencanto e encontrar o ponto de equilíbrio.

Para que as ideias fluam e os agentes económicos, sociais e culturais interajam entre si, sem qualquer espécie de temor, é desejável que o País seja capaz de reencontrar esse ponto de equilíbrio, através de um empenho muito aturado em torno da construção de um grande compromisso, que comece por reconhecer os erros e desvarios cometidos no passado recente.

Um grande compromisso que:

  • Reforce a confiança nas instituições, nos mercados e nos agentes políticos.
  • Fomente a transparência nos sistemas financeiros, nos grandes negócios em que intervêm os poderes públicos, nas relações entre Estado e cidadãos e no sistema judiciário.
  • Potencie o colossal investimento feito nas novas gerações e na ciência e tecnologia.
  • Portugal precisa de um compromisso baseado numa visão de médio prazo, consistente e realista, que forneça um enquadramento mobilizador aos agentes económicos e sociais.
  • Que dê esperança aos que mais sofrem.
  • Que, face à União Europeia, defina uma estratégia, que garanta a observância dos valores de convergência económica e social.
  • Que mobilize a nossa diáspora, unida pelo traço comum da marca da portugalidade.
  • Que reforce a coesão no Continente e com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
  • Um compromisso que reabilite a nossa relação com os valores identitários, os valores éticos, os valores cívicos, os valores culturais.

O nosso destino coletivo não se perde apenas quando não é gerido por nós.

Perde-se, quando desistimos de nos reencontrar.

Muito obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.