Discurso do Presidente da República na Sessão de Homenagem a Vasco Graça Moura
Fundação Cupertino de Miranda, Porto, 15 de junho de 2012

Foi com muito gosto que aceitei participar nesta homenagem a Vasco Graça Moura, promovida por alguns dos seus muitos amigos e admiradores.

A amizade que a ele me liga vem de há muitos anos. E a admiração que tenho pela sua pessoa e pela sua obra é, com certeza, ainda mais antiga.

Não podia, por isso, deixar de vir hoje ao Porto, sua terra natal, e juntar-me a todos aqueles que quiseram estar presentes nesta festa, para assinalar os 50 anos de vida literária de Vasco Graça Moura.

Pediram-me para dizer algumas palavras. Contudo, perante um curriculum tão extenso e uma biografia tão preenchida como as do homenageado, assaltou-me uma dúvida: que poderei eu dizer que não tenha já sido dito, quer nesta mesma sessão, quer em publicações as mais diversas, por autores avalizados nos muitos campos em que o homenageado tem desenvolvido a sua atividade?

Será que devo falar do escritor, ou do político?

Do gestor cultural, ou do colunista?

Do tradutor de clássicos, ou do autor de letras para fados?

Do Graça Moura consensual, que desempenhou e desempenha altos cargos da nossa administração pública, ou do Graça Moura controverso, polemista inflamado, que não poupa os seus adversários, quando se bate por aquilo em que acredita?

Convenhamos que não é fácil encontrar o ângulo exato para fazer um retrato à altura de personagem tão multifacetada.

Felizmente, eu não vim aqui apenas a título privado, para reiterar o meu respeito e admiração pela pessoa e a obra de Vasco Graça Moura.

Vim também para lhe testemunhar publicamente o reconhecimento dos portugueses, por tudo quanto ele tem feito pela nossa cultura, pela nossa língua, em suma, pelo nosso País. E desse ponto de vista, a minha tarefa está facilitada.

A figura de Vasco Graça Moura agiganta-se com tal nitidez na paisagem intelectual portuguesa, e mesmo europeia, que não são precisos mais encómios para confirmar a sua verdadeira dimensão e justificar esta homenagem que hoje lhe prestamos.

Tentarei, pois, limitar-me ao essencial.

Graça Moura é acima de tudo um poeta e um romancista, que deu à literatura portuguesa do último meio século algumas das suas páginas mais belas e originais. Muitas dessas páginas, não por acaso, encontram-se já traduzidas em várias línguas.

Graça Moura tem, além disso, dedicado quer à literatura, quer à pintura e à história portuguesas, vários ensaios que são referência obrigatória nos estudos sobre a nossa cultura. Recordo, a título de exemplo, a erudição, a minúcia e a imaginação, que se encontram patentes nos seus estudos sobre Camões.

Graça Moura é igualmente o tradutor de algumas das obras mais emblemáticas da cultura europeia. Dante, Petrarca, Shakespeare e muitos outros autores, cujas obras fazem parte do património da humanidade, foram por ele recriados em língua portuguesa. Só alguém com a tenacidade, os conhecimentos e, por que não dizer, o génio de um Graça Moura, poderia traduzir esses autores como ele o fez, de uma forma que talvez não encontre similar em outra língua.

Poeta, romancista, ensaísta, tradutor, em qualquer dos géneros literários por que se aventura, Graça Moura tem sempre o condão de ser simultaneamente fiel às raízes portuguesas e à grande cultura europeia.

Fala do Porto e de Matosinhos, como de Florença ou de Bizâncio.

Escreve sobre o Tratado de Tordesilhas, com a mesma subtileza com que escreve sobre Graça Morais.

Fala e escreve apaixonadamente sobre Camões, e considera o Poeta a mais importante personalidade da nossa história, mas, ao mesmo tempo, realça a forma como Os Lusíadas incorporam a cultura antiga e o saber do seu tempo, assumindo as dimensões de uma obra universal.

Recordo palavras suas, escritas há já alguns anos: «a primeira chave da universalidade de Camões está em ele ter sabido ser um poeta europeu». Creio que estas mesmas palavras se poderiam também dizer a respeito do próprio.

Toda a obra de Graça Moura está, de facto, impregnada de valores europeus, respira a civilização e a cultura do Velho Continente, pensa Portugal no horizonte de uma Europa das pátrias.

Foi, por isso, sem grande surpresa que o vimos ser, durante uma década, um brilhante eurodeputado, da mesma forma que já o tínhamos visto desempenhar, com idêntico brilho, funções de relevo na Assembleia, no Governo e em diversas instituições públicas.

Minhas senhoras e meus Senhores,

Reza a história que Petrarca foi um dia visitar a sua terra natal, e os amigos organizaram uma festa e levaram-no a visitar a casa onde nascera, garantindo-lhe que a cidade nunca iria permitir que alguma vez se mexesse naquelas paredes ou naqueles móveis. Meu caro Vasco, nem eu nem os seus amigos que aqui se juntaram para o homenagear podemos garantir ao tradutor de Petrarca que a cidade do Porto irá preservar as suas origens, na Foz do Douro, com o mesmo escrúpulo com que a cidade de Arezzo queria preservar as do seu poeta.

O que lhe podemos garantir, além da nossa admiração e amizade, é que a sua obra tem desde há muito lugar cativo na literatura portuguesa, e que o seu trabalho em prol da nossa cultura não foi em vão.

Esperamos, sinceramente, que ele prossiga, com a mesma energia e a mesma fecundidade.

Esperamos, enfim, que o Testamento que Vasco Graça Moura, um pouco precipitadamente, escreveu em 2002, continue, por muitos e bons anos ainda, a ser apenas aquilo que sempre foi: mais um dos seus magníficos poemas.

Obrigado.