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INTERVENÇÕES

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Discurso do Presidente da República nas Comemorações dos 550 Anos da Morte do Infante D. Henrique
Lagos, 13 de Novembro de 2010

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagos,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Senhor Chefe do Estado-Maior da Armada,
Senhoras e Senhores,

No dia em que se completam 550 anos sobre a morte do Infante D. Henrique, reunimo-nos em memória do Navegador. Nós, portugueses, bem sabemos de quanto lhe somos devedores.

A sua presença é ainda hoje sentida em todo o Portugal e, em singular medida, nas Terras do Infante. Recordo a homenagem que lhe prestei quando decidi, como Primeiro-Ministro, dar o nome de Infante de Sagres à auto-estrada que liga o Algarve ao resto da Europa. Quis, com este gesto, continuar a rota do Infante D. Henrique, que daqui abriu Portugal ao mundo.

Lagos foi o berço de um sonho que extraiu mundos do mar. Destas praias partiram as caravelas do filho de D.João I. As mesmas caravelas que depois retornavam com novas das terras e dos homens desconhecidos.

Navegadores, cientistas e mercadores de “desvairadas nações de gentes tão afastadas do nosso uso”, todos eles, assinalava Gomes Eanes de Zurara, ansiosos “de ver a formosura do mundo”, povoavam estas ruas onde se ouviam falares exóticos e se discutiam os feitos dos homens de D. Henrique.

Escutavam-se os relatos das últimas viagens. Estudavam-se as cartas e as rotas, os céus e os mares. Questionavam-se as certezas da sabedoria medieval.

Astronomia, matemática e geometria conjugavam-se para produzir os conhecimentos práticos que tornavam possível a próxima viagem, aquela que permitiria ir um pouco mais além. Assim se cumpriu a ambição do Infante, indo sempre um pouco mais além.

Nos primeiros tempos foi necessário ultrapassar as amarras da lenda e do medo e superar os estreitos limites do saber fundado na autoridade.

A vontade foi mais forte que a lenda e o medo e mostrou que navegar podia ter ida e volta, ao contrário do que dizia a tradição do Mar Tenebroso.

Poderá um só indivíduo mudar o curso da história? Terá um único ser humano a possibilidade de instaurar algo de novo na vida de todos os outros seres humanos? E de assim afectar o destino de todo um povo?

Um indivíduo pode ser a força vital por trás de certos acontecimentos que mudam a história. Aquele cujo sonho amadurece no tempo certo.

Marinheiro e missionário, sonhador mas prático, movido por ideais de cavalaria e pela vontade de saber, foi um ser humano com todas as suas contradições, colocado numa situação extraordinária. Ou, indo mais fundo, foi um ser humano que, pelo peso da sua personalidade, fez extraordinária a situação que viveu. Porque não se limitou a sonhar e passou à acção.

O Infante não aceitou nunca os limites que a terra nos queria impor. E, por isso, encontrou no mar um destino. Para nós foi, acima de tudo, o descobridor da vocação atlântica de Portugal.

Quando começou, todos os problemas estavam por resolver. Dele foi o primeiro empreendimento pensado, organizado e, sobretudo, duradouro. Por quarenta anos se navegou em nome de D. Henrique.

Foi um empreendimento longo, que soube inspirar com temeridade e pertinácia.

É reconhecido por todos como o primeiro grande impulsionador das viagens de exploração marítima. Estendeu os limites do mundo e foi também o autor moral de uma das maiores transformações a que a humanidade assistiu.

Na Europa nada se sabia ao certo dos mares, nem das terras, nem das gentes. Antes dele, a dispersão, o isolamento. Depois dele, a descoberta mútua e o deslumbramento causado pela diversidade dos modos de vida e pela compreensão da unidade essencial do homem.

Foram dados os primeiros passos, os decisivos porque mais difíceis, para promover a união dos ramos separados e distantes da grande família humana. Pela primeira vez, a história tornou-se história universal.

São justas e devidas as palavras que Fernando Pessoa dedicou ao Príncipe do Mar:

O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

Nada representa melhor esse mundo novo que amanhecia do que a estória das primeiras crianças nascidas nas ilhas atlânticas, os gémeos filhos de Gonçalo Aires Ferreira, servidor da Casa do Infante e um dos primeiros povoadores insulares.

Ao menino foi-lhe dado o nome de Adão e o de Eva à menina, como se aquelas crianças fossem os símbolos de um recomeço, de uma nova idade do homem na terra.

A nova idade em que todos os povos começavam a estar em contacto, partilhando ideias e valores, promovendo a troca de conhecimentos e de bens.

Sabemos hoje que o encontro de povos e de culturas oferece oportunidades sem fim. Mas também sabemos que esse encontro pode ser um confronto.

Uma cultura viva e fiel às suas origens, uma cultura que fomente a criatividade na ciência, na economia, na arte, na espiritualidade, faz desse encontro um impulso criador que dá forças para vencer.

De D. Duarte, o irmão do Infante que foi Rei, ouviram-se palavras avisadas no Leal Conselheiro:

“A barca firme e segura e forte e bem aparelhada, o estado das virtudes é, em que mui poucos perecem e podem navegar seguramente e passar sem perigo pelas ondas da tormenta deste mundo a porto seguro.”

Contra ventos e marés, sei que seremos capazes de arribar a porto seguro. Assim saibamos navegar e, como venho insistindo, tirar partido do mar.

Mas falta largar do cais. Falta, para ir mais além, ter de novo a visão e a capacidade para decidir dar os primeiros passos de um empreendimento secular.

Temos, de novo, de colocar o mar no nosso futuro, como do fundo do passado D. Henrique sonhou para todos nós, que habitámos estes 550 anos.

Celebremos o nosso Henrique Navegador, com o coração aparelhado para que se cumpra Portugal.

Obrigado.

© Presidência da República Portuguesa - ARQUIVO - Aníbal Cavaco Silva - 2006-2016

Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

Os conteúdos aqui disponíveis foram colocados na página durante aquele período de 10 anos, correspondente aos dois mandatos do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.