Prefácio do Presidente da República no livro de intervenções “Roteiros III”
Março de 2009

A crise económica e financeira

Os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia portuguesa, em particular sobre o desemprego e sobre o risco de pobreza e exclusão social, dominaram as minhas preocupações no terceiro ano de mandato como Presidente da República, período a que se refere o conjunto das intervenções reunidas neste livro.

No quadro das minhas competências e no respeito pela acção de quem detém a responsabilidade de governar, definindo e executando as políticas públicas, procurei contribuir para minorar os custos económicos e sociais da crise e para que o País trilhe um caminho que permita vencer os desafios com que está confrontado.

O abrandamento da economia portuguesa que se tem vindo a verificar não me surpreendeu excessivamente.

Primeiro, porque se tornou claro, desde o segundo semestre de 2007, que se estava perante uma deterioração acentuada do sistema financeiro internacional, a qual, apesar da sua origem localizada, teria consequências inevitáveis sobre a economia global.

No Verão de 2007, começaram a ser conhecidos os elevadíssimos prejuízos registados por grandes bancos internacionais, sediados em países desenvolvidos, resultantes, sobretudo, de erros de avaliação do risco de aplicações financeiras relacionadas, em particular, com produtos do mercado norte americano de crédito hipotecário à habitação (o chamado subprime).

A perda de confiança dos investidores que se seguiu levou a uma quebra acentuada da liquidez dos mercados financeiros e dos mercados monetários interbancários, a uma forte turbulência nas bolsas de valores, ao agravamento da crise do mercado imobiliário e, consequentemente, à redução do crédito e deterioração das condições de financiamento das economias.

Daí às intervenções de emergência das autoridades monetárias e dos governos em instituições bancárias com graves problemas de liquidez e solvabilidade, e à falência de outras, foi um passo relativamente curto.

A intervenção do Banco de Inglaterra no banco Northern Rock ocorreu em Setembro de 2007 e a falência do banco Lehman Brothers, em Setembro de 2008, provocou o colapso, à escala global, da confiança no sector bancário.

Desde muito cedo que se tornou óbvio para mim que uma crise do sistema financeiro internacional de tal dimensão não poderia deixar de vir a ter consequências muito negativas sobre os níveis de produção, o emprego e as condições de vida das famílias.

Bastava ter presente a função vital que, numa economia de mercado, cabe ao sistema financeiro: facilitar os pagamentos e intermediar a utilização da poupança, captando-a junto dos aforradores, sob a forma de depósitos e outros instrumentos, e canalizando-a para os investidores, sob a forma de empréstimos. É por isso que uma perturbação grave no funcionamento do sistema financeiro dificulta, ou impede mesmo, o crescimento da economia.

A segunda razão por que não me surpreenderam excessivamente os efeitos da crise financeira internacional em Portugal reside no facto de a mesma ter chegado quando a economia portuguesa ainda apresentava vulnerabilidades estruturais sérias, conhecidas, de resto, da generalidade dos economistas atentos da realidade do País.

Se dúvidas houvesse, bastaria ler os primeiros parágrafos das Conclusões Preliminares da Missão do Fundo Monetário Internacional, de 14 de Julho de 2008 (disponível em [www.bportugal.pt] ): «A deterioração da conjuntura económica mundial está a prejudicar a recuperação de Portugal, mas os problemas fundamentais que condicionam a economia portuguesa são de raiz interna: amplos défices da balança corrente e orçamental; nível elevado da dívida das famílias, das empresas e do sector público; e um significativo hiato em matéria de competitividade. Portugal tem estado a viver acima das suas possibilidades desde há muitos anos, obtendo financiamento do resto do mundo através do sistema bancário, aumentando o endividamento externo. Porém, embora a participação na União Económica e Monetária altere a natureza da restrição externa, não a elimina: a acumulação de um passivo externo líquido não pode continuar indefinidamente.»

O meu empenho em ajudar o País e os Portugueses a enfrentar as dificuldades tem-se processado de múltiplas formas.

Entendi que é importante falar verdade aos Portugueses, de modo a induzir comportamentos que permitam atenuar os efeitos da crise e preparar um futuro colectivo mais próspero e mais justo. Só conhecendo a verdade da situação económica do País e dispondo de informação correcta podem as pessoas tomar decisões certas e ponderadas, que protejam o seu futuro e o dos seus filhos. Como disse na cerimónia de Comemoração dos 98 Anos da Proclamação da República, «a verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença».

Ao mesmo tempo, tenho procurado incutir nos Portugueses ânimo e vontade de vencer as dificuldades, apelando ao trabalho, ao sentido de responsabilidade, ao empreendedorismo, à criatividade, à união de esforços.

Aos jovens, tenho dirigido palavras de estímulo à aquisição das competências e qualificações exigidas pelos tempos em que vivemos e apelado a que, perante a dificuldade em conseguir o primeiro emprego, não se deixem vencer pela descrença e acreditem nas suas capacidades.

Tenho chamado a atenção dos empresários para a necessidade de aproveitarem as oportunidades que sempre existem em tempo de crise, para não adiarem os projectos de investimento que são claramente rentáveis, principalmente nos sectores vocacionados para a exportação, para que apostem na qualidade, na inovação, no desenvolvimento tecnológico e na qualificação dos recursos humanos, por forma a melhor enfrentarem a concorrência na economia global. É na produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira que se joga a capacidade competitiva do País e, consequentemente, a contenção do endividamento externo.

Junto de responsáveis políticos e agentes económicos estrangeiros, tenho procurado evidenciar as potencialidades do País e contribuir para a melhoria da sua imagem no exterior.

Aos Portugueses que se encontram em situações particularmente difíceis, tenho expressado a minha solidariedade, defendendo, ao mesmo tempo, uma atenção particular, por parte dos poderes públicos, para com as regiões do País mais atingidas pela crise e a constituição de uma reserva para fazer face a eventuais situações de emergência social.

Tenho manifestado o meu apoio às organizações e instituições de solidariedade social, que trabalham afincadamente para responder ao acréscimo de solicitações de pessoas em situação de pobreza e de pedidos de ajuda para satisfação de necessidades básicas.

Na situação que o País atravessa, o Presidente da República não pode limitar-se ao diagnóstico, havendo que ter presente, no entanto, que não lhe cabe legislar ou governar. Nesse sentido, tenho procurado apontar o caminho que Portugal deve seguir para ultrapassar a quase estagnação em que tem vivido e voltar a aproximar-se, de forma sustentável, do nível de desenvolvimento médio dos nossos parceiros europeus. Tenho sublinhado, em múltiplas ocasiões, as prioridades estratégicas da política nacional que, em meu entender, nos permitem construir um futuro mais promissor.

Como Presidente da República de todos os Portugueses, entendo que devo defender também os interesses das gerações mais novas, daqueles que ainda não têm idade de votar. As decisões que se tomam no presente não podem ignorar os seus efeitos no futuro. Não temos o direito de deixar aos nossos filhos – e aos filhos dos nossos filhos – um passivo que tenham dificuldade em suportar, condenando-os a um nível de vida inferior àquele que os nossos pais nos proporcionaram.

É importante que os poderes públicos tenham presente a situação em que se pretende que o País se encontre quando a crise financeira internacional estiver ultrapassada, de modo a que as possibilidades de desenvolvimento futuro não fiquem comprometidas. Se, em comparação com os países concorrentes, a capacidade competitiva das empresas portuguesas não tiver melhorado e o sector exportador estiver mais fraco, tudo será ainda mais difícil.

Por outro lado, tenho reforçado o meu apelo para que os agentes políticos, no respeito pelas diferenças e pelo debate de ideias, deixem de lado querelas e divisões estéreis e procurem cooperar e juntar esforços para que o País vença as dificuldades e possam ser dadas perspectivas mais promissoras aos Portugueses.

Quando todos os esforços devem estar centrados na recuperação do atraso económico, no combate ao desemprego e ao risco de pobreza e de exclusão social e na redução das disparidades de rendimento, quando é necessário mobilizar e unir o País para vencer as dificuldades, é de todo incompreensível que a agenda política seja desviada para temas que provocam fracturas na sociedade portuguesa, que dividem os Portugueses e distraem a sua atenção da resolução dos problemas nacionais.


O Presidente da República e as Regiões Autónomas

Portugal é um Estado unitário, que «respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular», nos termos do artigo 6º da Constituição.

Esta solução constitucional, pela qual já por diversas vezes manifestei o meu apreço, é, sem dúvida, a que melhor corresponde à natureza do Estado português, à configuração do nosso território e aos legítimos direitos e interesses das populações insulares. Ao fim de trinta anos, o regime autonómico afirmou-se como uma das mais frutuosas realizações da nossa democracia, tendo contribuído decisivamente para o progresso económico e social dos Açores e da Madeira.

As competências que a Lei Fundamental atribui ao Presidente da República no que se refere às Regiões Autónomas correspondem à marcação das eleições dos deputados às Assembleias Legislativas, ao envio de mensagens a tais Assembleias e, bem assim, à sua dissolução, a qual, nos termos da Constituição, é feita após audição do Conselho de Estado e dos partidos com representação parlamentar regional.

Compete ainda ao Presidente da República, ouvido o Governo, nomear e exonerar os Representantes da República para as Regiões Autónomas, cabendo a estes a representação da República em cada uma das regiões insulares, não sendo por acaso que a Constituição lhes atribui o poder de assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais. Relativamente a estes diplomas, é ao Representante da República que compete a respectiva assinatura, o envio para fiscalização preventiva por parte do Tribunal Constitucional ou o exercício do veto político.

A Constituição determina ainda que os órgãos de soberania cooperem com os órgãos de governo próprio, designadamente em domínios que se inscrevem, por natureza, na esfera de competência do Governo, enquanto órgão responsável pela condução da política geral do País. Esse dever de cooperação recíproca, nos termos constitucionais, incide particularmente no desenvolvimento económico e social das Regiões Autónomas e visa, em especial, a correcção das desigualdades resultantes da insularidade. A Lei Fundamental impõe, por conseguinte, que, entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio, existam, mais do que meras relações institucionais, relações de cooperação com vista a um objectivo específico: o desenvolvimento económico e social dos Açores e da Madeira.

Neste contexto, cabe sobretudo ao Presidente da República exercer a sua magistratura de influência para que se estabeleça um clima propício à cooperação entre os executivos da República e das Regiões.

Ao longo do meu mandato, tenho procurado que entre os órgãos da República e os órgãos regionais exista um diálogo leal e construtivo e um ambiente favorável a um salutar relacionamento institucional, e que as especificidades das Regiões sejam devidamente tidas em conta. Desloquei me aos Açores e à Madeira, onde tive oportunidade de contactar com as populações insulares, e, por diversas ocasiões, procurei que melhorasse o diálogo entre o poder central e as Regiões. Estas devem ser respeitadas na sua autonomia político-administrativa, tal como devem saber respeitar o princípio fundamental da unidade do Estado. Todos têm a perder com a existência de conflitos entre soberania e autonomia.

Entendo, por outro lado, que o dever de isenção e imparcialidade no tratamento das diversas forças partidárias, que assumo no plano nacional, se estende também aos partidos representados nas Assembleias dos Açores e da Madeira. Neste pressuposto, deve o Presidente da República abster-se de alimentar polémicas ou comentar declarações de agentes políticos proferidas no âmbito do combate partidário próprio da democracia.

Considero ainda que o Presidente da República, do mesmo modo que não deve interferir na organização e funcionamento interno dos demais órgãos de soberania, não pode imiscuir-se na organização e no funcionamento interno dos órgãos regionais. Compete-lhe, no uso da sua magistratura de influência, contribuir para atenuar crispações excessivas ou para ultrapassar situações anómalas, devendo, em princípio, fazê-lo com discrição e, em primeiro lugar, por intermédio dos Representantes da República, a quem cabe o acompanhamento da situação política em cada uma das Regiões, mantendo devidamente informado o Presidente da República.

No ano de 2008, um acontecimento marcou, de forma profunda, o futuro das Regiões Autónomas, bem como a configuração do Estado português como Estado unitário parcialmente regionalizado. Refiro-me, naturalmente, à aprovação da revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Estou convicto de que, no processo conducente à aprovação daquele diploma, o que esteve em causa possui um alcance que, muito provavelmente, só o futuro permitirá descortinar em todas as suas implicações. Entendi, por isso, que a questão justificava que os Portugueses dela tivessem o mais amplo conhecimento.

Foi nesse contexto que decidi fazer, no dia 31 de Julho, uma comunicação ao País sobre a revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Desde o início, foi para mim muito claro o que estava em causa. Não era uma questão de maior ou menor apreço pela autonomia das regiões insulares. E não era, também, uma questão que se relacionasse directamente com o titular do cargo de Presidente da República. O que estava em causa, como disse aos Portugueses, era o princípio de confiança e de lealdade política e ins-titucional que deve reger as relações entre os órgãos de soberania. Esta é uma questão que se situa num plano muito distinto do plano da apreciação da constitucionalidade das normas estatutárias.

Refiro-me, muito concretamente, à regra que impõe ao Presidente da República que, para dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores, proceda à audição de um conjunto de entidades mais vasto do que aquele que tem de ouvir quando decide dissolver a Assembleia da República, solução que se me afigura absurda. Independentemente de saber se essa solução, além de absurda, é também inconstitucional, existe um elemento anterior que, em meu entender, não é politicamente admissível: um órgão de soberania não deve, através de uma lei ordinária, limitar ou condicionar o exercício dos poderes de outro órgão de soberania, nem deve, tão-pouco, interpretar a Constituição no que se refere ao exercício dos poderes de outro órgão de soberania.

Esta é, como já referi, uma questão de confiança e de lealdade institucional, sem a qual o normal funcionamento das regras básicas do jogo democrático é comprometido e pervertido. Trata-se de um princípio essencial, válido quer no que se refere às competências do Presidente, quer às de qualquer outro órgão de soberania, sem prejuízo das particularidades constitucionais de cada um.

No caso em apreço, não estava em causa, repito, uma defesa dos poderes do Presidente da República, tanto mais que a norma em questão, relativa à dissolução da Assembleia Legislativa da Região, é de aplicabilidade muito remota. Em trinta anos de autonomia regional, jamais a Assembleia dos Açores foi dissolvida e não existem motivos para supor que tal aconteça no futuro próximo.

Antes de se configurar como uma questão jurídico-constitucional, trata se de uma questão de respeito pelos valores fundamentais da República, que são válidos para todos e quaisquer órgãos do Estado. Se a Assembleia da República, por exemplo, decidisse limitar ou condicionar o modo como o Governo exercesse os seus poderes constitucionais, tal princípio seria igualmente posto em causa. E, mesmo que tal solução normativa não fosse necessariamente inconstitucional, sempre seria atentatória daquilo que, em meu entender, corresponde a um dos fundamentos basilares da nossa democracia: a lealdade institucional no contexto do equilíbrio entre poderes soberanos do Estado.

Uma outra norma do Estatuto dos Açores mereceu a minha oposição. Refere-se ela à autolimitação de poderes que os actuais Deputados introduziram naquele diploma. Decidiram os Deputados, mesmo depois de o Presidente da República ter vetado politicamente o diploma que revia o Estatuto, que, doravante, em futuras alterações do Estatuto, apenas poderão modificar os preceitos que a Assembleia Regional entender deverem ser modificados. Num processo de revisão estatutária, cuja abertura compete ao parlamento regional, ficam, pois, os Deputados claramente limitados no exercício de um poder que a Constituição lhes atribui: o poder de aprovar as leis da República. Não é, para mim, compreensível que os Deputados hajam decidido hipotecar desta forma tão drástica a liberdade de acção dos seus sucessores.

A questão, uma vez mais, é essencialmente uma questão de princípio. Neste caso, o que se me afigura inadmissível, tal como encaro a estrutura do Estado português e o funcionamento dos seus órgãos soberanos, é a possibilidade de, por lei ordinária, os membros de um Parlamento limitarem os poderes dos Deputados vindouros. Na verdade, como a iniciativa de revisão estatutária cabe às Assembleias Regionais, e como os Deputados passaram agora a poder intervir apenas nas matérias que essas Assembleias decidirem que sejam revistas, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores passou a adquirir um elevadíssimo grau de rigidez, quiçá, até, superior ao da própria Constituição da República, algo que se me afigura um manifesto absurdo. De futuro, a margem de actuação dos Deputados de legislaturas subsequentes fica comprometida – porventura, definitivamente comprometida – por uma opção conjuntural dos Deputados da actual legislatura, opção que, para mais, ficou a dever-se a razões de natureza puramente partidária.

Ao contrário do que se pretendeu fazer crer, entendo que o que esteve em causa foi muito mais importante do que uma questão de relacionamento entre os Deputados à Assembleia da República e o Presidente da República. Os titulares dos cargos são efémeros e transitórios. O mesmo se não dirá dos valores basilares que fundaram a nossa democracia e sustentam o seu funcionamento. Esses, não tenho dúvidas, foram claramente postos em causa, independentemente de qualquer juízo que se faça sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

Em todo este processo, procurei pautar o meu comportamento por duas regras: colocar o superior interesse nacional acima de tudo e falar verdade aos Portugueses, fazendo-os compreender o alcance e a gravidade desta questão política e institucional.


Ouvir os jovens

Os problemas dos jovens têm merecido uma atenção constante ao longo do meu mandato. Tenho procurado ouvir a sua voz e várias vezes me dirigi directamente às novas gerações, apelando a que não se resignem perante as dificuldades.

A qualidade da educação, o combate ao insucesso e ao abandono escolares, a violência nas escolas, o acesso dos jovens ao mercado de trabalho e a instabilidade do emprego, o acesso à habitação, o empreendedorismo económico, social, cultural e ambiental dos jovens são matérias a que tenho prestado a minha melhor atenção.

Os sinais de alheamento dos jovens em relação à vida política – colhidos, desde logo, nos contactos durante a minha vida universitária – constituem, desde há muito, uma das minhas preocupações.

O interesse dos jovens pela participação cívica e política é uma questão da maior relevância para o futuro do País, porque serão eles os governantes, os deputados, os autarcas, os dirigentes partidários que terão de assegurar a continuidade e qualidade da nossa democracia. Deles dependerá a vitalidade do nosso sistema político e a consciência cívica da sociedade portuguesa. Daí a importância de entender porque é que a política não motiva o interesse dos jovens.

Foi por isso que solicitei à Universidade Católica a realização de um estudo sobre as atitudes e comportamentos políticos dos jovens, com o objectivo de trazer o tema à discussão pública e convidar os agentes políticos a sobre ele reflectirem.

O estudo, efectuado de acordo com os métodos mais fiáveis de recolha de informação, confirmou um baixíssimo interesse dos jovens pela política. Disponibilizei-o aos grupos parlamentares e decidi fazer dele o tema

central do meu discurso na 34ª Sessão Comemorativa do 25 de Abril, na Assembleia da República.

Promovi, depois, um encontro com líderes das organizações juvenis, com o objectivo de colher a sua opinião sobre o distanciamento dos jovens em relação à política e sobre as medidas que podem contribuir para minorar ou inverter esta situação. Jovens com experiência na direcção de associações de diferente natureza – partidárias, académicas, sindicais, empresariais, culturais e de voluntariado – puderam, assim, dar contributos úteis para a compreensão do fenómeno.

O Encontro, que contou, na sua primeira parte, com a participação de quatro especialistas da área da ciência política, revelou-se bastante estimulante, não apenas no debate que teve lugar, mas também pelas Conclusões a que chegaram os três grupos de trabalho, constituídos exclusivamente por jovens, dedicados, respectivamente, à Política Local, à Política Nacional e à Participação Europeia e Internacional. Os grupos de trabalho foram dinamizados por jovens «facilitadores» que demonstraram, na prática, a eficácia do método de educação não formal seguido nas associações juvenis. Face à pertinência da maioria das recomendações, decidi enviar as Conclusões aos outros órgãos de soberania, assim como à Associação Nacional de Municípios e à Associação Nacional de Freguesias.

Uma das recomendações dirigidas ao Presidente da República foi a da realização de um «Roteiro para a Juventude», desafio que aceitei de imediato.

A primeira Jornada deste Roteiro, subordinada ao tema «Autonomia dos Jovens e Associativismo», incluiu visitas a empresas de jovens agricultores,

a iniciativas de jovens empresários empreendedores, a uma organização cultural liderada por jovens e à Federação Académica do Porto. A finalizar esta Jornada, tive oportunidade de assistir a um desfile de moda de jovens criadores nacionais.

Os objectivos visados foram a valorização do associativismo jovem no âmbito empresarial como forma de promover a autonomia e de potenciar capacidades e competências, a divulgação de bons exemplos de capacidade inovadora e de iniciativa de jovens empreendedores, e o reconhecimento da acção cívica e social das associações e do voluntariado de jovens através das organizações estudantis.

Na intervenção que então produzi na Associação Nacional dos Jovens Empresários, sublinhei a importância, para as empresas e para a economia nacional, da autonomia empresarial em relação ao poder político e apelei aos jovens para que a assumissem sem receio e dessem o exemplo.

A tendência de algumas empresas para procurarem a protecção ou favor do Estado na realização dos seus negócios é nociva para o progresso do País e, a médio prazo, para os próprios empresários. Distorce a concorrência, favorece a produção de bens não transaccionáveis internacionalmente – acentuando o nosso desequilíbrio externo – e não estimula a inovação, a modernização tecnológica nem a preparação para a concorrência no mercado global. O poder político deve, portanto, actuar de forma a contrariar essa tendência e favorecer a autonomia dos empresários portugueses.

A segunda Jornada do Roteiro para a Juventude foi dedicada ao associativismo juvenil de cariz cultural e artístico como instrumento de emancipação económica e social dos jovens.

Procurei evidenciar bons exemplos de associativismo juvenil que trabalha e utiliza a arte como veículo de integração comunitária e de inclusão social, através da dinamização da vida das comunidades locais e oferecendo aos jovens oportunidades a que, de outro modo, não teriam acesso. Bons exemplos, também, de associações juvenis de cariz artístico que promovem a cidadania e o voluntariado como instrumentos de integração social e realização individual, e que estimulam a criação artística, a mobilidade internacional e o intercâmbio entre jovens artistas de diferentes países.

Nessa segunda Jornada do Roteiro para a Juventude, destacaram-se ainda projectos e iniciativas de jovens que são exemplos de partilha e aprendizagem intergeracional, constituindo espaços de liberdade criativa e de responsabilidade cívica de grande mérito.

Ao lançar o Roteiro para a Juventude, pretendi também dar oportunidade aos jovens para fazerem ouvir a sua voz, sublinhar as suas potencialidades individuais e as das suas organizações, e, muito especialmente, valorizar e reconhecer a valia da sua intervenção e da sua capacidade empreendedora para o progresso do País.


O Comandante Supremo das Forças Armadas

De acordo com a Constituição, o Presidente da República é o garante da independência nacional e da unidade do Estado e, por inerência, o Comandante Supremo das Forças Armadas.

O estatuto constitucional do Presidente da República, como Comandante Supremo das Forças Armadas, tem uma especificidade própria, sem paralelo em quaisquer das outras áreas da sua acção política, na medida em que pressupõe o exercício de competências explícitas e implícitas, com uma margem significativa de concretização na lei ordinária, como acontece na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

A associação constitucional do Presidente da República às Forças Armadas sublinha e acentua o seu carácter eminentemente nacional e suprapartidário, contribuindo, dessa forma, para o reforço da sua isenção política e para garantir a continuidade das políticas de Estado no âmbito da instituição militar e, num contexto mais alargado, no sector da defesa nacional.

A importância que atribuo às minhas funções como Comandante Supremo das Forças Armadas decorre não apenas das responsabilidades constitucionais e legais que me estão explicitamente atribuídas, mas também da interpretação atenta que faço dos conteúdos que, no exercício daquelas funções, podem ser identificados.

Constituindo-se como uma área de importância vital para a Nação e possuindo um carácter permanente e transversal, tenho-me empenhado em fazer com que a defesa nacional continue a merecer um amplo consenso dos diversos agentes políticos e órgãos de soberania.

Esta cultura de Estado tem constituído a referência determinante da minha acção em prol da convergência de esforços, das Instituições e dos Portugueses, em torno dos objectivos de defesa nacional. Daí que venha procurando acentuar, junto da opinião pública, a importância do papel das Forças Armadas na salvaguarda da defesa nacional e do bem-estar dos Portugueses e a sua crescente relevância como instrumento da política externa do Estado.

Durante algum tempo, deixámo-nos iludir com a esperança de que estaríamos a entrar numa nova ordem, sem razões para guerras, e em que o desenvolvimento e os direitos humanos seriam as bases de um novo paradigma das relações internacionais. Podemos, hoje, constatar que a necessidade e a relevância das Forças Armadas não são menores do que no passado.

No desempenho das minhas funções como Comandante Supremo das Forças Armadas, tenho procurado dar particular ênfase ao acompanhamento dos assuntos de defesa nacional e ao desenvolvimento, na sociedade portuguesa, de uma cultura de segurança e de defesa. Tenho, igualmente, pro-curado contribuir para o reforço da coesão e do prestígio das Forças Armadas e para sensibilizar os Portugueses para as suas especificidades e o seu papel como instituição estruturante do Estado, assim como incentivar o processo de reestruturação e o desenvolvimento do trabalho e das capa-cidades conjuntas e combinadas das Forças Armadas.

Como Comandante Supremo, tenho exercido as minhas competências de aconselhamento do Governo acerca da condução da política de defesa nacional, em particular em relação às Forças Armadas, e mantido uma relação estreita com as chefias militares, de forma a recolher informação actualizada sobre as condições existentes para o cumprimento das suas missões.

Desde que tomei posse, realizei mais de vinte visitas e participações em actividades militares, tenho conferido prioridade ao contacto directo com os nossos militares, em especial com os que se encontram a cumprir missões no exterior do território nacional. Considero marcantes as visitas que efectuei ao Kosovo, à Bósnia-Herzegovina e ao Líbano, bem como às actividades de preparação para a missão de policiamento aéreo nos países bálticos, em que Portugal participou no âmbito da NATO.

Procurei, assim, levar ao conhecimento dos Portugueses o relevante papel que as Forças Armadas assumem na defesa dos interesses de Portugal e a imagem de prestígio, sentido do dever e competência evidenciada pelos nossos militares perante os aliados e entre as populações dos países onde se encontram destacados.

O reconhecimento dos sacrifícios suportados por estes militares e suas famílias levou-me, no período do Natal de 2008, a convidar os familiares dos militares e elementos das forças de segurança que estiveram em missão no estrangeiro durante o último ano a partilharem, comigo e com a minha mulher, a abertura dessa época festiva no Palácio de Belém.

Desde o início do meu mandato, quis associar as Forças Armadas às cerimónias de celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, dando-lhes um merecido destaque como instituição fundamental do Estado, estruturante da nossa identidade e indissociável da história de Portugal como Nação livre e soberana. É nessa ocasião que me dirijo especialmente às Forças Armadas e procuro dar particular visibilidade e público testemunho das suas capacidades e da excelência do seu desempenho no cumprimento das missões em prol de Portugal e dos Portugueses.

Em suma, tenho procurado trilhar o caminho a que me propus no discurso de tomada de posse, em que assumi o propósito de reforçar a coesão e o prestígio da Instituição Militar, de acompanhar de perto, em articulação com os demais órgãos de soberania, o processo de reestruturação e modernização das Forças Armadas, e de estimular o trabalho conjunto dos ramos, de forma a reforçar a operacionalidade das forças e a promover uma adequada racionalização dos meios.


Aníbal Cavaco Silva
Março 2009