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Audiência com o Presidente Eleito Marcelo Rebelo de Sousa
Audiência com o Presidente Eleito Marcelo Rebelo de Sousa
Palácio de Belém, 28 de janeiro de 2016 ler mais: Audiência com o Presidente Eleito Marcelo Rebelo de Sousa

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Mensagem do Presidente da República à Assembleia da República a propósito da não promulgação do diploma que altera a Lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais

Senhor Presidente da Assembleia da República

Excelência,

Tendo recebido, para ser promulgado como lei, o Decreto nº 285/X da Assembleia da República, que altera a Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os seguintes fundamentos:

1. Nos regimes democráticos, é essencial assegurar que todas as forças partidárias disponham dos meios suficientes para exercerem a sua acção, uma vez que esta se afigura de importância fulcral para a estruturação da vontade política dos cidadãos. Por outro lado, é imprescindível garantir a transparência das fontes de financiamento partidário, de modo a que os partidos exerçam a sua actividade de forma independente e livre de quaisquer constrangimentos, públicos ou privados, e de modo a que as entidades de controlo e os cidadãos em geral possam conhecer os recursos de que cada força política dispõe e através de que meios os obtém.

2. Não por acaso, o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais constitui um problema central das democracias contemporâneas, tendo-se suscitado, em todo o mundo, um amplo debate em torno do modelo mais adequado para alcançar aquele duplo desiderato: garantir que os partidos disponham dos meios necessários para exercer a sua actividade e, em simultâneo, salvaguardar que a obtenção desses recursos se faça de acordo com critérios de independência e de transparência. Ainda que não existindo um modelo único, verifica-se a tendência, nas democracias consolidadas, para um aumento do controlo das origens do financiamento privado como forma de garantir a mencionada transparência.

3. Em Portugal, após terem sido ensaiadas diversas soluções – que tiveram expressão em sucessivos diplomas legais, a saber: Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro e Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto – o legislador adoptou, pela Lei nº 19/2003, de 20 de Junho, um modelo de financiamento tendencialmente público. Este modelo, revelando-se naturalmente oneroso para o Orçamento do Estado, tem sido justificado pelo argumento dos «custos da democracia», que o Estado e os contribuintes devem suportar com vista a diminuir a possibilidade de ocorrência de situações menos claras, as quais podem envolver mesmo práticas de corrupção ou clientelismo.

4. Deste modo, a adopção de um modelo de financiamento tendencialmente público, até pelos encargos que lhe estão associados, só é compreensível se o mesmo obedecer a dois critérios: (1) desde logo, os montantes que o Estado despende com os partidos e as campanhas eleitorais devem obedecer a padrões de razoabilidade e adequação, nomeadamente tendo em conta que essa afectação de recursos não pode deixar de atender à situação económica do País em geral e das contas públicas em particular; (2) em segundo lugar, os custos inerentes a um modelo de financiamento tendencialmente público implicam a existência de limites substanciais a formas alternativas de financiamento ou, pelo menos, que estas se encontrem sujeitas a um especial controlo, sob pena de, no final, existir um sistema que padeceria, em simultâneo, dos problemas característicos do modelo de financiamento público – i.e, os encargos que dele decorrem para o Orçamento do Estado – e do modelo de financiamento privado – os riscos de criação de situações de menor transparência.

5. Neste contexto, as alterações que agora se pretendem introduzir através do Decreto nº 285/X revelam-se incoerentes em face dos objectivos enunciados no momento da aprovação da Lei nº 19/2003. Com efeito, sem aliviar o esforço dos contribuintes no financiamento dos partidos – que, pelo contrário, até será acrescido – são reduzidas as exigências que visavam a transparência e o controlo do financiamento privado dos partidos.

6. Desde logo, constata-se, no nº 3 do artigo 3º, que o limite imposto ao valor de receitas pecuniárias dos partidos políticos não tituladas por cheque ou outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem é aumentado cerca de 60 vezes, passando de, aproximadamente, 20.961,00 euros (50 IAS) para 1.257.660,00 euros (3.000 IAS).
Estas receitas podem ter como origem as quotas e outras contribuições dos filiados dos partidos políticos, bem como o produto de actividades de angariação de fundos por eles desenvolvidas.

7. Reconhece-se que não se deve excluir liminarmente a possibilidade de alterações legislativas que contemplem uma melhor adequação à realidade, para que não se criem entraves à participação cívica e ao contributo pecuniário por parte dos cidadãos.
Todavia, nesta ponderação, não deve ser ignorada a necessidade de garantir a transparência no limite ao financiamento pecuniário não titulado, agora substancialmente aumentado, assim como na clara delimitação da natureza das receitas previstas. Por outro lado, importa garantir instrumentos de controlo contabilístico adequados, para que do exercício de uma actividade de participação cívica e de militância política não resultem situações menos claras de financiamento partidário. Além do mais, importa ter presente que as modernas tecnologias oferecem hoje novas possibilidades de identificação da origem das receitas.

8. Constata-se, igualmente, que, com a alteração agora aprovada, o limite do valor de receitas provenientes de iniciativas de angariação de fundos previsto no artigo 6º duplica, passando de cerca de 628.830,00 euros (1.500 IAS) para 1.257.660,00 euros (3.000 IAS).
Esta modificação assume maior relevância por via da alteração do próprio conceito que define o objecto do limite no artigo 6º. Enquanto na lei em vigor o limite se refere às “receitas de angariação de fundos”, no diploma agora aprovado o limite é referente ao “produto das iniciativas de angariação de fundos”, sendo este definido como “o montante que resulta da diferença entre receitas e despesas em cada actividade de angariação.”

9. Ora, sem uma maior densificação do que se entende por “iniciativas de angariação de fundos” e dos instrumentos de controlo contabilístico das mesmas e, sobretudo, sem qualquer limite para além do estabelecido para a diferença entre receitas e despesas, é difícil antecipar os efeitos futuros sobre a natureza e a dimensão das referidas iniciativas. Na verdade, no diploma agora em apreço, o limite da angariação de fundos passa a ter por referencial, não as receitas, mas a diferença entre receitas e despesas, o que cria uma incerteza quanto ao alcance da alteração agora operada. Seria possível, por exemplo, uma força partidária realizar uma acção propagandística de grandes dimensões e tratá-la, para efeitos contabilísticos, como «actividade de angariação», imputando-lhe todas as despesas dela decorrentes e, por essa via, manipulando os limites do valor das receitas previstas no artigo 6º.

10. Verifica-se, ainda, que, no que diz respeito às campanhas eleitorais, se estende, na alínea c) do nº 1 do artigo 16º, a permissão de donativos de pessoas singulares, até ao limite de cerca de 25.153,20 euros (60 IAS) por doador, aos partidos políticos. Ora, a possibilidade de acumular esta receita com o “produto de actividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral”, já anteriormente prevista na alínea d) do nº1 artigo 16º, conjugada com as alterações efectuadas ao artigo 18º, vem suscitar diversos problemas.

11. De facto, a lei actualmente em vigor estabelece, no nº 4 do artigo 18º, que a “subvenção não pode, em qualquer caso, ultrapassar o valor das despesas orçamentadas e efectivamente realizadas, deduzido do montante contabilizado como proveniente de acções de angariação de fundos”. Já a alteração agora aprovada estabelece simplesmente que “a subvenção não pode, em qualquer caso, ultrapassar o valor das despesas realizadas”.
Assim, esta modificação vem permitir que, através da acumulação de financiamento privado, proveniente de donativos de pessoas singulares e de acções de angariação de fundos, com a subvenção estatal, os partidos políticos possam obter lucro numa determinada campanha eleitoral.

12. Trata-se de uma possibilidade até aqui inexistente, que merece adequada ponderação. A simples ideia de lucro resultante da campanha eleitoral, agora potenciado pelos donativos de pessoas singulares aos partidos, pode subverter toda a lógica de funcionamento partidário, assente no seu carácter não lucrativo. Não é de excluir a hipótese de um partido procurar acumular excedente numa determinada campanha para poder, no período subsequente, retirar dividendos desse excedente, uma vez que o mesmo estará colocado numa conta bancária à sua ordem.

13. De facto, o nº 5 do artigo 18º estabelece que o eventual excedente deve ser “depositado em conta própria do respectivo partido, para tal destinada, a fim de ser afectado à campanha eleitoral subsequente e nela devidamente contabilizado”, carecendo contudo de uma maior clarificação quanto à natureza e aos efeitos da referida contabilização. Não é líquido se o excedente acresce ao financiamento público da campanha subsequente ou, caso contrário, deste financiamento será deduzido aquele excedente. Nesta última hipótese, pode verificar-se um incentivo ao aumento dos gastos com as campanhas, uma vez que a eventual contabilização, a efectuar-se, só sucederá no final da campanha eleitoral seguinte, no “encontro de contas” com a subvenção pública, evitando-se, nesse momento, que a obtenção de excedentes seja «penalizada» pela diminuição da subvenção estatal. Ao invés, na hipótese de os partidos poderem ir acumulando lucros com as campanhas, verifica-se que, porventura, haverá que repensar os montantes do apoio estatal, possivelmente excessivos e desajustados.

14. No que se refere ao financiamento das campanhas eleitorais, assinale-se ainda que carece de justificação o aumento agora aprovado ao limite das despesas de campanha eleitoral fixado para a segunda volta da eleição para Presidente da República, de cerca de 1.048.050,00 euros (2.500 IAS) para 2.096.100,00 euros (5.000 IAS).

15. Acresce que para além das objecções de mérito atrás referidas, as alterações feitas em sede de redacção final, já após a aprovação deste diploma em Plenário, suscitam as maiores dúvidas de um ponto de vista jurídico-formal.
Dos trabalhos preparatórios resulta que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República modificou, no texto do Decreto nº 258/X, as normas dos artigos 4º, nº 5, e 18º, nº 5 da Lei nº 19/2003, de 20 de Junho.
Ora, cumprida a votação final global de um diploma legal pelo Plenário, a actividade de redacção final do texto em comissão não pode, de acordo com o nº 2 do artigo 156º do Regimento da Assembleia da República “(…) modificar o pensamento legislativo, devendo limitar-se a aperfeiçoar a sistematização do texto e o seu estilo”.
Sucede, porém, que a nova redacção que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias conferiu às normas do nº 4 do artigo 5º e do nº 5 do artigo 18º do diploma, não constituiu um aperfeiçoamento estilístico ou sistemático do seu texto, mas sim, respectivamente, uma modificação substancial de uma norma do decreto aprovado em Plenário e uma alteração directa da própria Lei nº 19/2003.

16. Em suma, o diploma agora aprovado introduz uma muito significativa alteração ao regime até agora vigente de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, aumentando os limites dos montantes provenientes de fontes privadas de reduzido controlo, com prejuízo da transparência e ao invés das melhores práticas internacionais nesta matéria. Tal redução de controlo e de transparência ocorre sem que diminua o esforço de financiamento público dos partidos, atingindo-se, deste modo, um perverso sistema que acumula as dificuldades associadas ao défice de controlo do financiamento privado com os pesados custos de um sistema de financiamento público. Esta alteração afigura-se tanto mais inoportuna se tivermos em consideração a proximidade de vários actos eleitorais e a actual conjuntura económica e financeira do País.

Assim, nos termos do artigo 136º da Constituição, decidi devolver à Assembleia da República sem promulgação o Decreto n º 285/X da Assembleia da República, que altera a Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Com elevada consideração,

Palácio de Belém, 9 de Junho de 2009

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Aníbal Cavaco Silva

 

09.06.2009

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Acedeu ao arquivo da Página Oficial da Presidência da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2016.

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